Catarina Corujo tem 32 anos e nasceu em Aveiro. Fala com uma pronúncia ligeira do norte e, sobretudo, com muita vivacidade. A modelo plus size falou com a NiT sobre a forma como aceitou o seu corpo, as várias fases da sua vida para ultrapassar esta imagem e como se tornou numa inspiração para ajudar outras mulheres.
Formada em Línguas e Relações Empresariais pela Universidade de Aveiro, em 2016, Catarina trabalhou na área da logística e do atendimento ao cliente. “Neste momento, estou dedicada à área da moda e do digital”, explica.
Tem 1,77 metros e não se lembra da última vez que se pesou. Depois de uma depressão aos 19 anos, optou por arranjar outras formas de controlar o peso para aliviar o peso emocional associado aos números da balança.
Hoje em dia, mora em Santarém, tem mais de 29.300 seguidores no Instagram, e é nessa plataforma que mantém longas conversas com desconhecidos para os ajudar a superarem algumas noções estereotipadas de beleza. Sejam magros ou gordos, não interessa: o seu objetivo é ajudar toda a gente.
Essa palavra, gordo, é utilizada várias vezes na entrevista como um mero adjetivo. “Durante muito tempo a palavra teve uma conotação muito negativa para mim, mas fui aprendendo, porque acho importante tornar a palavra mais leve.”
Como foi a sua infância? Sempre aceitou o seu corpo?
A minha infância foi super tranquila. Houve aqui por volta dos 15 anos um impacto mais forte no que toca à dismorfia corporal [distorção da autoimagem]. Em que a percepção que eu tinha do meu corpo não era a real. Isso com uma pressão associada a um padrão estabelecido pela sociedade, comecei a fazer dietas e a desenvolver um distúrbio alimentar, e que por volta dos 14/15 anos já se refletia em bulimia e provocava ataques de compulsão seguidos de momentos de expulsão.
Quanto pesava na altura?
Eu era muito alta. Com 14 anos já ultrapassava 1,70 metros e pesava cerca de 70 quilos, ou seja, não tinha propriamente excesso de peso. Já era muito grande para a idade que tinha. Sempre fui a rapariga mais alta da turma desde a primária. Aos 19 anos é que atingi a barra dos três dígitos e passei do parâmetro do excesso de peso para a obesidade. No entanto, eu não tinha características de uma pessoa obesa, quando olho para fotografias antigas tinha a barriga para dentro, os ossos da clavícula saídos, etc.. Só depois de atravessar uma depressão é que engordei muito, com essa idade.

Como era a sua alimentação nessa época?
A minha alimentação era variada porque eu estava constantemente a entrar em planos de dieta. Cheguei a perder cinco quilos em duas semanas, mas na altura achava que era pouco, então quebrava o ciclo e voltava aos comportamentos anteriores. Mas a minha alimentação no dia a dia nunca foi de exageros, não sou uma pessoa que exagera a comer. Tenho momentos de compulsão, em que não controlo o que como, mas atualmente não são tantos como nessa altura.
Onde encontrava as dietas?
Experimentei um pouco de tudo, homeopatia, nutrição, endocrinologia, médico de família, … Fui a muitos especialistas. E aos 24/25 anos consultei uma nutricionista que me introduziu ao tema de que as restrições são contra producentes, principalmente para alguém que tem uma relação já tão danificada com a comida.
Quando foi a primeira vez que procurou uma nutricionista?
Não era uma nutricionista, era mesoterapia, tinha uns 12 ou 13 anos, em Aveiro.
E praticava exercício físico?
Na altura da adolescência era o que tinha na escola. Quando era mais velha comecei a ir ao ginásio, cheguei a ter serviços de PT.
Chegou a sofrer de bullying na escola?
Não, na escola nunca tive esses episódios. O meu percurso académico começou no Direito e eu já tinha uma dinâmica de ajuda dos mais fracos, por assim dizer, e então como eu tinha essa postura, comigo não faziam nada. Aqui, a minha dinâmica da perceção pessoal foi muito individual, com a influência dos media e também alguma comparação com membros da minha família. Na minha família as pessoas têm uma estrutura física diferente da minha. E comparava-me com as figuras femininas da minha família. Naquela altura havia uma invasão de figuras como a Britney Spears e a Paris Hilton, tudo pessoas que não tinham um corpo semelhante ao meu. Eu não via o meu tipo de corpo representado na televisão, ou nos media, e eu fazia aquela associação de que o meu corpo estava errado.
De que forma superou a depressão?
Aos 19 anos comecei a ter uma depressão. Muito por esta perceção que tinha do meu corpo, ao mesmo tempo de uma mudança que não correu como esperava. Saí de casa, da minha cidade, e ingressei em Direito, em Coimbra. Não me adaptei bem, ainda fui para o Porto até desistir do curso. Só em 2011 é que voltei para Aveiro e licenciei-me em Línguas e Relações Empresariais. Consegui sair da depressão com ajuda especializada de pessoas que me rodeiam e por regressar à minha cidade e a uma nova rotina. Já em 2017, comecei a entrar em contacto com alguns especialistas internacionais, através das redes sociais. A ler o conteúdo deles e livros, e fui desconstruindo o que tinha como certo.
Entretanto, torna-se modelo plus size. Como é que isso acontece?
Isto foi tudo um processo. Quando comecei a entrar em contacto com esta parte da auto consciência, e muito deve-se às terapias alternativas que foi o que mais me ajudou, nomeadamente o reiki, e a inspiração de outras modelos plus size internacionais, permitiu que eu acreditasse que podia fazer algo assim em Portugal. Fui depois contactada para participar num concurso de Miss Plus Size da loja Maggnifica das Caldas das Rainhas, em 2018. Ganhei o concurso e consegui entrar em contacto com várias pessoas do meio e a partir daí eu vi que era possível existir outro tipo de representatividade no mundo da moda. E tenho sido contactada por várias agências. Tenho vindo a ser agenciada e tenho tido alguns trabalhos.
A que terapias alternativas recorre?
Eu recebo reiki de forma muito frequente, sou muito ligada à astrologia e pratico meditação guiada. Todas me têm ajudado a ver o universo de uma forma mais clara. E foram essenciais para superar a depressão, ajudaram-se a desconstruir todos os pensamentos que eu tenho e a tentar encontrar a origem do que estou a sentir. Nem sempre é fácil e consigo chegar lá mas é um processo diário. O distúrbio alimentar ainda está presente, mas consigo controlar melhor. Eu costumo dizer que o reiki para mim serviu como um limpa pára brisas — permitiu-me ver tudo mais claramente.
É uma das caras da loja Dama de Copas. Como foi expor o corpo nessa, e noutras campanhas?
A exposição para mim acaba por ser algo muito natural, eu não quero sexualizar a questão. Vejo para mim o mostrar o corpo como uma forma de libertar paranóias. Eu sou gorda, mas conheço muitas pessoas com corpos convencionais e até muito magras, e todas têm inseguranças. Não é uma questão de corpo, é de mente. Quando percebi isso, achei muito importante esta libertação.
Em que outras campanhas participou?
A primeira foi para a Liliana Filipa, uma coleção de biquinis, em fevereiro do ano passado. Fiz algumas campanhas para a Maggnifica, durante o meu mandato. Fiz agora uma campanha, mas ainda não posso revelar porque não foi lançada. Sou parceira da Dama de Copas, e de resto tenho feito parcerias, mas como influencer.
Como é a sua alimentação atualmente?
É de forma consciente. Com tantos planos alimentares aprendi muito. Tento sempre incluir alimentos variados. Não sou perfeita em todas as refeições, já não sou muito meticulosa para não ficar stressada, mas como de forma consciente. E tento evitar ao máximo as compulsões. Sou muito fã da alimentação vegetariana, e adoto muitos pratos, mas não consigo ser vegetariana. Tento é sempre optar por produtos biológicos e o mais naturais possível.
Como descreve esses momentos de compulsão?
Está sempre associado um sentimento de culpa e de vergonha. Eu não comia certas coisas em frente às pessoas com medo de ser julgada, e depois sozinha comia o mesmo alimento mas em maior quantidade.
Faz exercício físico atualmente?
Estou a voltar a fazer. Parei por falta de tempo, mas agora já consigo outra vez. Gosto muito de dançar, gosto muito de fazer caminhadas até à praia. E pretendo começar a praticar ioga por uma questão postural.
E qual é o seu peso atual?
Eu não sei. A certa altura deixei de me pesar e não vou controlando. Vou vendo como me sinto e através das roupas. Mas nos últimos tempos tenho diminuído os tamanhos das roupas. Não me peso mesmo por uma questão mental, aciona um gatilho no meu estado de espírito do dia.
Veste que tamanho?
Visto o 48 de calças. Na parte de cima varia, tenho coisas que são M e tenho coisas XXL.
Que conselho pode dar a quem encare problemas semelhantes, independentemente do peso?
Eu tenho seguidores dos dois tipos e identificam-se com a minha história. Eu não apelo à aceitação de um corpo gordo, eu apelo à aceitação do outro. Sem discriminação. O meu conselho é sempre ser para os outros aquilo que gostávamos que fossem para nós.
O que é para a Catarina ser bonito?
Para mim ser bonito é ser boa pessoa, genuinamente.