Saúde

Pata d’ Açúcar resgata cães abandonados para ajudarem no controlo da diabetes

Associação treina animais para detetarem hipoglicemias em humanos com Diabetes Tipo 1. Resultados são "incríveis".
Em Portugal existem cerca de um milhão de diabetes, de acordo com as estimativas.

Nuno Benedito é instrutor de cães há 30 anos. Há sete, um tutor diabético pediu-lhe que treinasse o seu cão para que o animal fosse capaz de detetar as perigosas descidas de açúcar no sangue. “Foi um desafio enorme. Eu não percebia nada de diabetes, mas percebia de treino cinotécnico”, recorda à NiT.

Durante quase um ano, Nuno e o seu cliente prepararam o cão. O resultado foi tão reconfortante que o profissional pensou se aquele desafio poderia ser “o ponto de partida para ajudar mais pessoas”. E foi. Em dezembro de 2016 nascia a Pata d’ Açúcar.

A associação, onde trabalham sem qualquer remuneração cerca de 20 voluntários, resgata todos os anos cães de abrigos para animais abandonados e prepara-os para virem a ser Cães de Alerta Médico, “dando nova oportunidade à vida dos animais e à qualidade de vida das pessoas com diabetes”.

“Todos os anos selecionamos entre os nossos associados aqueles que queiram beneficiar destes cães e vamos a abrigos para animais abandonados, escolhemos os cães, de acordo com o seu perfil, e durante um ano trabalhamos o animal, sem qualquer custo para o futuro tutor”, explica Nuno Benedito.

O presidente da direção da Pata d’ Açúcar, que tem sede na Arrentela (Seixal), explica que os cães são sempre da associação. “Têm seguro de saúde, seguro de acidentes pessoais e a alimentação paga durante aquele ano de treino conjunto”, custos que são suportados, ao abrigo da Lei de Mecenato, pelos parceiros da Pata d’ Açúcar, onde pontificam empresas como a Purina, a Mapfre Seguros, a DNA Tech, ou a Abbott, um dos principais laboratórios internacionais ligados à diabetes.

Findo esse ano de trabalho conjunto, a associação faz a cedência do cão, que continua registado em seu nome, à família, que o adota em definitivo, beneficiando ainda de condições favoráveis em ração, seguros e tudo o que os parceiros da Pata d’ Açúcar disponibilizarem.

Como se preparam os animais?

E qual o trabalho dos cães? Nuno Benedito diz que “estes cães são animais de companhia mas com valor acrescido”. “São trabalhados através do olfato a detetar com antecedência baixas de açúcar no sangue, ainda antes de o tutor estar em hipoglicemia”, explica o treinador. Portanto, quando o nível de glicemia chega aos 90 mg por decilitro de sangue, soam as campainhas. “Nalguns casos, os cães chegam a antecipar-se em meia hora os dispositivos eletrónicos que os doentes usam” para controlo da glicose.

O presidente da Pata d’ Açúcar deixa claro, contudo, que “estes cães não substituem qualquer equipamento, são apenas um complemento”. Mas as vantagens não são apenas as diretas. Há também as indiretas. “O tutor que tenha um cão tem de levá-lo a passear. Ora, com isso, está a fazer exercício físico, que é fundamental para qualquer diabético. E não só: os pacientes quando recebem o diagnóstico de diabetes tipo 1 têm tendência a isolar-se. Tendo que passear o cão, e estes cães estão identificados, o tutor não se isola, e interage sempre com as pessoas que o abordam na rua”.

De que forma é que os cães detetam a descida do açúcar? A Pata d’ Açúcar trabalha em parceria com o Departamento de Química da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, mas o treinador assume que “no mundo científico ainda não se sabe que substâncias eles detetam”.

O trabalho de preparação do animal, que demora cerca de um ano, é “ensinar o cão que perante amostras de saliva com determinado valor de glicemia tem acesso a uma brincadeira”, explica Nuno Benedito, que acrescenta que “o trabalho tem de ser feito sempre com reforço positivo”. “O cão tem de cheirar porque tem algo muito bom a ganhar com isso, ele não pode ser obrigado”.

O processo “é menos complexo do que parece”. O difícil, diz, é que “cada cão é um cão e não há um parâmetro médio”. “O que dá trabalho é colocar o cão a alertar no momento certo”, sublinha.

“Ajuda imprescindível”

E quando isso acontece, “é incrível”, diz Renato Loureiro, 46 anos, diabético tipo 1, e que encontrou na Pata d’ Açúcar uma “ajuda imprescindível”, ainda para mais porque o filho mais novo, Lucas, hoje com 10 anos, tem também a doença, que lhe foi diagnosticada aos seis anos.

“O Link tem sido uma ajuda incrível, eu diria mesmo imprescindível. Ele não é um cão, ele é um membro da família”, afirma à NiT, acrescentando que o patudo já foi “muito útil por várias vezes”. “Acho que já não sabia viver sem eles”, reconhece.

Link, que foi treinado pela associação durante um ano, revela-se dócil, companheiro e sempre muito atento. “Na nossa casa, o quarto do Lucas fica numa ponta da casa e a sala é na outra ponta. Ainda ontem estávamos a ver televisão na sala e o Lucas já estava deitado. De repente, sem qualquer razão aparente, o Link levanta-se de onde estava, ao pé de nós, foi ao quarto do Lucas, começou a ganir e veio ter connosco agitado. Percebemos logo o que se estava a passar, o Lucas estava quase a entrar em hipoglicemia”, conta Renato.

Este pai de família não esconde que “a vida mudou muito” quando o cão lhes chegou a casa. “É uma grande tranquilidade, como pode calcular, ainda por cima para nós, pais. Sabermos que o Lucas está a dormir e que está alguém de olho nele é muito reconfortante”, afirma Renato, acrescentando que o Link anda sempre consigo.

“Trabalho na E-Redes em Coimbra, felizmente a minha empresa percebeu a utilidade que o cão tem para mim, e portanto, o Link acompanha-me em permanência”, conta à NiT. “Num outro dia estava numa reunião e tive de a interromper porque o Link estava a ganir ao pé de mim. Percebi logo o que era, estava com o açúcar muito baixo”.

Na Pata d’ Açúcar, que já retirou 18 cães de abrigos para treiná-los com este propósito, há uma batalha que ainda não está vencida. “Os nossos cães ainda não são considerados cães de assistência”, como os cães-guia, por exemplo. O processo é exigente e meticuloso, conta Nuno Benedito.

“Temos de ter um reconhecimento da Assistance Dogs International, que tem requisitos apertados. Temos de avançar com uma candidatura, que tem de ser aprovada, depois ainda somos auditados e só depois é que podemos ter cães de assistência”, conclui.

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