Saúde

Daniela não anda por um “erro médico”. SNS diz que “não tem tempo” para a operar

Não consegue fazer atividades básicas e vive com dores constantes. Tudo provocado por uma avaliação errada num hospital público do Porto.

Um diagnóstico errado no hospital público deixou a vida de Daniela Fonseca virada do avesso. “Não conseguia andar, fiquei sem emprego e muito limitada”, conta à NiT. Tudo aconteceu quando tinha 24 anos. Agora, aos 28, só quer “ver a situação resolvida”, mas no SNS disseram-lhe que os serviços de saúde não “têm tempo nem médicos” para a operarem nos próximos tempos.

A mulher natural de Valongo estava habituada a correr diariamente. Aliás, Daniela descrevia-se como “muito ativa” e cheia de energia. Porém, durante os primeiros meses de confinamentos, de março a maio de 2020, começou a sentir pontadas na zona da virilha enquanto corria. Desvalorizou o caso por pensar que a dor estava relacionada com o esforço físico. Porém, quando percebeu que não era algo passageiro, consultou um fisioterapeuta que a aconselhou a procurar um médico. 

Daniela seguiu a recomendação do profissional, no entanto, enquanto esperava pela consulta no SNS, o desconforto começou a alastrar-se. “Passaram de umas pontadas quando corria, para um mal-estar na lombar. Apertar os atacadores, ou subir escadas tornou-se insuportável”, conta à NiT. 

Passados quatro meses chegou a esperada marcação para uma consulta de ortopedia num hospital do Porto. Após vários exames,  a gestora de eventos foi diagnosticada com um quisto paralabral na virilha, criado pela acumulação de líquido responsável pela lubrificação das articulações.

O clínico que a acompanhou neste processo, aconselhou-a a fazer uma cirurgia para removê-lo. Os médicos utilizariam uma técnica simples e não invasiva, chamada artroscopia, em que o quisto seria removido com uma sonda. Pelo menos foi isso que lhe garantiram.

A cirurgia que piorou a situação

O prognóstico era positivo: a seguir à operação, realizada apenas em maio de 2022 no SNS, esperava-a uma recuperação de dois meses. Depois disso voltaria à vida normal. A verdade é que nada correu como planeado.

“O hospital onde fui operada não tinha vaga para as sessões de reabilitação que precisava, por isso tive de encontrar uma solução no privado. E, nos primeiros tempos, parecia que tinha funcionado. Já andava bem, sem dores. Até que numa manhã de setembro acordei e não me conseguia mexer.”

Dirigiu-se às urgências, onde foi medicada e a aconselharam a utilizar canadianas. Seguiram-se dias “angustiantes”. Além da dormência, as dores regressaram com mais intensidade. Daniela fez as únicas coisas que podia: repousou e continuou na fisioterapia.

Nas semanas seguintes sentiu algumas melhorias, mas não conseguia andar normalmente: tinha sempre de arrastar a perna direita. Perante esta situação, a jovem continuou a insistir com o corpo clínico para obter uma resposta. A custo, realizou uma série de exames, mas os resultados foram inconclusivos. Ao longo daqueles meses continuava com dores “horríveis” que a impediam de passar muito tempo sentada ou de pé.

Em dezembro de 2022, numa nova consulta, o ortopedista aconselhou-a a começar a realizar sessões de fisioterapia dentro da piscina e a fazer uma “infiltração na anca”. A técnica é muito utilizada em casos de lesões musculoesqueléticas e passa por um injetar diretamente nas articulações, ou na área afetada, um medicamento que ajude a aliviar as dores e a diminuir a inflamação. Os fármacos mais utilizados neste caso são os corticoides. Quem já passou por isso, descreve-o como “extremamente doloroso”.

A gestora de eventos seguiu a indicação e conseguiu marcar o procedimento para fevereiro de 2023. Porém, mesmo depois de realizá-lo a dormência continuava a piorar. Quando questionou o clínico, este ter-lhe-á dito que tinha de aguardar. Passaram-se várias semanas sem respostas. Cansada de esperar, Daniela marcou uma consulta num hospital privado.

 
 
 
 
 
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“Não conseguia andar, tinha dores, estava sempre em repouso e continuava sem ver melhorias. Fiquei com a minha vida completamente em stand-by.”

Perante este relato, o novo médico receitou-lhe vários exames porque esta demora e a condição clínica “não eram normais”. Quando os resultados chegaram, o especialista explicou-lhe que as análises anteriores tinham sido mal interpretadas.”

“Realmente tinha um quisto na virilha, mas este não tinha qualquer efeito nas dores que sentia. Aliás, só se tinha formado por causa da minha verdadeira doença: a displasia da anca”, refere. “O médico explicou-me ainda que o procedimento a que tinha sido sujeita, a artroscopia, criou uma instabilidade óssea, que só piorou a situação.”

A gestora de eventos sentiu-se “revoltada” e “frustrada” com o erro médico, mas também “aliviada”. “Tinham finalmente descoberto aquilo que eu tinha. Depois disso fiz pressão com o corpo clínico que me seguia no SNS para lhes mostrar os resultados. Não admitiram o erro, mas encaminharam-me para outra unidade de saúde, em Lisboa, para ser acompanhada com especialistas da área”, conta.

Em outubro de 2023, teve a primeira consulta no hospital da capital e as notícias não foram animadoras. “Tinha de ser novamente operada, mas a lista de espera, por estar fora da minha área de residência, era de um ano e meio. Explicaram-me que como a cirurgia ia demorar longas horas, não tinham tempo, nem médicos”.

Desesperada, com a vida em pausa e sem poder contar com o SNS, Daniela tomou a decisão de ser operada no privado. Mas havia um problema: a cirurgia e tratamentos necessários custavam um total de 26 mil euros. “Quando recebi o orçamento fui-me abaixo. Não conseguia pagar aquele valor, mas também não podia esperar mais. As dores são horríveis e os episódios de paralisia continuaram a acontecer ao longo destes quatro anos.” A alternativa foi organizar um GofundMe para tentar arrecadar por doações solidárias o montante necessário.

“Fiquei assim devido a um erro. Questionava os especialistas que me seguiam e diziam-me sempre que tinha de aguardar. Errar é humano e tentei ser compreensiva. Mas a gota de água foi ignorarem as informações que consegui reunir e nem tentarem ajudar-me, porque não era um caso prioritário”, diz à NiT.

No dia em que celebrou 28 anos, a 4 de janeiro, Daniela partilhou a história nas redes sociais para pedir ajudar para reunir o valor necessário para realizar a operação. A jovem conseguiu o montante necessário em menos de uma semana e será operada no próximo mês de fevereiro num hospital privado.

“Terei de repetir exames, porque estão desatualizados. Mas espero que fique tudo resolvido e que eu possa recuperar a minha vida.”

Sobre o desfecho da situação no SNS, e um possível processo legal, Daniela conta à NiT que agora só pensa em ficar bem e encerrar este capítulo. “Para já, não penso em mais nada.”