“Os filhos mais velhos são sempre os preferidos.” Todos já ouvimos esta afirmação, responsável por muitas discussões em famílias com mais do que um filho. Embora até agora esta ideia fosse considerada uma “falsa teoria” criada pelos irmãos mais novos despeitados, afinal, parece não estar muito afastada da realidade.
A tendência foi confirmada por um estudo realizado por investigadores da Universidade Brigham Young, nos Estados Unidos, publicado em dezembro do ano passado na revista científica “Psychological Bulletin”, da Associação Americana de Psicologia (com a sigla APA, em inglês).
Os primogénitos, as raparigas, e “miúdos mais conscientes ou agradáveis têm maior probabilidade de receber tratamento preferencial por parte dos pais”, conclui a pesquisa, que envolveu uma meta-análise de vários estudos com um total de 19.469 participantes de países como os EUA, Europa Ocidental e Canadá.
“Concordo com o estudo, mas, evidentemente, existem exceções”, começa por explicar Paulo Dias, neuropsicólogo especializado em infância e adolescência à NiT. “Contudo, não creio que a forma como os pais tratam os filhos tenha um impacto muito significativo nas suas necessidades de desenvolvimento. Esta questão é menos linear”, acrescenta o especialista.
Os autores da investigação alertam, porém, que este “tratamento diferenciado” entre irmãos pode ter consequências negativas ao longo do crescimento dos miúdos. O neuropsicólogo Paulo Dias defende que as abordagens distintas revelam mais sobre os próprios progenitores do que sobre os filhos. “Quando se fala em primogénitos, os pais acabam por projetar muitas expectativas, desejos e ambições neles. Quando chegam os filhos seguintes, os pais já têm uma capacidade educacional diferente e isso pode implicar uma alteração nas suas perspetivas sobre a parentalidade”, sublinha.
Os investigadores responsáveis pelo estudo, Alexander Jensen e McKell Jorgensen-Wells, analisaram a ordem de nascimento, o género, os temperamentos e as personalidades dos irmãos, e exploraram a relação destes fatores com o favoritismo parental. Os dados obtidos revelam que os filhos mais velhos tendem a ser favorecidos pelos pais, recebendo mais autonomia e sendo menos controlados em comparação com os mais novos. E esta realidade “pode ter implicações importantes”, defendem.
“Costumo dizer que não acredito quando se diz que amamos os todos os filhos da mesma forma. Os pais amam incondicionalmente, mas esse amor é reflexo das atitudes e comportamentos de cada filho. Por exemplo, com um filho que cumpre as expectativas escolares e se esforça, e com outro, que é mais desobediente e birrento; a médio/longo prazo serão desenvolvidas afinidades diferentes com cada um”, destaca o neuropsicólogo.
O especialista da clínica Dr. Alberto Lopes salienta que as expectativas e ambições que os pais depositam nos primogénitos podem ter consequências a longo prazo. “São miúdos que tendem a apresentar um maior índice de insegurança, enquanto os filhos mais novos beneficiam de um certo relaxamento por parte dos pais, e acabam por desenvolver uma maior resiliência para lidar com as situações do dia a dia.”
As diferenças de preferência, por vezes, refletem-se na educação dada a cada um. “A ausência ou menor afeto direcionado aos mais novos pode influenciar o seu desenvolvimento e padrões de comportamento”, alerta Paulo Dias. E acrescenta: “Se um filho começa a ter dificuldades na escola ou problemas para dormir sozinho, isso pode ser um reflexo da falta de atenção e levar a fragilidades na autoestima.”
Os efeitos negativos do tratamento desigual entre os irmãos podem manifestar-se em características psicológicas que perduram na vida adulta. Por isso, para evitar que a diferença na forma como tratam os primogénitos e os restantes filhos se intensifique e atinja um ponto de não retorno, os pais devem agir o quanto antes, recomenda o neuropsicólogo.
“O nosso principal indicador de que existe um problema é a maneira como os pais lidam com as circunstâncias do dia a dia. Quando se tornam menos tolerantes com certos comportamentos de um filho e não sabem como reagir, devem procurar ajuda.”
Atualmente, educar um filho “é totalmente diferente do que era há três décadas. A exigência é maior, mas também existem mais teorias e informação infundada”, salienta. Paulo Dias sublinha ainda a necessidade de um enfoque educacional que se adapte a cada filho, sem assumir que o que funcionou com o primeiro também será eficaz com o segundo. “Não existe um manual que sirva para todos os miúdos; é fundamental descobrir como lidar com diferentes personalidades e situações”, acrescenta.
Relativamente a outra das conclusões do estudo norte-americano, que destaca também a preferência pelas filhas em comparação com os filhos, o neuropsicólogo justifica a tendência com os estereótipos associados a cada género. “Geralmente, as meninas exibem comportamentos mais conscientes e agradáveis do que os meninos”, conclui.