Alimentação Saudável

Maria deixou de comer carne há 30 anos. “A minha mãe achava que podia morrer”

Tinha apenas 12 anos quando se tornou vegetariana. Já lançou quatro livros com receitas que descomplicam esta dieta.
Já escreveu quatro livros.

“Tornei-me vegetariana aos 12 anos e a minha mãe tinha imenso medo que eu pudesse morrer por não comer carne”, começa por contar Maria de Oliveira Dias à NiT. Quando resolveu mudar radicalmente de dieta, nos anos 90, a falta de informação sobre o vegetarianismo fazia com que muitas pessoas — incluindo a mãe de Maria — acreditassem que comer apenas vegetais podia levar à desnutrição e que seria muito prejudicial para a saúde.

Apesar do receio da progenitora, Maria nunca mais tocou em carne ou peixe. Agora, com 41, continua saudável e tenta desmistificar a alimentação baseada em vegetais através dos quatro livros que já lançou. O último chama-se “Vegan Gourmet” e tem mais de 70 receitas onde mostra como as refeições à base de vegetais e legumes podem ser “simples e saborosas”.

“Sempre achei estranho comer animais”, frisa Maria. A estranheza era reflexo da proximidade diária que sempre teve com cães, gatos, vacas, porcos e galinhas. Nasceu em Viseu e vivia rodeada de bichos. “Fazia-me imensa confusão pensar que as galinhas ou os porcos eram mortos para servirem de alimento. Para mim, os animais nunca foram sinónimo de comida. A dissociação entre um bife e um vitelo, uma galinha e um frango de churrasco nunca foi possível para mim. E, por isso, custava-me mesmo muito comer carne”, reforça.

A uma das primas, alguns anos mais velha, também lhe “causava uma certa impressão comer carne e peixe.” Certo dia, disse a Maria que se tinha tornado vegetariana e explicou-lhe o que isso significava. “Nesse dia decidi que ia seguir o mesmo estilo de vida e anunciei-o à família”, conta.

A notícia não foi recebida da melhor maneira: “A minha mãe passou quase um ano a ver se conseguia fazer-me mudar de ideias. Continuava a cozinhar carne e peixe e tentava que eu comesse.” Maria não sucumbiu à vontade dela, nem à falta de informação da época. “Comia apenas os acompanhamentos da refeição que era preparada e muita sopa.” Porém, confessa que teve sorte porque a família se alimentava “bastante bem”, com “hortaliças da praça ou da horta, muitas leguminosas, legumes e fruta da estação”.

Alimentar-se no dia a dia nem sempre foi fácil. “Comer fora de casa era um desafio porque na altura não havia tantas opções. O ser criativo e não comer sempre o mesmo também foi outro obstáculo.” Com o passar dos anos começou a haver uma maior consciencialização para este estilo de vida e Maria acabou, após ler mais sobre a indústria dos ovos e dos lacticínios, por se tornar vegan. Mas não foi uma mudança tão brusca, como a que fez quando tinha 12 anos.

“Quando quis deixar de comer animais, queria ser vegan, embora nem soubesse da existência do termo. Nesse momento ainda comia ovos e derivados do leite porque não sabia o que comer fora de casa.” Aos poucos foi abandonando também estes produtos de origem animal e aos 26 anos já não os incluía na dieta. Voltou a enfrentar os mesmos problemas, sobretudo a falta de informação, mas rapidamente procurou alternativas. “De repente, percebi que haviam muitos outros sabores e texturas que não exploramos devidamente.”

Do teatro para a cozinha

Na altura, cozinhar era apenas um hobby em que podia explorar a criatividade. “Sempre fui muito criativa. Estudei teatro e trabalhei vários anos como atriz em Paris e Nova Iorque. Porém, quando voltei para Portugal, apesar de ter feito alguns trabalhos na representação não me sentia completamente satisfeita. Acredito no poder transformador da arte e aqueles tipos de trabalhos eram pouco enriquecedores”, conta à NiT. Isto junto à precariedade e imprevisibilidade fez com que procurasse uma alternativa.

Quando passou a viver entre Viseu e Lisboa — para estar mais perto das oportunidades — mantinha uma horta na casa dos pais para plantar alguns legumes e hortaliças. Depois, com o que cultivava criava receitas. “Decidi fazer uma espécie de arquivo partilhado e assim nascia a plataforma The Love Food, em 2010”, recorda. O início da década trazia o aparecimento dos blogues e o de Maria Oliveira Dias rapidamente se tornou um sucesso.

“Ninguém falava sobre veganismo. Não existiam restaurantes vegan e achei que seria interessante falar no tema e partilhar o que comia para mostrar que a dieta que seguia podia ser igualmente saborosa como a tradicional”. Inspirada pela cozinha típica criava alternativas sem carne ou peixe. “Fazia bacalhau com natas sem bacalhau, arroz de pato sem pato e isso fez com que as pessoas ficassem curiosas.”

Estudar para dar asas à imaginação

Quando o blogue começou a crescer, a chef vegana percebeu que poderia torná-lo em algo diferente. “Começaram a surgir várias propostas como dar aulas e escrever livros, mas senti-me incapaz. Por isso fui estudar. Comecei pelo Instituto Macrobiótico Português, em Lisboa”, revela.  Meses mais tarde percebeu que queria mais e foi viver para Inglaterra onde se tornou Plantbased Chef pelo Plantlab LA e Food Future Institute e, mais tarde, formou-se Health Coach pelo Integrative Nutrition NY.

Durante esta jornada educativa acabou por conhecer uma chef brasileira, em França, e foi para São Paulo estagiar no seu restaurante, chamado Moinho da Pedra. Passou por outras cozinhas para aprender mais sobre os alimentos, sobre como os podia cozinhar e combinar.

Quando deu por terminados os “anos loucos de aprendizagem” voltou para Portugal e criou a The Love Food — o mesmo nome do blogue — uma das primeiras empresas vegans e biológicas do País, que produzia e distribuía produtos de pastelaria, salgados e comida saudável em mercearias, supermercados e lojas dos Norte a Sul de Portugal. “Senti que não bastava partilhar receitas, era necessário que houvesse alternativas realmente saudáveis e gulosas no mercado.”

Entretanto, em 2015, escreveu o primeiro livro “Cozinha Vegana” e depois deste vieram mais dois — “Cozinha Vegana para bebés, crianças e famílias sustentáveis” e “Ecoguia para mudar o mundo”. O segundo foi inspirado na dieta que escolheu para o filho, que nasceu em 2015, e que ainda suscitava muitas dúvidas.

Desfazer mitos e dúvidas

“Há muitas mães que querem evitar os processados e papas pré-feitas, mas não sabem o que hão de fazer. Se seguirem uma dieta vegetal parece que é ainda mais difícil, porque parece que falta alguma coisa quando tiramos a carne ou o peixe do prato. Nos últimos 50 anos, crescemos a ouvir que esse tipo de proteína é que dá força e tirar isso faz com que só haja acompanhamentos, em geral, muito pouco nutritivos, como batata, arroz ou massa.” Mas Maria de Oliveira Dias quer mostrar há uma grande variedade de coisas que podemos comer, “milhões de maneiras de cozinhar e é tudo tão simples, saboroso e prático”.

Embora a health coach seja vegan, em casa, o resto da família segue uma dieta vegetariana. Antes do filho nascer procurou um pediatra com algumas referências e entrou um que considera ser “uma pessoa informada e sensata” e que a apoiou na decisão da alimentação que escolheu para o filho. “Não existe qualquer entrave a um estilo de vida saudável de base vegetal. O único obstáculo é a falta de informação generalizada dos profissionais de saúde sobre a mesma, quando é sabido que as doenças da sociedade ocidental, e dos portugueses em particular, se devem a uma nutrição paupérrima baseada num excesso de animais e cereais refinados“, refere. E remata: “Dar papas de pacote cheias de açúcar e comida de frascos que dura um ano na prateleira do supermercado para mim não era opção.”

O vegetarianismo ainda causa muita estranheza e suscita muitas dúvidas por parte de quem segue uma alimentação chamada tradicional. O preço dos alimentos é uma das mais comuns. Mas Maria de Oliveira desfaz o mito: “Uma dieta vegan que troque a carne por produtos processados que se pareçam com ela não é saudável. Gasto certamente muito menos do que uma família que faça escolhas chamadas tradicionais. A minha base são legumes da estação, leguminosas, hortaliças, fruta e cereais”, explica Maria de Oliveira Araújo. Mas tem alguns truques para isso: “Fujo dos supermercados e tento comprar diretamente ao produtor. No entanto, mesmo se fizesse as minhas compras no supermercado seria mais económico do que preparar refeições com carne e peixe, e também muito mais nutritiva, fresca e deliciosa.”

Em 2018 percebeu a parte criativa, criar receitas, era o que realmente gostava de fazer. A gestão de empresas e a faturação não eram para si. Encerrou a produção e dedicou-se à consultoria gastronómica e à formação de cozinha e pastelaria vegana, na escola de hotelaria e deixou os livros um pouco de lado.

Quase três anos depois voltou à escrita e começou a planear o “Vegan Gourmet” que seria publicado no início deste ano. “Neste livro quis dar asas à imaginação e fazer receitas mais freestyle e igualmente versáteis, nutritivas, sustentáveis e deliciosas”, explica. A obra tem mais de 70 propostas dividias por entradas, sobremesas, refeições principais e básicos e inclui ainda dicas para retirar “o máximo sabor dos ingredientes”.

A seguir, carregue na galeria para descobrir algumas receitas do livro “Vegan Gourmet” de Maria de Oliveira Dias.

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