Saúde

A greve dos professores tem impacto nos miúdos e nas famílias (“mas tem de ter para ser eficaz”)

Patrícia é psicóloga e trabalha há seis anos numa escola com contratos temporários. Espera que a luta compense as paralisações.
É uma situação imprevisível e de total falta de controlo para todos.

“A greve tem de ter impacto. Por mais que nos custe fazê-la, ficar sem o rendimento desse dia, deixar para trás trabalho importante e, também, ficar importados com a aquisição de conteúdos por parte dos miúdos, o intuito do movimento tem de ser superior a isso. Porque tem de haver paralisação. Se uma greve não causar impacto, não é de facto uma greve eficaz.”

Patrícia Januário tem 34 anos e trabalha há seis num agrupamento de escolas como técnica de intervenção no local, com jovens com insucesso escolar de turmas PIEF. Mas é também, há dez anos, psicóloga fora dela, tendo já acumulado funções noutros contextos (clínica privada, projetos de investigação e formação de adultos). Ainda assim, diz não ter qualquer carreira.

Sobre as greves de professores e assistentes operacionais que têm, desde dezembro, encerrado as escolas e deixado alunos sem aulas — num cenário de pouco controlo, instabilidade e imprevisão — Patrícia diz compreender os dois lados: o dos pais que se queixam dos efeitos negativos e o dos profissionais que querem melhores condições. É por continuar, ao fim de seis anos, com renovações contratuais de termo de um ano que espera que o impacto da greve compense as possíveis consequências que ela terá nos miúdos.

No final, acredita — “não sendo professora, nem especialista nessa área” — que o tempo perdido será recuperado com trabalho mútuo dos alunos e professores. “Considerando, claro, um conjunto de fatores associados ao processo de aquisição de conteúdos.”

É um modo de luta, aquele que nos está reservado para lutar. É como as greves dos trabalhadores dos transportes públicos. Eles têm noção de que vão afetar milhares de pessoas, mas acreditam que isso fará com que eles próprios tenham mais motivação para trabalhar, mais condições e que aquele período curto de impacto possa ter, a médio e longo prazo, benefícios.”

Segundo a psicóloga, as consequências das greves nos miúdos, ainda que sejam uma possibilidade, não poderão ser equiparadas às da pandemia. “Poderão ter impacto, sim, mas será distinto das dos períodos da Covid — altura em que as repercussões ao nível das aprendizagens foram gigantescas.”

“O cenário pandémico trouxe um regime de ensino à distância que acabou por alterar o modo de aquisição de aprendizagens e de conteúdos. E essa mudança permaneceu mesmo depois desse período. O facto de agora haver de forma intermitente aulas ou não aulas, faz com que estas aprendizagens fiquem mais difíceis de adquirir”, explica.

Também Rute Agulhas, psicóloga clínica e forense, é da mesma opinião. “Um processo de ensino intermitente tem necessariamente consequências do ponto de vista da aprendizagem dos alunos e do seu bem-estar. Muitos sentem que não conseguem acompanhar os conteúdos dados e não compreendem toda a matéria. Sentem-se a ´ficar para trás` e a ´perder o comboio`, como me dizia recentemente uma criança de dez anos”, começa por dizer à NiT.

Sendo que um processo de recuperação dos conteúdos curriculares exige tempo e esforço de todos os envolvidos — professores, alunos e famílias — todos deverão trabalhar de forma articulada e integrada. “Mas a verdade é que nem todos os pais as podem pagar. Logo aí, as diferenças sociais e económicas podem acentuar outras diferenças”, acrescenta a psicóloga Rute Agulhas.

É a própria quem nos desvenda que aprender na escola não deveria ser substituído pela mesma prática em casa. “A escola é um palco privilegiado de múltiplas aprendizagens e que complementa aquilo que as crianças aprendem em casa. São complementares.” E, efetivamente, esta transição poderá refletir-se também ao nível familiar.

Consequência que acontece não por passarem mais tempo com a família, mas por representar uma necessidade de uma grande gestão da rotina familiar ao nível do cuidados dos menores — que, neste cenário, chega mesmo a impedir a família de ir trabalhar de forma natural. “Fizemos vários questionários para analisar o estado dos miúdos em termos emocionais. Estar com a família foi apontado como uma das vantagens da pandemia. Mas claro que, nas casas onde já havia conflitos, houve um aumento, porque o estar mais tempo em conjunto propicia isso.”

Em ambas as profissionais a opinião é consensual: aos inúmeros desafios que os jovens têm vivido, potenciados pela pandemia, pela guerra, pela inflação e pelo aumento do custo de vida, o das greves dos professores junta-se, então, e contribui para uma enorme imprevisibilidade no que respeita ao decorrer do processo de aprendizagem.

“De manhã, as crianças e as famílias preparam-se para ir para a escola e é, muitas vezes, a caminho da mesma que tomam conhecimento de que não há aulas. Falamos, assim, de uma situação imprevisível e de total falta de controlo que, naturalmente, tende a aumentar a ansiedade de todos os envolvidos. Não apenas dos miúdos — tantos deles já com dificuldade em acompanhar os conteúdos curriculares — mas também das famílias, que nem sempre têm um plano B”, acrescenta Rute Agulhas.

Sem escola, surge o impasse de onde deixar os miúdos. Devem deixá-los sozinhos? E quando os pais não têm uma atividade suficientemente flexível que lhes permita faltar ou chegar mais tarde ao trabalho? “Temos, assim, os pais presos num dilema que nem sempre é fácil de gerir, com um natural impacto negativo, maior stress, preocupação e tensão — que afeta toda a dinâmica familiar”, conclui a psicóloga clínica e forense.

É natural, portanto, que os pais fiquem preocupados e com receio de que as paralisações estejam a afetar de forma bastante negativa a aprendizagem dos educandos que, segundo os próprios, já foram privados de um ensino de qualidade durante o período de pandemia. Mas os professores e técnicos entendem a situação antes como uma forma de luta.

“Estamos a tentar incutir a quem de direito, nos quadros superiores, uma facilitação da vida porque a verdade é que estamos congelados há muito tempo. A carreira não é justa, nem sequer é lógica. Não faz sentido. Estou há seis anos assim, nesta situação precária. É muito complexo”, reflete Patrícia. Se trabalhado e explicado pelos pais e professores, o panorama pode até ser utilizado como um exemplo de cidadania para mostrar que é importante a participação cívica e a importância de lutar pelos nossos direitos.

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