Ginásios e outdoor

Cabeleireira vai correr 100 quilómetros para ajudar miúdos necessitados

Aos 57 anos, Sílvia Duarte prepara-se para enfrentar mais uma longa distância para ajudar uma causa social.
A próxima aventura acontece a 12 de outubro

Sílvia Duarte tinha cinco anos quando foi viver para a África do Sul, onde viveu uma infância ativa e cheia de corridas. “O desporto sempre foi a minha zona de conforto, uma vez que lá era comum incentivar os miúdos a praticar”, recorda. Embora tenha corrido sempre por prazer, evitava longas distâncias, pois “implicavam um grande sofrimento”, explica.

Nunca mais abandonou o hábito de correr, mesmo quando regressou a Portugal, e começou a trabalhar como cabeleireira. “Exerci alguns anos em Lisboa e acordava por volta das cinco e meia, seis da manhã, para correr três ou quatro quilómetros, o que me ajudava a limpar a cabeça e a ir para o trabalho com uma energia renovada”, recorda.

Por isso, quando surgiu a oportunidade correr a Meia Maratona EDP, em 2018, sabia que não ia ser fácil. “Fui desafiada pela paróquia de S. Julião da Barra, em Oeiras, com a qual colaboro, a correr não dez quilómetros, que era o máximo que tinha feito para desanuviar, mas sim 21. Foi difícil, porque não estava preparada para esta distância.”

Apesar das dificuldades, Sílvia, que já estava habituada a participar em eventos solidários, não teve coragem de recusar a oportunidade de ajudar as crianças de Benguela, em Angola, para quem as receitas da sua participação na prova iriam reverter.

Este desafio de superação foi apenas o início de uma longa jornada. Decorridos seis anos, Sílvia Duarte descobriu a sua paixão pelas longas distâncias e percebeu que, através da corrida, poderia cumprir o seu propósito de vida: dar a mão a quem mais precisa.

Aos 57 anos, já conseguiu angariar mais de 38 mil euros com a participação em quatro corridas, a que se juntou a receita de dois dias de trabalho no seu salão de cabeleireiro. Agora, tem uma nova missão agendada para 12 de outubro: participar no Trail Abrantes 100 km Trilho Perdido, com as receitas a reverterem para o programa de alimentação escolar da Mary’s Meals, que combate a fome em Moçambique. 

Uma fonte de inspiração

Sílvia sempre sentiu a necessidade de ajudar os outros, mesmo diante das dificuldades que teve de enfrentar na vida. “Quando regressei a Portugal com 18 anos, vinda da África do Sul, senti uma profunda tristeza pela mudança e não sabia o que queria”, recorda.

Após ter trabalhado em vários salões de cabeleireiro, acabou por abrir o seu próprio espaço — Sílvia Duarte Hair Spa — no Estoril, há 25 anos, e não descansou enquanto não encontrou uma forma de apoiar o próximo. “Como não tinha dinheiro, mas sim talento e mãos, comecei a colaborar com o Lar da Boa Vontade, em Carcavelos, onde cortava os cabelos a quem precisasse, de forma gratuita”. A colaboração acabou por se estender à instituição O Século, na Parede, que apoia jovens carenciados.

Com o fim destas colaborações e inspirada pelas redes sociais, Sílvia começou a perceber que existiam pessoas que corriam para diferentes causas e quis seguir esse exemplo. Apesar de ter encontrado grandes dificuldades na Meia Maratona EDP, onde chegou ao quilómetro 17 a pensar “não vou conseguir”, terminou a prova. A sua vida mudou quando se cruzou com Maria da Conceição, a primeira mulher portuguesa a alcançar o Monte Evereste.

“Fiquei fascinada por ela”, recorda. “Pediu-me para lhe contar a minha história, acabámos por nos emocionar e ficámos amigas.” Maria da Conceição encorajou Sílvia a não desistir e sugeriu-lhe um treinador de corrida. Porém, a situação financeira de Sílvia tornava isso muito difícil, até que aconteceu algo inesperado. “Após alguns dias do nosso encontro, recebi um email de um coach do Dubai a dizer: Maria da Conceição acaba de pagar um ano de coaching. Vamos começar?”

Não permitir que alguém diga “tu não consegues”

Sílvia sempre se considerou uma pessoa insegura e não conseguia perceber o que Maria da Conceição tinha visto em si que ela própria não conseguia ver. “A minha família sempre me disse que eu não era capaz, que era burra, e acabei por interiorizar essa ideia.”

No entanto, ao iniciar o trabalho com o treinador, Sílvia notou uma evolução inesperada. “Comecei a receber planos de treino seis vezes por semana, focados na corrida, mobilidade e força, e tudo mudou”, conta.

Durante a pandemia, Sílvia manteve-se em forma a treinar em casa e voltou a ser influenciada pelas redes sociais. “Vi alguém que se desafiou a correr uma maratona dentro de casa, o que me pareceu uma loucura.” No entanto, alguns dias depois, contactou o padre da sua paróquia, dizendo que estava disposta a fazer uma maratona à frente de casa, se houvesse alguém na comunidade a precisar de apoio.

A história de uma família com três filhos, cujo pai tinha sido diagnosticado com cancro e necessitava de ajuda para suportar o valor dos exames na Fundação Champalimaud, comoveu-a. Fizeram transmissões ao vivo enquanto corria, partilhando o desafio nas redes sociais, e terminou os 42 quilómetros com a surpreendente quantia de sete mil euros angariados, em vez da meta inicial de 2.500 euros. “Foi esta corrida que me desbloqueou a mente.”

A partir desse momento, Sílvia passou a correr longas distâncias regularmente por várias causas, com um foco renovado. “Nunca mais vou aceitar que alguém me diga ‘tu não consegues’. Se achar que posso, tenho de tentar.” A sua evolução foi mais rápida do que esperava.

Ainda durante os confinamentos, decidiu correr até Fátima como forma de agradecimento. Convidou dois amigos a juntarem-se a ela para percorrerem juntos 170 quilómetros, de S. Julião da Barra até ao santuário, ao longo de três dias. “Apesar das suas inseguranças por não treinarem com a mesma frequência, acabaram por aceitar”, conta.

Voltou a falar com o padre da sua paróquia e, apesar de todas as reticências e desconfianças, chegaram a Fátima no dia previsto, e até algumas horas antes, e conseguiram angariar 17 mil euros, em linha com os 170 quilómetros percorridos.

A próxima aventura está agendada para 12 de outubro, em Abrantes, e desta vez Sílvia correrá pela Mary’s Meals, que presta auxílio a miúdos em Moçambique. “Tenho um sonho: gostava muito que esta instituição chegasse a Benguela, o projeto da minha paróquia.”

Se quiser contribuir com o seu donativo, pode fazê-lo através do IBAN: PT50 0007 0000 0036 7851 3552 3; ou MBWay 912 524 403.

Carregue na galeria para acompanhar Sílvia Duarte nas várias corridas onde já participou.

 

 

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT