A figura de pedra tem seios grandes, uma barriga protuberante, coxas grossas e braços curtos. Apelidada de Venus de Willendorf, a pequena escultura feita há cerca de 30 mil anos é, dizem os especialistas, um símbolo de beleza e fertilidade.
Tida como uma das mais antigas obras de arte conhecidas pelo homem, revela uma adoração por um tipo de corpo que, pelos padrões modernos de beleza, é indesejável. Nem sempre foi assim.
Não faltam exemplos disso mesmo ao longo da história. Da representação recheada de curvas da deusa grega Afrodite — representada também pela famosa Venus de Milo —, diretamente até à era de Peter Paul Rubens, o pintor obcecado pelo corpo recheado de curvas das mulheres. O seu apelido acabou por se tornar sinónimo de mulheres rechonchudas ou, melhor dizendo, com corpos rubenescos.
O último século virou os padrões de beleza do avesso, como bem certificava o “The New York Times” em 1977. “Hoje, o nome de Rubens produz uma reação de nojo. Os joelhos inchados, as curvas e as pregas nunca foram tão pouco apelativas como hoje, perto do 900.º aniversário do pintor”, notava o jornal, que traçava uma assertiva conclusão.
“Os últimos 50 anos revelam que a visão da beleza física tem marcadamente rejeitado a opulência corporal — ou, para o colocar em termos simples, a gordura (…) O aspeto dos corpos humanos mudou muito pouco ao longo da história, mas o que é a visão do corpo ideal muda muito ao longo do tempo.” E não há forma mais visível dessa perceção da sociedade do que aquilo que é refletido nas obras de arte.
Se os poucos indícios pré-históricos e de civilizações antigas apontam na direção da adoração dos corpos voluptuosos, também os quatro séculos que antecedem o século XX demonstram uma representação do corpo feminina — e mesmo masculina — com um pendor para um maior peso e volume. Não havia homens de musculaturas esculpidas ou mulheres de membros esguios. Ossos protuberantes, nem pensar.
Eis que chegados ao século XX, algo muda de forma radical. Os motivos que levaram a esta súbita mudança são vários e não existe propriamente unanimidade relativamente ao que terá provocado esta viragem.
Há quem aponte o dedo às flappers dos loucos anos 20. A emancipação da mulher levou a que adotassem looks mais andróginos, mais esguios e semelhantes aos dos homens. Começaram também a ser destaque em revistas.
A verdade é que os números indicam que foi por essa altura que explodiram os distúrbios alimentares. “Os mais altos valores de prevalência de distúrbios alimentares ocorreram nos anos 20 e nos anos 80, dois períodos onde a figura da ‘mulher ideal’ se revelou ser mais magra na história dos EUA”, revela um estudo da universidade de Wisconsin-Madison, publicado em 1997 e citado pela “CNN”.
“Se olharmos para as revistas de beleza, a magreza tem estado na moda pelo menos nos últimos cem anos”, explica à “Salon” Stefanie Johnson, professora universitária e especialista em preconceitos inconscientes. Johnson revela que, se até então, o ideal de beleza variava muito de cultura em cultura, a homogeneização cultural e os média de massas tiveram o condão de unir a sociedade num único ideal de beleza.
“Diria que o aspeto mais atrativo será ter e emanar um ar saudável, isto do ponto de vista evolutivo. Isto significa que, em tempos, as mulheres com curvas seriam preferidas porque seriam mais férteis. Igualmente, corpos mais magros ou musculosos sugerem que poderão ter menos risco de doenças.”
Se em séculos passados, a gordura e robustez eram indicadores de uma boa alimentação e fertilidade — e, portanto, sinais de saúde e riqueza —, o cenário inverteu-se. Hoje, são os corpos musculados e magros que se vão afirmando como indicadores de sucesso e saúde.

Outra explicação é dada por vários especialistas, que apontam para a tendência de final do século XIX de associar às dietas religiosas — e, portanto, desejáveis — corpos mais magros. O oposto, corpos com mais curvas, denunciavam comportamentos e hábitos imorais.
Depois, há outros motivos: a mudança de cada vez mais pessoas para os centros urbanos onde proliferavam os estilos de vida sedentários. Ou até a Revolução Industrial, que deu azo aos grandes fabricantes de roupas que, preocupados com a poupança na manufatura, privilegiaram os tamanhos únicos, mais pequenos.
O marketing agiu então com vista aos lucros: se a sociedade olhar para um tipo de corpo como o ideal, irá mover-se no seu sentido, e poupar dinheiro às empresas que, assim, podiam focar-se em fabricar apenas os tamanhos mais populares.
Nos anos 60 e 70, novo reforço no movimento dos direitos das mulheres, que anunciava corpos mais livres, o direito de fazerem o que bem entendessem. Mas segundo Emma McClendon, curadora do Fashion Institute of Technology em Nova Iorque, isso não aconteceu.
“A noção de que as mulheres se tornaram completamente livres, juntamente com os seus corpos, é uma falácia completa (…) os acessórios como os corpetes foram substituídos pelas dietas e pelo exercício. Reinou a ideia de que para o corpo estar realmente na moda, era preciso alterá-lo de alguma forma. Era algo que tinha que ser trabalhado, mantido.”
Depois veio a era das supermodelos, das Kate Moss e Claudia Schiffer. Curiosamente, a era onde proliferou o flagelo da anorexia, com uma das maiores taxas de mortalidade associadas ao distúrbio.
No extremo oposto, começa-se também a falar sobre o crescente problema da obesidade, sobretudo nos países economicamente mais fortes. De acordo com dados de 2021, mais de 65 por cento dos portugueses tem excesso de peso ou é mesmo obeso.
Assiste-se também a um movimento que procura desfazer os padrões de beleza que imperaram no último século, enquanto se procura encontrar um equilíbrio que sirva todos os propósitos: promover a aceitação de todos os corpos, interromper o ciclo de demonização da gordura, ao mesmo tempo que se promovem corpos e hábitos saudáveis. E é nesse ponto que se têm focado os especialistas. Carl Lavie, cardiologista norte-americano que se especializou no tema, escreveu em 2014 o livro “The Obesity Paradox”, o paradoxo da obesidade.
“Seria de pensar que as pessoas com excesso de peso e com obesidade estarão sempre pior [do que os magros]. Mas a pesquisa que tenho feito, e outros também, têm revelado que não se pode necessariamente dizer que ser mais magro é ser mais saudável”, revelava em 2014. “A gordura tem sido demonizada na nossa sociedade, mas as investigações revelam que a gordura nem sempre é o diabo. Na verdade, a preparação física é muito mais importante do que ser magro no que toca à saúde a longo prazo.”
Ainda assim, deixa uma aviso. “Há quem nos ouça e ache que estamos a dizer que não há problema em ser obeso. Estão a interpretar-nos mal (…) O que queremos dizer é que se o peso não é o perfeito, isso não é o fim do mundo. É muito mais importante estar bem fisicamente do que ser efetivamente magro.”