Há coisas que são incomuns e ao mesmo tempo universais. É o que nos acontece naqueles momentos em que estamos felizes e, em simultâneo, não conseguimos evitar uma certa sensação de tristeza. O cérebro humano é profundamente complexo, sobretudo quando entramos no campo das emoções, que são cada vez mais estudadas. É isso que está a acontecer com este estado emocional específico, em que duas coisas tão antagónicas coincidem.
Pense, por exemplo, naquelas etapas marcantes da sua vida. Como o dia em que acabou o curso. Está a festejar uma conquista e ao mesmo tempo já sente uma certa nostalgia, ao dizer adeus a colegas que durante aqueles anos foram presença diária na sua vida. Pode acontecer quando mudamos de cidade ou para um novo emprego. Pode acontecer com aquele orgulho de pais que veem um filho partir para longe, atrás de algo pelo qual lutou. Sente-se a felicidade e o orgulho mas também aquela sensação estranha de ver alguém que cresceu e vai continuar o seu caminho noutro lugar.
“Os seres humanos têm as mentes mais sofisticadas da história do planeta e temos essas mentes complexas, em parte porque vivemos num mundo complexo”, explica à “Today”, Jeff Larsen, psicólogo da Universidade do Tennessee, nos EUA. “Por mais que gostemos que os estímulos e eventos venham até nós um de cada vez, não é assim que o mundo funciona. Podemos receber boas e más notícias no espaço de um minuto”. É a inevitabilidade da vida a acontecer e o nosso cérebro a reagir.
Para o psicólogo, é importante distinguir que este estado emocional não é o mesmo daquilo a que se chama de “depressão sorridente”. Este não é um diagnóstico médico, mas caracteriza pessoas que sofrem com sintomas de depressão e conseguem mascará-la num sorriso.
Ainda assim, Larsen explica que, dada a complexidade das emoções, as pessoas por vezes têm tendência a retrair-se. É um erro, já que este misto de emoções pode também ter algo importante para nos ensinar.
A pergunta que fazemos no título, sobre se é possível estarmos felizes e tristes ao mesmo tempo, começa a ter uma resposta já com certezas científicas: sim. “Normalmente, a paisagem emocional é definida de tal forma que estamos a sentir uma coisa ou outra, ou nenhuma. Existem momentos onde podemos sentir ambos, e esses momentos são poucos e distantes entre si, mas são interessantes”, acrescenta o especialista.
Nas duas décadas que leva a estudar a matéria, o conceituado psicólogo americano percebeu que grande parte de nós respondem facilmente que sim a esta pergunta. Ainda assim, não é fácil tentar discernir o momento exato em que tal acontece.
Há uma experiência em particular que Larsen tem repetido ao longo do tempo e para a qual conta com um aliado que já quase toda a gente viu (até mais do que uma vez). Falamos de “A Vida é Bela”, filme vencedor de três Óscares em 1999, incluindo melhor filme estrangeiro e melhor ator. A felicidade do ator e realizador Roberto Begnini foi bem visível naquela noite, numa caminhada para o palco em cima das cadeiras.
O filme é daquelas obras que se tornaram um clássico. No centro da história, está um pai, judeu, que é forçado a ir para Auschwitz com o filho. Perante o horror de um campo de concentração, ele tenta dar momentos de humor ao filho. Mais do que sobreviver, procura que seja a infância do filho a sobreviver.
Nas suas experiências, Larsen coloca pessoas a assistirem ao filme, com acesso a dois botões diferentes: um para assinalar momentos de tristeza, outro para os momentos em que se sentem felizes. Se dúvidas houvesse, o filme ajuda a esclarecer: metade dos participantes no estudo a dada altura carrega nos dois botões ao mesmo tempo. Acontece em poucos (e pontuais) momentos. Mas acontece. E todos nós nos identificamos com isso.