Saúde

A doença que levou o filho de Pedro Chagas Freitas a precisar de um transplante

A deficiência de alfa-1 antitripsina costuma manifestar-se apenas na idade adulta. Afeta uma em cada seis mil pessoas.
Benjamim já está a recuperar.

“A pessoa maravilhosa que está na imagem já tem um fígado novo. Foram 12 horas de cirurgia, de ansiedade, de uma espera que pareceu tortura. Correu tudo bem.” Foi desta forma que Pedro Chagas Freitas anunciou que o filho Benjamim já tinha feito o transplante urgente que precisava.

A história do miúdo de seis anos tem comovido aqueles que acompanham e seguem o escritor nas redes sociais, e que se envolveram na luta de Chagas Freitas desde o primeiro momento. Uns inscreveram-se como potenciais dadores, outros enviaram vídeos e imagens de apoio e ânimo.

Sabe-se agora que Benjamim foi diagnosticado aos três meses com deficiência de alfa-1 antitripsina (uma proteína produzida no fígado) —uma doença genética hereditária que pode levar ao desenvolvimento de doenças pulmonares e/ou hepáticas. Após vários exames e tratamentos, a única hipótese viável era o transplante, porque, segundo o escritor, a condição tirou qualidade de vida ao filho e “interrompeu-lhe a alegria tantas vezes”, fazendo com que ele “nunca tivesse estado um mês seguido livre do que ela lhe traz”.

Esta é uma patologia rara, mas não tão rara assim. Afeta cerca de uma pessoa em seis mil. Acredito que os números são baixos porque se fazem muito poucos diagnósticos. Qualquer doente que tenha algum tipo de problema a nível destes órgãos, como é a doença hepática crónica, por exemplo, e que não tenha uma explicação aparente, devia fazer o teste”, começa por contar à NiT Marta Amorim, especialista em genética médica do Grupo Lusíadas.

A proteína alfa-1 antitripsina é produzida no fígado e pode acumular-se lá por não se conseguir libertar, causando danos no órgão. Ao mesmo tempo, como não consegue sair, não chega até aos pulmões, onde desempenha uma função importante. Atua como uma antiprotease, ou seja, inativa a elastase neutrofílica (a enzima que digere células danificadas e bactérias para promover a cicatrização).

Este processo é que impede a ocorrência de dano tecidual: quer isto dizer que quando existe uma insuficiência da tal proteína, não está garantida esta proteção, o que leva à degradação do pulmão.

“A doença pode ser benigna, mas também pode grandes consequências neste órgão, porque ao perder esta função, surgem outros problemas, como é a doença pulmonar obstrutiva crónica, ou no caso do fígado ser o mais afetado, uma cirrose hepática.”

Trata-se de uma condição recessiva, o que significa que para uma pessoa a ter, tem de herdar duas cópias alteradas do mesmo gene (uma cópia do pai e uma cópia da mãe). Se tiver uma cópia normal, na maioria das vezes, essa pessoa será uma portadora saudável, visto que a cópia normal compensa a cópia alterada. Ainda assim, podem transmitir a doença, apesar de nunca a terem desenvolvido.

“Provavelmente o que aconteceu é que ambos os pais estavam nessa situação, e acabaram por passar um gene cada, ficando o filho com os dois. No caso do Benjamim, ele acabou por ter manifestações logo em bebé, o que não é assim tão comum. Diria que apenas dois por cento dos doentes desenvolvem sintomas tão novos e têm falência hepática.”

O mais habitual é começarem a surgir problemas já na idade adulta. Fatores como o tabagismo ajudam muito na aceleração da doença. A nível de tratamentos, o que pode ser feito é administrar a proteína que está a ser produzida de forma insuficiente de forma intravenosa. Em casos mais graves avança-se para o transplante — o que aconteceu a Benjamim.

“Isto não quer dizer que vá ficar curado, porque o órgão que recebeu vai ajudar a nível hepático, mas a parte pulmonar irá continuar a ficar degradada. Importa referir que é possível prever o seu aparecimento. Para isso é necessário que, antes da conceção, os pais façam um teste genético para perceber se existe algum perigo de, com a sua compatibilidade, os bebés terem mais propensão a ter algum tipo de doença grave.”

Na publicação feita no sábado passado, o escritor aproveitou ainda para agradecer à “maravilhosa equipa” do Hospital Pediátrico de Coimbra, liderada por Catarina Cunha, afirmando que “são os craques disto tudo”. Aproveitou para deixar uma mensagem a todos os voluntários que quiseram tornar-se dadores e que “que criaram uma corrente imparável de amor, de força, de humanidade”.

A cirurgia foi longa, mas Benjamim está bem e “a adaptar-se a um novo Eu”. Porém, Pedro Chagas Freitas sublinha que a “esta batalha está ganha” e pede para continuarem ao seu lado. “Agora, começa uma nova etapa, uma nova batalha, também complexa, cheia de dúvidas”.

Este domingo, 23, partilhou mais informações sobre a atual situação do filho. “Até no meio da dor consomes mundo, queres saber mais. O Benjamim com o novo fígado continua a ser o Benjamim de sempre. Ainda tem dores que nunca conheceu, não tem muitas forças, dorme bastante mais do que está acordado. Tem um caminho grande para percorrer (e que felicidade pode ser maior do que acreditar que há um longo caminho para percorrer?), mas sempre que está, sempre que faz, é ele. Absolutamente ele, marcadamente ele”, começou por dizer.

“Tenho saudades de o ter inteiro, do abraço apertado, das histórias ao lado da cama, das corridas pelo corredor. Agora não é tempo disso. É tempo de descansar da maratona, das doze horas de combate que enfrentou, e venceu. Teremos tempo para toda a vida, para a vida comum, que saberemos mais do nunca que é rara, o luxo total. Seremos excêntricos do comum. O meu sonho é ter uma rotina banal”, concluiu.

 

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