“Comecei em maio de 2022 a dar aulas de ioga a um grupo de reclusos no âmbito do prison yoga project. Ao longo destes dois anos, a aula entranhou-se na minha vida de uma maneira muito mais profunda do que alguma vez pensei que viesse a acontecer.”
Há mais de dois anos que Sara Luz, professora desta prática milenar, visita todos os meses o Estabelecimento Prisional de Lisboa. A paixão pela área já a acompanha desde os 19 anos, quando decidiu experimentar pela primeira vez uma aula de ioga em Londres.
A formação em Design levou-a a viver no Reino Unido durante sete anos. Em 1996, voltou para Portugal, com o objetivo de abrir de imediato o próprio atelier. A paixão pelos têxteis andou sempre lado a lado com o ioga, que nunca parou de praticar e no qual se tornou profissional após tirar um curso entre 2013 e 2016, onde aprendeu as mais diversas técnicas.
“Comecei a dar aulas em casa, em 2014, a um pequeno grupo. Cinco anos depois, soube de um apartamento no andar abaixo da minha casa que tinha ficado livre. Comprei-o para começar a ensinar lá. Nesse mesmo ano deixei o design e dediquei-me em exclusivo ao Semente Ioga Estúdio”, conta à NiT a lisboeta de 53 anos.
A inauguração do negócio aconteceu poucos meses antes da pandemia da Covid-19. Tal como aconteceu com tantos outros negócios, Sara começou a dar aulas online. “Larguei tudo pelo ioga, o que me obrigou a dedicar-me ainda mais ao estúdio e tentar arrancar da melhor forma este projeto.”
Quando a pior fase já tinha passado e estava a conseguir restabelecer o funcionamento regular do atelier, surgiu um convite para a iniciativa que integra até hoje. “Quem trouxe isto para o nosso País, em 2022, foi uma amiga minha, a Inês Aires, com quem eu acabei por fundar a Associação Almaz. E assim a dinâmica avançou.”
O Prison Yoga Project nasceu nos Estados Unidos em 2002, pelas mãos de James Fox, na prisão de San Quentin. O foco era fornecer apoio emocional e ferramentas aos reclusos que cumpriam penas num país onde o sistema “é muito punitivo”. A iniciativa acabou por chegar à Europa e Portugal foi um dos países que aderiram de imediato ao projeto.
“Há uma maneira diferente de lhes levar esta arte. Chama-se trauma based ioga e foi criado especialmente para pessoas que sofreram algum tipo de trauma. Por exemplo, na prisão, nunca lhes dizemos para se virarem para a parede, são formas de ganharmos a sua confiança”.
Sara explica que o objetivo destas sessões não é ensinar aos reclusos as posições mais corretas, mas sim ajudá-los a criar uma conexão com o corpo. São-lhes explicados movimentos e técnicas de respiração para se manterem calmos em momentos de maior frustração. “Isto é algo que humaniza as pessoas e isso é o ponto-chave.”
Antes de participar neste projeto, a professora teve de tirar uma formação específica com a coordenadora europeia, Josefin Wikström. Entre 4 e 6 de abril do próximo ano vai abrir uma nova vaga de inscrições para quem estiver interessado em fazer parte do projeto. O local ainda não foi definido, mas toda a informação ficará disponível no site do Prison Yoga Project.
“Inicialmente, o processo desenvolveu-se com o Ministério da Justiça. Depois de estar autorizado, começámos os contactos com as prisões. Algumas receberam a iniciativa de braços abertos, outras não ficaram tão interessadas, mas já conseguimos chegar a estabelecimentos de Chaves, Coimbra, Faro, Leiria, Linhó, Lisboa, Montijo, Policia Judiciária do Porto, Santa Cruz do Bispo e Sintra.”
Segundo a instrutora de ioga, nunca houve um momento em que se tenha sentido com medo ou insegura. “São pessoas como nós, com histórias de vida difíceis.”
Uma vez por mês, pelas 10 horas, dirige-se ao EPL e reúne-se com os reclusos que, no caso desta prisão, têm de participar nas sessões obrigatoriamente.
“Isso torna tudo um bocadinho mais difícil, porque há homens que não querem estar ali. Tenho de conseguir arranjar uma forma de tornar aquela 1h30 interessante para eles”, diz.
O projeto foi bem recebido pelos participantes. A melhor prova disso mesmo é que, no início, era frequente atrasarem-se para as sessões, agora, já estão à espera de Sara quando ela chega ao estabelecimento.
“Não estava à espera de tanta abertura por parte deles. O meu objetivo é que consiga estar com eles, de corpo e mente. Está a ser ainda melhor do que as minhas expectativas e é algo muito gratificante para mim.”
Durante as aulas, Sara Luz está completamente sozinha com os reclusos, sem polícias na sala. Isso ajuda a criar ainda mais confiança. “No primeiro mês em que lá cheguei, houve um rapaz que me disse que queria ser professor de ioga quando acabasse de cumprir a pena. Um mês depois chegou o dia de ser libertado, mas decidiu esperar pela hora da aula e só depois ir embora. Isso emocionou-me muito.”
Noutro dia, por exemplo, um recluso disse-lhe que ocorreu uma situação que o deixou muito exaltado e só conseguiu manter a calma porque se lembrou dos movimentos de respirações que tinha aprendido nas aulas.
“Quero com certeza continuar com este projeto. É algo que me deixa muito feliz e concretizada. Como tenho o meu estúdio, gostava de criar alguma forma de os conseguir inserir nas minhas aulas quando saem da prisão.”