Longe vai o tempo em que o mundo da publicidade só nos vendia a perfeição em revistas, outdoors e anúncios de televisão. Hoje em dia, felizmente, já não é assim. Encontramos diferentes etnias, diferentes idades e diferentes corpos em todas as campanhas. E isso aconteceu porque as marcas em países como o Brasil ou os Estados Unidos perceberam uma coisa simples: a realidade vende mais do que a ficção.
Perante este cenário, a NiT quis descobrir como é ser modelo plus-size em Portugal e a verdade é que os primeiros passos já começaram a ser dados mas este é um caminho ainda longo, com muito para percorrer. Quem já se lançou neste caminho tem uma certeza: “É impossível em Portugal viver disto. É preciso ter-se muito amor e muita coragem. Mas fazemo-lo”. Miriam Andrade fala num nós e não é acaso: esta é uma comunidade ainda pequena, em que muitas vezes as modelos são colegas e amigas.
Em 2016, Miriam venceu um concurso nacional “da gordinha mais sexy de Portugal”. Não se inscreveu, foi inscrita. “Na altura achava que era uma piada mas não”. Com aquela vitória, descobriu que “algo que nunca tinha imaginado”.
“A ideia de ficar bem numa fotografia” ou “não ter vergonha de as tirar” eram frases que nunca tinham ocorrido a Miriam, que tem 27 anos. “O início ainda foi muito a medo, mas comecei a aperceber-me, muito ingenuamente, que estava a ser uma das pioneiras em Portugal”. E continua: “Não sabia muito bem como isto ia correr em Portugal e ainda hoje não sei”.
A moda é por si só um mundo complicado e o mercado é pequeno, à dimensão do País. “Muitas vezes as marcas ainda vão buscar modelos internacionais. E depois há marcas que até querem apostar em modelos plus size, mas não as gratificam devidamente, como se fosse um favor”.
Catarina Corujo conhece bem os desafios de que fala Miriam. A modelo ficou mais conhecida em abril do ano passado quando foi capa na revista “Cristina”. Catarina explica-nos que ainda existe “gordofobia” em Portugal, mas prefere focar-se no lado positivo. É o tipo de pessoa que é bastante “alheia a certos julgamentos” e aceita bem quando um anúncio, uma capa com uma modelo plus size gera discussão. “Até prefiro que as pessoas questionem. Ao menos podemos começar a falar do tema”.
Foi “por obra do destino” que a sua carreira começou. “Participei num concurso plus size nas Caldas da Rainha. Fui sem grandes expetativas, só para experimentar e acabei por ganhar”. A partir daí chegaram os primeiros trabalhos. Mas ainda “existem muitas condicionantes, muitas camadas que influenciam”.
Por vezes as marcas ainda têm poucos tamanhos inclusivos na altura de fazer um catálogo, segundo esta modelo. “Como sociedade também temos que quebrar esse estigma de que um corpo maior é um corpo doente, preguiçoso, de alguém que não é ambicioso”, salienta a modelo de 33 anos.
“Sou agenciada há ano e meio e fiz três trabalhos entretanto. Já se notam mais propostas de casting mas mesmo assim é um pouco reflexo da sociedade. Ainda estamos muito no início”. Catarina diz que muitas das oportunidades chegam em anúncios mas através do Instagram, como influenciadora. “Como o censo estético é sempre direcionado para um corpo magro, tendemos sempre a ser gordofóbicos”.
A diversidade é bem-vinda ao mundo da moda. “Lá fora isto já nem é discussão”, segundo Catarina. Talvez não por acaso, o trabalho mais bem pago foi realizado na Finlândia. É um ciclo. “Como há falta de trabalho, as pessoas também não vêem um corpo com o meu. Por isso, acho normal que haja essa estranheza. Sem representatividade, as pessoas estranham. É preciso ir à Finlândia para me ver passar em televisão”.
A moda tem destas ironias. Miriam conta-nos que a tiróide tem um papel nas oscilações do seu peso. No seu caso, já lhe aconteceu em certos castings acharem que tinha peso a mais ou de não ser gorda o suficiente. “Às vezes não sei bem onde me encaixar”. E até já lhe aconteceu ser bem sucedida num casting e depois a experiência ser uma desilusão.
“Fiz um anúncio em particular em que me lembro de estar a fazer as provas de roupa e era tudo roupas horríveis, muito baggy, à velha. Escolhi outra peça em que me sentia bem, bonita, e chegam os diretores de casting daquela empresa, que não eram portugueses, e disseram-me que não podia ir tão bonita. Puseram-me um vestido largo em cima. Dizer que foi desmotivante é pouco”.
Por um lado: “Ainda existe este estereótipo com o peso a mais. Gorda não é um defeito, é um adjetivo. Nós é que colocamos a negatividade”. Por outro: “As mulheres com o meu estilo de corpo ainda são muito sexualizadas”.
Catarina realça que sempre foi muito bem tratada no mundo da moda em Portugal. Este glamour é algo que a fascina. Entre maquilhagem, guarda-roupa, cabelos, há um lado de personagem que se vai encarnando ainda antes de começar um anúncio ou uma sessão fotográfica.
Mas ser modelo plus size é em primeiro lugar ter uma luta pessoal, que é preciso vencer ainda antes de estar pronta para enfrentar uma câmara. “Falo a título pessoal mas é um processo de sucesso diário, de todos os dias ter de ter essa relação comigo mesma. Sempre achei que não era uma realidade”.
Miriam fala também deste “caminho de aceitação corporal” que precisou de fazer. Apesar de ter sido tantas vezes alvo de negatividade. “Há pessoas que me dizem que sou só modelo para chamar a atenção, que só quero que os homens olhem para mim, ou que devia ter vergonha de partilhar fotos no Instagram”.
E acrescenta: “Para mim, a moda começou como brincadeira, mas torna-se algo sério quando tenho feedback positivo. Ainda esta semana uma rapariga nos seus 20 anos disse-me: ‘Miriam, nunca tinha usado um biquíni na minha vida e por tua causa usei-o e senti-me bem’. Isso para mim vale tudo”.