Saúde

Sem tempo para engravidar: as barrigas de aluguer são a nova tendência em Hollywood

Lily Collins juntou-se à lista de figuras públicas que recorreram à gestação de substituição. O tema ainda levanta inúmeras questões éticas.
Levanta várias questões.

A atriz Lily Collins, protagonista da série “Emily in Paris”, anunciou de forma surpreendente, esta sexta-feira, 31 de janeiro, o nascimento da primeira filha. A publicação, onde a britânica, de 35 anos, revela ter recorrido a uma “barriga de aluguer”, como é vulgarmente conhecida, reacendeu o debate sobre a gestação de substituição.

“Bem-vinda ao centro do nosso mundo, Tove Jane McDowell. As palavras nunca poderão expressar a nossa gratidão infinita à nossa incrível barriga de aluguer e a todos os que nos ajudaram ao longo do caminho. Amamos-te até a lua e de volta”, escreveu na página de Instagram.

A artista junta-se assim à enorme lista de celebridades que recorreram ao método nos últimos anos, entre as quais Paris Hilton e Carter Reum, Nick Jonas e Priyanka Chopra ou Khloe Kardashian e Tristan Thompson. Todos os casos levaram à mesma discussão: uns falam no direito à parentalidade, outros veem a prática como uma mercantilização do corpo feminino.

A gestação por substituição ocorre quando uma mulher gesta um bebé para outra pessoa ou casal. O embrião é geralmente formado a partir do material genético dos pais biológicos e implantado no útero da gestante de substituição, recorrendo à fertilização in vitro.

A gestante não pode, em momento algum, participar na gravidez com material genético próprio. Ou seja, não pode doar os seus próprios ovócitos para o procedimento, evitando que tenha uma ligação biológica com o bebé, reduzindo possíveis conflitos legais, emocionais ou éticos.

 
 
 
 
 
Ver esta publicação no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Uma publicação partilhada por Lily Collins (@lilyjcollins)

Normalmente, é utilizada por quem não pode ter filhos biológicos, sobretudo devido a questões médicas graves ou questões genéticas, no caso de existirem doenças hereditárias, por casais homoafetivos masculinos ou pessoas que não querem engravidar, seja por razões pessoais ou profissionais.

A título de exemplo, uma mulher com síndrome de Rokitansky, nascida sem útero, pode ser mãe biológica, já que produz ovócitos. O mesmo acontece com uma mulher que sobreviveu a uma doença oncológica, mas que tenha feito uma histerectomia. Neste caso, será necessário obter a autorização prévia do Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida para finalizar o contrato jurídico.

Como funciona a legislação?

Em Portugal, o último passo para a existência das chamadas “barrigas de aluguer” foi dado em novembro de 2023, com a aprovação, em Conselho de Ministros, da regulamentação do regime jurídico aplicável à gestação de substituição, quatro anos após a promulgação da lei por Marcelo Rebelo de Sousa a 29 de novembro de 2021 e publicada em Diário da República a 16 de dezembro desse ano.

Em 2018, o Tribunal Constitucional (TC) tinha considerado que algumas normas da lei — aprovada, inicialmente, em junho de 2017 pelo primeiro governo de António Costa — violavam a Constituição da República, uma vez que se previa que a gestante não pudesse reverter a decisão de entregar o bebé.

A lei nacional implica ainda que não exista “uma relação de subordinação económica, nomeadamente de natureza laboral ou de prestação de serviços, entre as partes envolvidas”, sendo proibido qualquer tipo de pagamento ou de doação de quaisquer bens, sendo a exceção o valor das despesas do acompanhamento de saúde prestado, como transportes. As leis relacionadas com a gestação de substituição variam consoante o país e, no caso dos EUA, conforme os estados. Porem, este é o país que faz gestações de substituição há mais tempo — para sermos mais precisos, desde a década de 1980. 

Segundo o jornal espanhol “El País”, o procedimento pode custar entre 110 mil e 185 mil euros e várias celebridades, como Cristiano Ronaldo, optaram por realizar o procedimento naquele país, uma vez que a legislação é mais permissiva.

No caso das celebridades, o valor aumenta consideravelmente devido a “acordos especiais” necessários para garantir a sua privacidade, explica o jornal “Daily Mail”. Normalmente, o acordo pode incluir benefícios como estadias em hotéis de cinco estrelas, chef e nutricionista privados ou acesso a um personal trainer.

Este valor vai depender de uma série de fatores, que vão desde a doação de óvulos ou espera à criação de embriões. É ainda necessário que os pais cubram todas as eventuais complicações que surjam durante a gravidez.

Segundo o site “Surrogate”, que se dedica a estes procedimentos, existem seis agências em Miami especializadas em gestação de substituição, prestando apoio tanto aos pais que pretendem ter um bebé recorrendo a uma “barriga de aluguer” como às eventuais grávidas, sendo necessário que ambas as partes sejam acompanhadas por um advogado durante todo o processo.

Já em Espanha, por exemplo, este procedimento é considerado, à luz da lei de direitos sexuais e direitos reprodutivos, “uma forma de violência contra as mulheres”, uma prática que amplifica a “discriminação por pobreza” das mulheres que são barrigas de aluguer, segundo a ministra da Igualdade, Irene Monteiro.

Afinal, como é o processo?

Uma das questões mais comuns é se a gestante pode reivindicar o direito à criança. Um dos primeiros passos exige que ambas as partes envolvidas assinem um acordo de consentimento livre e esclarecido, antes do início do processo. Neste documento estão detalhados todos os aspetos biológicos, psicológicos e legais deste vínculo.

Este termo, que só surge após uma avaliação inicial com o apoio de médicos especializados em reprodução assistida, inclui ainda informação que “aborda os riscos da gravidez ou o ciclo gravídico-puerperal”, explica a ginecologista e obstetra Erica Carrato, à revista “Crescer”. Se, mais tarde, a gestante quiser manter o contacto com o bebé, deve ser definido e registado um novo acordo comum, assinado pelos pais biológicos.

A mulher que irá gestar a criança deve atender a vários critérios, que incluem ter entre 20 e 40 anos (o que varia conforme as regulamentações), ter tido, pelo menos, um filho saudável, não ter histórico de complicações obstétricas graves, ter aprovação médica e não ter vínculo genético com o bebé.

Tanto os pais intencionais quanto a gestante passam por avaliações médicas e psicológicas para garantir que estão preparados para o processo. Isto implica exames físicos completos, testes de fertilidade e acompanhamento psicológico para avaliar o impacto emocional da gestação.

Um mito comum diz que existe a possibilidade de o recém-nascido herdar características da “barriga de aluguer”. “As características genéticas estão contidas no óvulo e nos espermatozoides que deram origem ao embrião. A mulher está apenas a ‘doar’ o útero para o desenvolvimento da gestão.”

Estes processos não podem ser acompanhados em qualquer clínica. Para aplicar qualquer técnica de procriação medicamente assistida, incluindo as situações de gestação de substituição, é necessário fazê-lo apenas nos centros autorizados, arriscando a ser punido com pena de prisão até 3 anos.

Durante a gestação, a gestante deve fazer acompanhamento pré-natal regular, com exames e consultas médicas, definindo o plano do parto e monitorizando a saúde do bebé e da “barriga de aluguer”. Os pais intencionais podem acompanhar as consultas, dependendo do acordo estabelecido.

As críticas

Enquanto os fãs de Collins celebravam a chegada do mais recente membro da família da atriz, surgiram várias críticas, à semelhança dos últimos casos públicos, que acusam a atriz de “comprar um ser humano”.

“A menos que haja infertilidade ou problemas de saúde que sejam perigosos, então usar uma barriga de aluguer ou uma transportadora gestacional é algo horrível”, escreveu um utilizador na rede social X. “Estar grávida é uma dádiva. Teria feito qualquer coisa para poder carregar o meu filho”.

Para muita gente, esta opção é um reflexo “de exploração e de mercantilização da vida humana”, realçando a desigualdade económica. Em muitos casos, os futuros pais são pessoas com um maior poder financeiro e, do outro lado, estão mulheres de classes socioeconómicas mais baixas e mais vulneráveis.

McDonall aproveitou o debate para responder às pessoas que “vomitam palavras odiosas no mundo”, escreveu nos comentários da publicação da companheira. “Não interessa ignorar porque é que alguém pode precisar de uma barriga de aluguer para ter um filho. Não faz mal desconhecer as motivações de uma barriga de aluguer”, escreveu.

Embora não tenha sido feita uma declaração pública, os fãs da atriz acreditam que a escolha se deve ao facto de Collins ter sofrido de anorexia quando era mais nova, já que um distúrbio alimentar pode ter um efeito prejudicial nas mulheres e causar vários problemas nos órgãos reprodutivos.

ÚLTIMOS ARTIGOS DA NiT

AGENDA NiT