“Estamos mesmo a esticar a corda” — é com esta frase, sob a forma de aviso, que Pedro Martins se dirige a todos os portugueses. A publicação vem acompanhada de uma fotografia sua tirada às quatro e meia da manhã, com “12 horas de trabalho em cima, com apenas dez minutos para jantar”.
O desabafo feito a 20 de novembro, que já conta com mais de 1300 gostos e 1500 partilhas — números que aumentam a cada minuto —, está na página “Arrábida Limpa”. Foi criada pelo enfermeiro para promover eventos de limpeza e proteção naquela que assume como “a nossa Serra da Arrábida”. Agora, serve também para alertar a população.
“A cada dia que passa, esticamos mais a corda. São doentes graves a aparecer diariamente. São doentes novos, entre os 30 e os 65 anos, com doença moderada e grave. São doentes que ‘roubam’ muitas horas de trabalho e que mobilizam, por vezes, três ou quatro profissionais para um doente, às vezes durante quatro ou cinco horas”, explica.
Pedro, que não revela o local onde trabalha, garante que os profissionais estão muito cansados e que não são em número suficiente para as necessidades. “Não há mais ninguém para contratar. Torna-se muito difícil chegar ao fim de um turno sem ter deixado algo por fazer, não é humanamente possível”, desabafa. O enfermeiro português diz que marcas nos seus rostos não deixaram de existir, “só deixaram de ser moda”.
Admite que, muitas vezes, estão quatro a cinco horas sem beber água, a transpirar da cabeça aos pés, sem poder ir à casa de banho, sem poder comer. “Ficamos novamente sem férias e agora, nem nos podemos despedir se quisermos”, continua. Em seguida, questiona: “Já viram o que nos estão a pedir? Como é possível ainda haver quem goze com isto, quem negue isto, quem brinque com isto? No mínimo, é uma enorme falta de respeito por todos nós. Gente nojenta e sem escrúpulos.”
Pedro Martins pergunta ainda: “Querem caminhar para um cenário em que se vai escolher mesmo quem vive e quem morre?” A qualquer momento, explica, esses critérios podem tornar-se reais e até se pode chegar ao ponto, por exemplo, em que um doente com mais de 65 anos é deixado à sua sorte, de forma a salvar os que têm menos de 65 anos. “Ou fazer isso com diabéticos e hipertensos, com doentes com cancro. Isto é violentíssimo, mas pode mesmo acontecer. As camas, ventiladores, monitores, seringas, tudo isso se multiplica. Mas o mais importante, os profissionais não.”
Segue-se o apelo. O enfermeiro recorda que os profissionais de saúde precisam mesmo da ajuda de todos e que, mais do que nunca, é necessário evitar novos doentes, principalmente a esta escala. “Várias pequenas gotas de água juntas, fazem um tsunami. Não pode ser, isto tem que abrandar e já. Para bem de todos”, acrescenta.
Pedro Martins recorda a importância de usar sempre máscara, lavar e desinfetar as mãos com frequência, manter a distância de segurança, manter-se em casa sempre que possível, proteger os mais idosos e doentes de risco, evitar ajuntamentos no domicílio, entre outras regras.
Não querendo “provocar medo ou pânico”, sendo que também não concorda com “o extremismo mediático do medo”, Pedro refere que todos temos de ser realistas em relação a esta pandemia.
“Podem não concordar com o governo, podem ser de esquerda ou de direita, podem acreditar em novas ordens mundiais. Mas pelo menos respeitem o que pessoas como eu vos pedem, pessoas sem ligações políticas, sem interesses, sem ganhar nada com isto. Precisamos da vossa ajuda.”
No final da publicação, garante que os profissionais de saúde não vão parar e que vão estar “ a dar tudo”, seja nos hospitais, nos centros de saúde, nos lares ou nos centros de testagem. No entanto, recorda que neste momento não têm qualquer controlo da situação e que só voltam a ter se cada um fizer a sua parte.