Depois de um projeto em Braga e outro no Campo Mártires na Pátria, em Lisboa, a Hoopers voltou a pegar nas tintas e desta vez juntou-se à dupla de arte urbana Halfstudio em Chelas. Ali, na companhia da comunidade local e de Sam The Kid, rapper que fez de Chelas o seu mundo, nasceu um campo que foi inaugurado esta segunda-feira, 23 de novembro.
A história começou em 1992, quando Oliveira Donbell, mais conhecido por “Maninho”, chegou a Portugal vindo de Angola. Ali, no Bairro dos Lóios, montou uma tabela de basquetebol que passou a ser um dos locais nevrálgicos daquela parte da cidade. Junto à tabela, havia um touro, em tributo à era dourada em que Michael Jordan e os seus Chicago Bulls dominavam a NBA.
Sam The Kid lembra-se de dar ali uns toques. Os miúdos de então cresceram, tiveram filhos, e a vida em Chelas continuou. O campo nunca foi esquecido mas o tempo é sempre implacável. Nada como um novo look e toda uma nova vida. A NiT visitou o campo quando os últimos preparativos estavam a ser feitas. Ali no centro, com um lettering desenhado ao detalhe pela dupla Haldstudio, lia-se um gigante “Chicago” e um menor mas não menos orgulhoso “Chelas”.
Quando o antigo basquetebolista André Costa fundou a Hoopers, a start-up queria dedicar-se a compilar campos para este desporto e permitir que as pessoas pudessem descobrir online onde, quando e com quem jogar. A Hoopers rapidamente descobriu que havia mais campos do que se imaginava. Alguns, no entanto, haviam sido esquecidos. A NiT, André Costa conta que começou a jogar basquetebol com seis anos. “Venho de uma família de jogadores. A Hoopers foi criada já a pensar em ter um papel que pudesse ajudar a modalidade”, conta. “O que percebemos foi que quem queria jogar basquetebol na rua, era difícil encontrar o espaço. Quando começámos a mapear os campos, percebemos que havia muitos em maus estado. Foi uma oportunidade de criar campos icónicos”.
O “icónico” aqui não é simples jargão técnico. Cada novo campo desenhado tem um lado de arte urbana que lhe dá nova vida. Ajuda a que o espaço se torne mais conhecido, convidando novos visitantes, ao mesmo tempo que é uma motivação extra para a prática da modalidade. Cultura, desporto e comunidade, tudo junto num só espaço.
Depois do sucesso em Braga, no Campo de Basquetebol das Enguardas pintado por Contra, que revelou o maior campo icónico de basquetebol da Europa, havia que encontrar novo espaço. Chelas tinha o local ideal. Havia ali história, muita vontade e uma comunidade pronta para lhe dar continuidade. “O espaço sempre foi da comunidade, pedimos emprestado durante uns dias”, brinca André Costa. E o resultado está agora à vista.

Um projeto de todos
“A maior parte do pessoal da minha geração, que jogou sempre teve muito carinho por este sítio”, conta-nos Sam The Kid. O músico recorda-se do tempo em que o próprio jogava ali mas lembra acima de tudo os seus amigos desde aqueles tempos, que tratavam aquele espaço como se fosse uma tabela da própria NBA. “Quando a tabela já estava morta no chão, pintavam-na e voltavam a montá-la”.
À imagem do que aconteceu no País, a pandemia deixou Chelas também um pouco mais fechada sobre si própria. Foi entre conversas de moradores de diferentes gerações que se percebeu que havia vontade de fazer algo mais pelo espaço. A comunidade local participou nesta reabilitação do espaço, até alguns dos materiais foram comprados em lojas da zona.
“Este tipo de iniciativas são essenciais. São positivas e numa altura importante, até para termos o nome Chelas gravado no chão, quando há poderes que querem alterar isso”, explica Sam The Kid. “Por vezes”, conta, “há um estigma em torno de certos bairros e certos nomes. Mas a solução não pode ser mudar de nome e achar que se varre para debaixo do tapete toda a negatividade. A solução não é essa”, realça o rapper. “A solução é fazer coisas boas, com o mesmo nome de sempre”.
Para Sam The Kid, é uma questão de orgulho, daquilo que se alimenta em comunidade. A sua Chelas merece também esta oportunidade, de mostrar que é muito mais do que o espaço de má fama que chegou ao cinema como “Zona J” (1998). E quer fazê-lo com o nome de sempre.
“Este sítio, mesmo antes de ter esta obra lindíssima, já era muito requisitado, inclusive para gravações”. O próprio rapper já ali gravou vídeos. Para ele, este era também um regresso às origens musicais, à boleia deste novo Chicago, com as companhias da casa de sempre.
Daddy-O-Pop, bem conhecedor da zona, e Sam The Kid voltaram a juntar-se na composição de um novo single, “Não é só um game”, dos Official Nasty, o grupo que marcou o início da carreira de ambos os músicos. “O Paulo [Daddy-O-Pop] é daqueles que ficavam aqui a jogar até ao jantar. Era importante que as palavras fossem dele”, explica. Foi assim que se voltaram a juntar. E é ali que vão gravar em breve o vídeo do novo single. Em Chelas. Em comunidade. Junto à tabela deste pedaço de Chicago em Lisboa.
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