Saúde

As escolas devem mesmo confiscar telemóveis? “Se os pais se aliam aos filhos é pior”

Este ano, mais um agrupamento proibiu o uso de smartphones. Uma medida radical que é "expetável" que os mais novos não aceitem bem.

O arranque do novo ano letivo pode ser excitante para os miúdos. Mas também adivinha muitas peripécias, dúvidas e incertezas. Uma delas prende-se ao uso dos telemóveis durante as aulas e a possível revolta dos mais novos contra a medida.

Existem já várias escolas, públicas e privadas, que proibiram o uso destes equipamentos dentro do recinto escolar, ou apenas na sala de aula. O objetivo da medida é o de proteger o desenvolvimento e bem-estar dos mais novos, assim como impedir as perturbações durante as aulas.

O Agrupamento de Escolas de Almeirim é o mais recente a juntar-se à causa. Este ano proibiu o uso de telemóveis nas escolas do primeiro ciclo e juntam-se assim a outras instituições como o Colégio Moderno, em Lisboa, que proibiu a utilização destes dispositivos logo em 2008. Já a EB 2/3 António Alves Amorim, em Lourosa, proibiu telemóveis em todo o recinto há seis anos, em 2017.

A medida da proibição de telemóveis é apoiada no relatório anual da UNESCO, em que a organização, apesar de reconhecer os benefícios das tecnologias na aprendizagem, alerta para os riscos das mesmas. A interferência com o desenvolvimento físico e mental dos mais novos é um deles. O relatório, partilhado em julho de 2023, demonstra que miúdos entre os dois e 17 anos com maior exposição às tecnologias têm um menor aproveitamento e não são tão saudáveis como os que passam menos tempo em frente a ecrãs.

No entanto, há outra preocupação: como reagem os miúdos? O telemóvel passou a ser um dos objetos comuns a ter em cima da secretária entre os livros, os cadernos e os lápis. Por isso, esta mudança pode trazer alguma “frustração” e “choque”.

“A frustração faz parte da vida”

“É natural e expectável que muitos miúdos não reajam de forma positiva a esta restrição, podendo não a respeitar”, diz a psicóloga clínica e forense Rute Agulhas, já a antecipar alguns problemas que os pais terão no início do ano. No entanto, segundo a especialista e psicologia, “é fundamental que haja consenso”.

A escola e os encarregados de educação têm de estar de acordo e falar a uma só voz. Se os pais se aliam aos filhos contra a escola, a probabilidade de a imposição não correr bem é muito maior”, refere. Mas mais importante, é “explicarem o que motivou a decisão”. Sempre que são envolvidos, por mais novos que sejam, aceitam e cumprem “mais facilmente”.

Ao inscreverem os filhos numa escola (ou agrupamento) com restrições ao uso dos telemóveis, Rute Agulhas defende que devem ser os pais os primeiros a explicar a decisão da instituição. “Se existe uma necessidade em adotar este tipo de medida, é provavelmente fruto de um uso prévio desajustado por parte dos alunos, que, esse, sim, não é saudável”, explica. E continua: “Uma utilização saudável implica que a mesma é equilibrada com outras atividades, em particular, ao ar livre, offline e em relações diretas com outras pessoas”.

Se ainda assim sentirem que estão frustrados, a psicóloga clínica realça a importância sublinhar os potenciais benefícios da limitação, como a possibilidade de brincar ou falar mais com os amigos. No entanto, sublinha que “a frustração faz parte da vida” e é importante que, desde cedo, se aprenda a lidar com a mesma.

Em casa, é preciso, segundo a especialista em psicologia, “haver moderação”, para perceberem a importância da medida e incentivá-los a fazerem outras atividades.

Os telemóveis têm mesmo impacto no desenvolvimento?

“Os nativos digitais são os primeiros filhos a terem um QI inferior ao dos pais.” A afirmação é de Michel Desmurget, autor do livro “A Fábrica de Cretinos Digitais”. As palavras ecoaram por todo o mundo e o investigador justificou a afirmação. “Após milhares de anos de evolução, o ser humano está agora a regredir em termos cognitivos e de capacidades intelectuais — por culpa da exposição excessiva a ecrãs.”

Para Rute Agulhas, não pode ser 8, ou 80. “As novas tecnologias não devem ser diabolizadas, enquanto têm numerosas potencialidades, nomeadamente, a possibilidade de comunicação, aprendizagem, socialização e divertimento”, diz à NiT Rute Agulhas. “Mas também têm um lado que nem sempre é fácil de gerir, podendo surgir situações de uso excessivo ou inadequado, com a exposição a conteúdos impróprios, com um impacto negativo no bem-estar físico e emocional dos mais novos”, admite logo a seguir.

Os maiores riscos estão relacionados com o uso excessivo e/ou inadequado. Quando os miúdos começam a apresentar “alterações físicas”, quer nos padrões de sono ou da alimentação, assim como emocionais, cognitivas ou comportamentais, pode ser sinal que os telemóveis ou tablets podem estar a ter impacto no desenvolvimento.

As queixas somáticas diversas, o medo, a raiva, a ansiedade, tristeza ou a dificuldades em expressar emoções podem ser alguns dos sinais”, diz Rute Agulhas. Mas não se ficam por aqui. “A dificuldade de concentração, a falta de memória, a confusão ou o isolamento social e a agressividade também podem ser sintomas da sobre-exposição aos ecrãs.”

Nestes casos, os pais devem ficar alerta e conversar com os filhos para tentarem perceber o que se passa. “Devem mostrar que estão atentos e disponíveis para os ouvir.”

Caso perceba que o seu filho tem um comportamento excessivo, mas que ainda não apresenta nenhum dos sinais de alarme, o melhor, segundo a psicóloga, é “definir limites de forma ajustada”. Para o fazer sem birras, o melhor é conversar calmamente e negociar “sem recorrer a qualquer forma de punição”.

“Não há uma idade-chave para ter telemóvel ou tablet”

Quanto à idade a que um miúdo deve ter o primeiro telemóvel, Rute Agulhas é categórica a afirmar que “não existe uma altura adequada e igual para todos”. “Depende, mais do que da idade cronológica, da maturidade. E quando falamos em maturidade devemos ter em conta aspetos cognitivos, emocionais, sociais e morais”, defende.

No entanto, a psicóloga, realça o papel dos pais, independentemente da idade ou maturidade do filho, ao oferecer-lhe um dispositivo tecnológico. “Seja em que idade for, os pais devem assumir-se como modelos positivos e monitorizar o uso que os filhos fazem das tecnologias, supervisionando de forma ajustada e mantendo os canais de comunicação abertos. Dessa forma, face a uma eventual situação de risco ou perigo, os filhos sentem-se confiantes em pedir ajuda.”

O tempo que os mais novos devem passar em frente aos ecrãs é outra das grandes dúvidas que atormentam pais e cuidadores. A American Psychological Association defende que os miúdos entre os dois e cinco anos devem estar — no máximo – uma hora por dia a olhar para o smartphone ou tablet e sempre acompanhados por um adulto. “A partir da idade escolar este tempo pode aumentar um pouco, devendo este aumento ser gradual à medida que cresce.”

“A partir do momento em que o menor tem acesso a um smartphone, é importante definir regras claras de utilização: quando, onde, durante quanto tempo, como e o quê”, defende Rute Agulhas.

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