Nos últimos dias, uma publicação depreciativa, partilhada na rede social X, sobre o aspeto de Adam Pearson, fez ressoar as memórias de muitos portugueses. A aparência do ator britânico evoca o caso de José Mestre, um ex-polícia de trânsito que se tornou pedinte no Rossio, em Lisboa — e que foi, durante anos, uma figura reconhecida por todos os lisboetas (e não só).
Embora, à primeira vista, apresentem efeitos semelhantes, tratam-se de condições muito diferentes. Adam Pearson sofre de Neurofibromatose Tipo 1 (NF1), uma doença rara que provoca o aparecimento de tumores e dilatação extrema dos vasos sanguíneos nos nervos e sob a pele. O ator de 40 anos é protagonista do filme “A Different Man” e foi convidado para a cerimónia de entrega dos BAFTA, os mais importantes prémios britânicos dedicados ao cinema.
A presença de Pearson na gala, que se realizou no passado domingo, 16 de fevereiro, suscitou comentários depreciativos nas redes sociais — que o britânico não deixou passar em branco.
Os lugares onde cada artista se iria sentar, sendo que Adam tinha lugar ao lado de Camila Cabello, foram divulgados na rede social X e choveram críticas. “Isto é mesmo assustador. Se fosse a Camilla, não iria ao evento”, lê-se na legenda.
A resposta do ator foi assertiva. “Felizmente para todos, não és a Camila e — mais importante ainda — não foste convidado. Então, de mim, Adam Pearson, diretamente para ti — leva as tuas opiniões absurdas para outro lado, pois não tenho tempo para as tuas parvoíces anónimas e capacitistas.”
Adam Pearson é uma voz ativa sobre a representação das pessoas com deficiência no cinema, temática que é o foco central do filme que protagoniza. O tratamento desta doença passa por remoção cirúrgica ou, no caso dos neurofibromas serem de pequenas dimensões, é possível fazer a remoção a laser. Ao longo da sua vida, o ator já foi sujeito a dezenas de cirurgias para remover os tumores, que se expandiram principalmente na zona da mandíbula e rosto.
O caso de José Mestre
Portugal descobriu a história de José Mestre, um ex-polícia de trânsito que durante as décadas de 80 e 90 era presença assídua no Rossio, em Lisboa. Embora apresentasse um rosto com uma aparência semelhante à do ator, sofria de uma condição distinta. O português tinha uma condição vascular benigna, denominada hemangioma cavernoso gigante, que começou a manifestar-se de forma descontrolada a partir dos 14 anos. O tumor que lhe afetava o rosto, que o cegou e lhe dificultava a respiração, atingiu os 5,5 quilos e 46 centímetros.
O Mestre, alcunha pela qual era conhecido, recusava-se a ser operado porque não queria receber transfusões de sangue, uma vez que era Testemunha de Jeová. Tudo mudou quando um médico britânico, Ian Hutchison, do Hospital São Bartolomeu, em Londres, desenvolveu uma nova técnica, recorrendo a um “bisturi harmónico, que usa ondas de ultrassom para coagular os vasos sanguíneos”, explicou à CNN, a 15 de dezembro de 2007.

Este tipo de intervenções tem uma duração de seis a sete horas e, no caso de José, seria realizada em duas fases. Numa primeira fariam toda a remoção dos vasos sanguíneos dilatados e, a segunda etapa, “seria uma operação corretiva convencional de reconstrução cujo objetivo seria reduzir o volume do lábio e dar uma melhor forma ao nariz”.
Mestre acabou por aceitar a oferta e, em 2010, voou para Chicago, nos EUA, com destino ao Hospital St. Joseph, onde o cirurgião plástico McKay McKinnon fez quatro procedimentos para tentar salvar o seu rosto. Cada intervenção foi espaçada entre três a cinco meses e durou seis a sete horas. A sua história foi contada no documentário intitulado “The Man with No Face”, parte da série documental “My Shocking Story”, que estreou no Discovery Channel a 6 de dezembro de 2007.
“Nunca vi um tumor facial tão dramático como este. O seu rosto era uma massa de fibras, tumores e vasos sanguíneos que o tornavam irreconhecível como ser humano”, descreveu o cirurgião ao canal ABC News, a 17 de fevereiro de 2011. O “homem-elefante”, como acabou por se tornar conhecido, morreu a 16 de fevereiro de 2021, aos 65 anos.