Com um telemóvel na mão conseguimos, em poucos segundos falar com a família, trabalhar, esclarecer dúvidas, comprar roupa, pagar a conta do gás ou saber o que está a fazer um amigo que vive num país distante. Há inúmeros benefícios num mundo altamente conectado, com todos os aparelhos digitais que o tornam possível, mas, a quantidade de informação com que somos bombardeados diariamente, pode afetar nossa saúde mental.
O ritmo frenético de notícias, as centenas de notificações, as milhares de fotografias e vídeos que consumimos, assim como o tempo passado em aplicações que se tornam viciantes e que são altamente distrativas, retira-nos o foco de atividades no mundo real. Por isso mesmo, existe um movimento chamado detox digital, que sublinha a importância de desligarmos os aparelhos tecnológicos e ficarmos offline por um período de tempo.
Há quem opte por deixar de utilizar redes sociais durante um fim de semana para conseguir relaxar e aproveitar melhor o tempo, há outros que evitam o telemóvel e o computador assim que saem do trabalho, ou até há quem faça retiros, com especialistas, totalmente focados numa vida sem tecnologia. No entanto, o que muitas vezes é uma escolha, tornou-se numa imposição criada pelo apagão que aconteceu nesta segunda-feira, 28 de abril, quando Portugal, e outros países da Europa, ficaram sem energia elétrica.
A situação fez com que os portugueses vivessem o primeiro detox digital coletivo da história. A falta de eletricidade e de rede tornou os telemóveis e computadores totalmente inúteis, sem se conseguir fazer chamadas, enviar mensagens ou ter ligação à Internet. Além do caos causado em comércio e serviços, a nível pessoal muitas pessoas deixaram-se afetar por esta realidade. Não conseguir contactar familiares e amigos acabou mesmo por causar transtornos emocionais a muitos.
“Ontem, em mais jovens e menos jovens, por motivos lúdicos e profissionais, muitas pessoas ficaram bastante ansiosas. Algumas reportam a sensação de se sentirem perdidas e desgovernadas, sem saberem o que fazer quando não têm as tecnologias disponíveis”, diz à NiT a psicóloga Filipa Jardim da Silva, responsável do Coletivo Transformar.
Porém, apesar deste detox digital ter sido imposto, causando enormes inconvenientes para a grande maioria da população, houve quem elogiasse a situação, garantindo que foi uma forma de desligar dos problemas e conseguir aproveitar melhor o tempo. Apesar de compreenderem o papel que a tecnologia tem nas suas vidas, muitos viram aqui uma oportunidade para aprender a desligar. E, a verdade, é que esta é uma prática há muito defendida por especialistas.
“Muitos profissionais de saúde têm introduzido o conceito de detox digital numa ótica, não de nos alienarmos de tudo e todos, mas de trazermos mais consciência ao nosso uso da tecnologia. O que queremos é que a tecnologia seja apenas uma ferramenta”, afirma a psicóloga.
Em alternativa ao tempo gasto em redes sociais ou a ver televisão, muitas pessoas aproveitaram a tarde para passear com os miúdos, para passar tempo em jardins com amigos, para fazer piqueniques nos parques (como se verificou no Jardim da Fonte Luminosa, em Lisboa) ou, simplesmente, fazer uma caminhada, como um momento de reflexão. Houve ainda quem aproveitasse este tempo, sem conseguir trabalhar ou estar conectado, para tratar de atividades em casa que, normalmente, ficam renegadas para segundo plano.
Os benefícios desta desconexão incluem melhorias na qualidade da atenção e do sono, mas também na regulação das próprias necessidades emocionais e físicas. Para Filipa Jardim da Silva, o recurso excessivo à tecnologia deixa-nos em modo de “piloto automático” e “quando andamos em piloto automático não damos uma resposta tão satisfatória às nossas necessidades”.
Apesar do apagão ter levado este fenómeno ao extremo, esta prática não necessita de uma desconexão completa. Pode simplesmente optar por tirar momentos do seu dia para fazer pausas.
“É importante que sejam pausas sem o scroll, sem aquele voyeurismo. As nossas pausas e micro pausas devem sê-lo verdadeiramente, para serem mais eficazes ao nível do nosso cérebro e do sistema nervoso”, refere.
De acordo com a psicóloga, evitar usar o telemóvel durante a primeira hora depois de acordar e a última meia hora antes de dormir, não usar a televisão na hora das refeições, mesmo que coma sozinho, e fazer pausas curtas ao longo do dia, são o suficiente para começar a mudar a sua relação com a tecnologia, para se tornar mais saudável.