“Comer carne aumenta risco de cancro dos rins”, “comer iogurtes pode ajudar a prevenir o cancro” ou a “gordura pode aumentar o risco de cancro de pele — muito se escreve sobre a forma como a alimentação pode influenciar o aparecimento daquela que é vista como a pior doença do século XXI. Mas será que há mesmo uma ligação entre aquilo que comemos e o cancro?
De acordo com a Agência Internacional Para a Investigação do Cancro e a Organização Mundial da Saúde (OMS), um quarto da população portuguesa está em risco de desenvolver cancro até aos 75 anos e 10 por cento de morrer por doença oncológica.
E os dados alarmantes continuam: a 23 de maio do ano passado, o Fundo Mundial para a Pesquisa do Cancro revelou que o número de novos casos de cancro deve aumentar 58 por cento em 2035, à medida que mais países decidem adotar os estilos de vida ocidentais. No total, são mais de 3,7 milhões de casos e 1,9 milhões de mortes por ano, daí o cancro representar a segunda causa de morte na Europa. Noutra perspetiva, uma em cada seis mortes no mundo.
“A principal causa para a subida deste número é o aumento da esperança média de vida (cerca de 61 anos em 1970, em Portugal, sendo que atualmente ronda os 81). Mas não é o único fator: é de realçar a forma como estes anos são vividos e o seu contributo para o desenvolvimento de doenças oncológicas. E aqui chegamos, inevitavelmente, ao estilo de vida”, explica à NiT o médico oncologista José Pais, que dá consultas no Hospital de Santo António dos Capuchos, em Lisboa.
De acordo com o especialista, há vários fatores de risco para o cancro que podemos controlar: o consumo de tabaco e bebidas alcoólicas, o aumento da atividade física, a diminuição da obesidade e os hábitos alimentares.
O livro “100 Perguntas sobre o Cancro”, publicado em julho de 2018 e escrito pelos investigadores Daniel Closa e Salvador Macip, destaca uma lista 14 fatores — com que toda a gente concorda — que têm um impacto significativo sobre o risco de sofrer um cancro e, portanto, que se devem evitar ao máximo:
1. O tabaco;
2. A obesidade;
3. Uma dieta pobre em fruta e legumes;
4. O álcool;
5. Certos trabalhos;
6. O sol e as máquinas de raios UVA;
7. Certas infeções (as principais são o VPH e as hepatites);
8. Uma dieta demasiado rica em carne vermelha (vitela, porco, borrego) ou processada;
9. A radiação;
10. Uma dieta baixa em fibra (menos de 23 gramas diários);
11. Um estilo de vida sedentário (menos de 150 minutos semanais de atividade moderada);
12. Amamentar durante menos de seis meses quando se é mãe;
13. Uma dieta excessivamente rica em sal;
14. Certos tratamentos hormonais.
“Recordemos que o cancro é comparável a uma lotaria: quanto menos bilhetes comprarmos, menos probabilidades teremos de ganhar. Todos temos uma quantidade fixa de bilhetes à nascença (a nossa predisposição), e o acaso oferece-nos mais ao longo da vida, e isso é algo que não podemos evitar. O que podemos fazer é não aumentar ainda mais a nossa coleção”, explicam os autores do livro editado pelo grupo 20/20.
O tumor que causa mais mortes a nível mundial (e nacional) é o cancro do pulmão. Segundo o médico oncologista, neste caso específico, o tabagismo será o grande elemento de risco. A mesma coisa pode dizer-se da influência da exposição solar na incidência de melanoma. Portanto, a alimentação acaba por ter um papel secundário em ambos os casos.
Por outro lado, há tumores e infeções mais relacionados com a alimentação. O cancro da mama ou do cólon são dois desses exemplos, como explica José Pais.
“A contribuição exata da alimentação, por si só, é difícil de precisar na medida em que existem uma série de outros fatores que muitas vezes surgem associados, onde se destacam a obesidade, o sedentarismo e algumas doenças, como a Diabetes Mellitus tipo 2. Nestas doenças associadas, a alimentação é essencial na prevenção e controlo. Mas penso que a máxima deve, de facto, estar na influência de um estilo de vida saudável, nas suas várias vertentes”, revela à NiT.
Há uma ligação?
Existem alimentos que devemos evitar?
Segundo o médico oncologista, é difícil atribuir a um alimento específico uma atividade facilitadora do aparecimento de cancro por duas razões: os estudos sobre o tema não são conclusivos e, dada a industrialização da produção de vários alimentos, é complicado discriminar qual é o efeito do alimento (ou dos aditivos ou contaminantes presentes).
“Ainda assim, têm sido várias as investigações a demonstrar um aumento da propensão para o cancro com a ingestão de alimentos com gordura de origem animal, nomeadamente carne vermelha, associando-se a aumento do risco de alguns tumores mais frequentes na nossa população (como o do cólon e da mama). Vale a pena relembrar que, se há duas gerações o consumo de carne para a maioria era tido como uma exceção, hoje em dia este consumo é diário. Não existem provas inequívocas que um regime sem carne vermelha seja benéfico, mas parece haver provas de que uma redução do seu consumo é aconselhável.”
Os alimentos fumados ou processados também conferem riscos acrescidos, devido aos produtos químicos que resultam dos processos de fabrico, para a génese de outros tipos de tumores, como os gástricos.
O especialista adianta, ainda, que os hidratos de carbono e os lacticínios também têm sido associados ao aumento da incidência de cancro. Mas não há provas disso.
Já a nutricionista Bárbara de Almeida Araújo destaca um estudo publicado na “US National Library of Medicine”, em fevereiro de 2018, que indica a associação entre o consumo de alimentos processados (como bolachas e bolachas industrializadas, cereais açucarados, carnes processadas e refrigerantes) e o risco de cancro. Os resultados deste estudo demonstraram um aumento de 12 por cento do risco de cancro e um aumento de 11 no risco de desenvolver cancro da mama. Por outro lado, o consumo de alimentos frescos ou alimentos minimamente processados estão associados a um risco menor de desenvolver cancro.
“Tendo em conta as investigações, deve evitar-se, ainda, os alimentos carregados de aditivos, açúcar refinado, margarinas e gorduras hidrogenadas”, acrescenta.
A alimentação também é essencial na prevenção?
Para o médico oncologista José Pais, mais uma vez, não existem fórmulas simples. Sabe-se apenas que a alimentação saudável associada à ausência de obesidade e à prática de exercício físico vai, seguramente, apresentar benefícios na prevenção do cancro. No entanto, A contribuição exata de cada elemento, e se um funciona sem os outros, é difícil de provar.
O especialista destaca um estudo, publicado em maio de 2017, que permitiu encontrar uma relação entre a adesão à dieta mediterrânica e a diminuição da incidência e mortalidade por cancro (principalmente no fígado, pâncreas, cólon e reto).
“Adicionalmente, temos que ser prudentes com os fundamentalismos na alimentação, especialmente os que têm pouca ou nenhuma evidência científica. A título de exemplo, ouvimos/lemos muitas vezes sobre o benefício de antioxidantes, nomeadamente na prevenção do cancro. No entanto, alguns estudos provam o contrário. Um deles, feito em indivíduos com risco elevado de neoplasias do pulmão (fumadores, ex-fumadores, trabalhadores expostos a amianto), foi precocemente terminado porque os resultados preliminares mostraram um aumento de 17 por cento da mortalidade nos indivíduos que consumiram antioxidantes (betacaroteno, vitamina A), quando comparados com o grupo que consumiu placebo”, explica.
Outro estudo, que analisou os resultados de várias investigações sobre o tema, concluiu que a suplementação de betacaroteno e vitamina A aumenta a mortalidade, não se encontrando qualquer evidência na sua suplementação na prevenção de doenças. Mas atenção: isto não significa que ingerir alimentos ricos em vitamina A ou betacaroteno seja negativo, mas apenas que suplementar com doses extra não só não ajuda, como até pode prejudicar.
Ainda assim, há alimentos que devemos privilegiar?
“Uma alimentação equilibrada, com maior preponderância de alimentos vegetais e fruta, com a eliminação parcial de, pelo menos, carne vermelha e gorduras animais, bem como alimentos processados, é considerada mais saudável para a prevenção de várias doenças, nas quais se inclui o cancro. Uma palavra de cautela final: a ciência é evolutiva e a história das recomendações científicas nas recomendações alimentares tem sido no mínimo tortuosa. Afinal ainda há 30 anos atrás, se recomendava evitar a todo o custo o azeite, por ser uma gordura”, alerta à NiT José Pais.
Depois de uma análise aos vários estudos sobre o tema, ainda que alguns sejam inconclusivos, a NiT, juntamente com a ajuda da nutricionista Bárbara de Almeida Araújo, fez uma lista com os oito alimentos mais mencionados como protetores contra o cancro e que, de qualquer forma, devem fazer parte de uma dieta saudável.
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