Ginásios e outdoor

José, o alfarrabista que quis pôr Portugal a correr — e já organizou mais de 200 provas

Tudo começou com uma ideia louca: dar a volta a Portugal em 29 dias. Hoje, continua a ter ideias para provas originais e desafiantes.
A corrida é uma paixão.

Em 1980, José Moutinho tinha acabado de cumprir o serviço militar obrigatório e decidiu que queria viver uma aventura. Convenceu o irmão, calçaram as sapatilhas e saíram de casa para fazer a que seria apenas a sua primeira volta a Portugal a correr. Em apenas um mês, fizeram mais de 1600 quilómetros, sem dias de descanso.

Com partida na Maia, a sua cidade natal, o percurso dividiu-se em 29 etapas. Era o primeiro passo de uma carreira de 50 anos dedicada ao atletismo. E a esta distância, considera que essa foi, muito provavelmente, a mais dura prova que já enfrentou.

“Foi correr no desconhecido, não sabíamos o que íamos encontrar nem pelo que iríamos passar.” Dormiam nos quartéis de bombeiros e, durante o percurso, tinham a companhia de um massagista e de um nutricionista. “Teve muito impacto. Havia comunicação social a seguir-nos diariamente e, quando estávamos de regresso, fecharam a marginal da Póvoa de Varzim para podermos passar”, conta à NiT o atleta de 66 anos.

A corrida faz parte da sua vida desde os nove, quando, ao entrar na escola preparatória, começou a praticar atletismo como atividade extracurricular. Entre os 15 e os 20 anos, foi jogador federado de voleibol no Gueifães, clube da região, mas acabou por abandonar o desporto para cumprir o serviço militar obrigatório.

“Naquela altura, o atletismo não era o que é hoje. Depois do 25 de abril começaram a surgir mais provas, porque antes só havia competições de pista e poucas de estrada”, relembra. Quando terminou as obrigações militares, decidiu focar-se totalmente na corrida, especialmente na modalidade de montanha. Passou por vários clubes, como o Santana (hoje extinto) e o Futebol Clube do Porto.

A vontade de embarcar em desafios mais extremos levou-o, em 1984, a fazer a ligação Maia-Paris em 34 dias. “Já tínhamos alguns conhecimentos deste circuito por outras pessoas que o tinham feito, por isso não achei tão avassalador como a volta a Portugal.”

Em 1991, decidiu abrandar e tirar “um período sabático”. Dois anos depois, fundou o Clube da Maia de Atletismo, onde foi treinador até se retirar no ano seguinte.

O gosto pela natureza levou-o a competir pela primeira vez fora de Portugal, em Mont Blanc, França. “Tentei saber o que de melhor se fazia na Europa e descobri uma prova naquela região. Quando lá cheguei, encontrei algo completamente diferente do que estava habituado em Portugal: cordas para ajudar nas subidas, escadas íngremes e desníveis acentuados. Concluí que aquilo era um trail.”

Impressionado pela experiência, uniu-se à organização e lançou, em 2006, o Ultra Trail da Serra da Freita, com 42 quilómetros, que ainda hoje é realizado. “No primeiro ano participaram apenas 50 pessoas, porque era algo muito extremo para os portugueses. No segundo, já tínhamos 100 inscritos.” Foi nessa altura que decidiu encerrar a carreira como atleta e investir na organização de eventos desportivos.

Em 2007, criou a Geira Romana, uma prova no Gerês destinada a atletas habituados a maratonas de estrada. É atualmente “a segunda prova mais antiga de Portugal”.

Embora tenha começado por apostar no território nacional, a proximidade à Galiza motivou José a explorar a região espanhola. Em 2010, fundou a Galicia Máxica Trail Adventure e, durante uma década, organizou cerca de 60 competições. No entanto, a pandemia da Covid-19 interrompeu os eventos. “Fazer estes eventos tão longe de casa tornou-se difícil e caro.”

Este domingo, 8 de dezembro, José celebra um marco importante: a organização da 200.ª prova, o Trail Azenhas de Carregosa, que também reflete o seu cunho pessoal. “A paixão ainda não se extinguiu. Consigo renovar-me constantemente”, afirma. Quando não está a correr (ou a pôr os outros a correr), trabalha como alfarrabista.

Apesar de já não competir, José continua ativo com ideias únicas, como as Voltas do Impossível. Provas com cinco voltas de 21 quilómetros cada, inspiradas na história dos mineiros da década de 1940, e que devem ser completada em 15 horas. Apenas 50 pessoas são convidadas.

“Se for a primeira vez que participam, os atletas têm de me trazer uma cerveja artesanal ou pagam 19,58€ — o ano do meu nascimento”, graceja. A hora de partida é escolhida por José, através do toque de um sino, e a partida é feita uma hora depois. A iniciativa já vai na 5.ª edição e não faltam interessados.

E agora? Depois da prova número 200, ainda há muito para fazer, confessa. “Às vezes ainda me consigo surpreender a mim próprio. Em todas as provas que organizo não há nenhum detalhe que se repita, mudo sempre os percursos.”

 

 

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