Saúde

As grandes tendências sexuais deste ano: pegging, ASMR e as relações abertas

A saúde mental também tem outro peso no sexo. A NiT falou com a terapeuta sexual Leonor Oliveira sobre os temas que já não são tabu.
Tome nota.

Quando os primeiros vídeos começaram a inundar o YouTube, foi apenas uma questão de tempo até que alguém criasse uma versão para adultos. O Autonomous Sensory Meridian Response ou Resposta Senorial Meridiana Autónoma (ASMR) consiste numa sensação de arrepio, de prazer, que é provocada por um estímulo auditivo.

Do toque em objetos e texturas passou-se, naturalmente, para o lado mais kinky destes estímulos. Hoje, o ASMR tornou-se num fenómeno também nos sites para adultos, com milhares de vídeos que envolvem sussuros e peles oleadas. Numa área onde já quase tudo foi inventado, fala-se inevitavelmente de tendências, de fetiches e práticas que, ao longo do tempo, se vão tornando mais ou menos tabu. É um resultado natural da exploração sexual humana.

Nesse sentido, a NiT sentou-se à conversa com Leonor Oliveira, psicóloga clínica e terapeuta sexual, autora do projeto “Pronto a Despir”, onde responde a questões se desmistifica alguns dos equívocos e tabus relacionados com o sexo. Quisemos saber um pouco sobre as novas tendências, que abarcam práticas, atividades e até saúde mental.

Para a especialista, vive-se sobretudo um período pós-pandemia onde muitos de nós estão ainda a recuperar do abalo que os constantes isolamentos provocaram na nossa vida — e, naturalmente, com impacto sobre o lado sexual.

A saúde mental (e sexual)

Numa altura em que a saúde mental sai da sombra e se assume como uma real preocupação que pode ser livremente debatida, sobressai igualmente o papel fulcral que ela tem sobre as nossas relações sexuais. “A ansiedade tem um impacto negativo na função sexual. Aliás, os motivos psicológicos são a causa de quase todas as disfunções sexuais, sendo que há poucas que tenham uma causa orgânica”, explica. “É uma questão transversal, afeta homens e mulheres.”

Mais do que um mero problema de falta de desejo ou de sintonia, há todo um contexto a que é preciso estar atento e ter em conta, que afeta a saúde sexual e mental. “Os problemas têm origem na própria relação e numa série de aspetos estruturais: o tipo de relação que temos com o trabalho, a desigualdade de género que ainda existe nas nossas casas, isso tem impacto no desejo feminino”, explica Leonor Oliveira.

“Por exemplo, o cansaço tem imenso impacto na nossa disponibilidade para fazer sexo, não só o físico. Quando os companheiros não compreendem as desigualdades estruturais ao nível das tarefas domésticas, da carga mental, tudo isso são fatores que pesam na saúde e nas relações.”

Para a especialista, tendemos “a desqualificar as questões psicológicas” como se elas não fossem importantes, apesar do “imenso impacto” que têm na vida sexual. “É a causa mais frequente que leva as pessoas a procurarem terapia. E, normalmente, são as mulheres que a procuram, porque isso não põe tanto em causa o papel de género. Estamos habituados a olhar para as mulheres como mais emocionais, não é tão mal-visto como quando um homem procura ajuda.”

Do lado masculino, explica, há uma tendência maior para procurarem ajuda médica para resolverem disfunções mais específicas de ereção ou de ejaculação precoce. Problemas que tendem a surgir mais como consequência psicológica do que propriamente física.

A boa notícia é que o cenário parece estar a encaminhar-se no sentido de cada vez mais pessoas procurarem ajuda. “Tenho uma visão enviesada porque trabalho em terapia sexual, tenho muito contacto com a área, mas a perceção é de que as pessoas procuram essa ajuda. No meu projeto estou constantemente a responder a questões, o que não quer dizer que publicamente se fale assim tanto do assunto.”

O fim do tabu do pegging

É o termo universal para uma prática que continua a ser vista com alguma vergonha, mas hoje cada vez menos: a penetração anal de um homem por uma mulher com a ajuda de um acessório que replica um pénis. Leonor conhece bem o tema, até porque é um dos que mais questões motiva no seu “Pronto a Despir”.

“Chegam dos homens que querem fazer com as suas parceiras mas têm receio das perguntas, porque têm medo que elas achem que são gays ou que isso possa revelar algo sobre a sua masculinidade; e também há o contrário, ou seja, mulheres que têm essa fantasia, mas que têm medo de o sugerir”, nota.

Quando o desejo existe, normalmente esbarra no obstáculo da negociação, isto porque “coloca em causa os papéis de género”. Do homem “espera-se que seja ativo”, “que penetre”, e da mulher “espera-se que seja passiva e penetrada”.

Parte do apelo do pegging passa precisamente pela inversão dos papéis, mais até do que “a simples estimulação anal”. “Dá imensa liberdade, empoderamento, mesmo para quem é penetrado, porque se vive uma sexualidade contra aquela que nos disseram que era suposto vivermos.”

Para que o tabu termine de vez é “necessária uma revolução” que para a terapeuta sexual é mais estrutural. “Temos que curar os problemas estruturais da sociedade. As pessoas continuam a ter que negociar o seu próprio género e a sua orientação sexual apenas para terem uma prática sexual que não está de maneira nenhuma associada a uma orientação sexual ou a um género.”

As novas relações abertas

Os números não mentem. Cada vez mais pessoas dizem estar atraídas pela ideia de uma relação aberta, por uma relação não-monógama. É um tema que “está na boca de toda a gente” e um tipo de relação que suscitou um elevado interesse no período da pandemia.

“Há mais pessoas a relatarem o desejo de terem uma experiência não-monogâmica, embora o número de pessoas que desejam ter relações estáveis e monógamas também tenha aumentado”, nota Leonor Oliveira. “Sempre existiram relações monogâmicas (…) É algo que implica trabalho e muita transparência, muita comunicação e negociação.”

Alerta, contudo, para “uma espécie de romantização” da não-monogamia, porque nesse campo estamos a falar de “algo ético, consensual, consentido” e não de outras formas “que sempre existiram”, como o adultério.

Mais uma vez, a terapeuta aponta o dedo à forma “como se impõe o casamento, como somos socializados a pensar que devemos estar numa relação [monogâmica] e que um dos objetivos de vida passa pela constituição de família”. Acredita que nenhuma das opções é mais ou menos natural.

“Sou sempre muito crítica quando falamos de natureza. Há quem defenda que a não-monogamia vai mais contra a natureza humana e há quem diga o contrário. São ambas muito discutíveis. A nossa natureza é diversa, somos todos diferentes, embora seja sempre muito mais fácil estar unido como casal tradicional, por causa dos privilégios legais e sociais”, adverte. “Se isto é a natureza humana? Duvido, mas também não digo que seja natural ter vários parceiros ou parceiras. Na verdade, não importa muito descobrir o que é ou não natural, como se isso validasse o comportamento. Temos é que descobrir o que é importante para nós e não nos perdermos nessas outras discussões.”

O som que nos excita

Foi por aí que começámos e é por aí que acabamos: pelos estímulos sensoriais e auditivos do ASMR, cada vez mais em voga mas que, ainda assim, existe num pequeno nicho que vem em crescendo. Para a terapeuta sexual, é um apelo natural este pelo ASMR, até porque “somos muito sensíveis a novidades”, “a estímulos novos”, sobretudo os que “favorecem a sexualidade”.

“É preciso notar que o termo ASMR não é um termo científico, mas um termo cunhado pela comunidade. Tem alguma relação com o mindfulness, que nos treina a atenção e concentração para as pistas sexuais”, explica.

Embora não seja um fenómeno sexual na sua origem, provoca igualmente “sentimentos de euforia ou relaxamento”, como “se nos tocassem de determinada forma” que provoca “uma reação”. “São estímulos que nos dão prazer e que podem ser usados para a nossa sexualidade.”

É um pouco como “o uso da venda”. “Serve como uma privação sensorial que nos faz ficar mais atentos a outros estímulos.”

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