O atual recorde para o desenvolvimento de uma vacina pertence à do Ébola, criada em apenas cinco anos. Porém, a pandemia colocou em alerta laboratórios de todo o mundo, que procuram esmagar esse prazo e bater todas as previsões.
Em maio, quando a Covid-19 já se havia espalhado por todo o mundo, houve quem apontasse a chegada de uma vacina em 2021, num tempo de desenvolvimento que poderia oscilar entre os 12 e os 18 meses — um recorde absoluto. Muitas vozes avisaram que esse era um prazo demasiado otimista.
Quase seis meses depois, existem pelo menos 48 vacinas em fase de ensaios clínicos em humanos, e outras 88 na fase mais embrionária do longo e complicado processo de criação, teste e produção. Os primeiros testes em humanos começaram a ser feitos em março e hoje há pelo menos 11 vacinas na terceira e final fase de desenvolvimento. Há pelo menos seis numa fase mais avançada e algumas já receberam aprovação para uso limitado.
Mesmo que se cumpram os prazos mais otimistas, existe outro obstáculo por ultrapassar. Terão que ser produzidas milhões de doses de uma vacina eficaz, que terão depois que ser expedidas para todo o mundo, numa inoculação da população mundial. Um feito que será, também ele, histórico. Contudo, não é algo que possa ser feito num par de meses. Estima-se que entre a produção, distribuição e administração da vacina, os seus efeitos possam ser sentidos apenas lá mais para 2022.
Seis meses depois do pico, revisitamos cada uma das vacinas mais promissoras que, pelo caminho, foram encontrando alguns obstáculos. Mas são, ainda assim, a nossa melhor chance para o regresso a uma vida normal — com a Covid-19 no meio de nós.
A vacina chinesa da CanSino Biologics
Logo em maio, a empresa chinesa divulgou resultados bastante promissores dos testes da primeira fase. O mesmo sucedeu na fase seguinte, onde se demonstrou que a vacina conseguia eficazmente produzir uma resposta do sistema imunitário contra a doença.
A urgência levou o governo chinês a dar a sua aprovação, de forma excecional, para aplicação nas forças militares a partir de 25 de junho. Por enquanto, decorrem ainda os ensaios clínicos da terceira fase, que sonda resultados de eficácia em milhares de cobaias humanas.
A vacina russa
Desenvolvida pelo Instituto Gamaleya, a pesquisa teve início em junho. Dois meses depois, Vladimir Putin surpreendia o mundo, ao anunciar a aprovação oficial de uma vacina eficaz contra o SARS-CoV-2, mesmo antes do início da terceira e derradeira fase.
Haveria mais tarde de explicar que se tratava apenas de uma aprovação limitada e condicional, que dependeria dos últimos resultados que não iriam ser testados em dois mil voluntários, mas sim em 40 mil. Num processo complicado, só em setembro os russos divulgaram os dados da primeira e segunda fase, que revelou a produção de anticorpos, bem como o surgimento de pequenos efeitos secundários nas cobaias.
A vacina da de Oxford/AstraZeneca
É a vacina na qual a União Europeia e Portugal depositam as suas esperanças. Há já um acordo para a compra de uma potencial vacina eficaz, com o Governo a garantir pelo menos 6,9 milhões de doses das 300 milhões asseguradas. A expectativa é que as primeiras doses possam chegar em 2021, entre o início do ano e o verão.
A união britânico-sueca mantém-se otimista no lançamento da vacina ainda em 2020. Os resultados dos ensaios têm sido animadores.
A vacina mostrou desde logo eficácia nos primeiros testes em macacos, sendo que nas fases 1 e 2, não foram detetados quaisquer efeitos secundários. Verificou-se igualmente o surgimento de anticorpos e de outras defesas imunitárias contra o vírus.
A fase final, num ensaio combinado entre a fase 2 e 3 (uma estratégia que visa acelerar o processo de desenvolvimento), foi lançada no Brasil, África do Sul e Estados Unidos. Com bons resultados em mãos, os investigadores começaram a desenhar os planos de produção que, segundo os próprios, dará a possibilidade de lançamento imediato de dois mil milhões de doses.
Apesar do otimismo, os testes foram suspensos no início de setembro, quando um dos voluntários desenvolveu uma doença inflamatória. Os ensaios foram retomados na semana seguinte.
Em outubro, outro voluntário morreu vítima de Covid-19, sem que fosse decretada qualquer tipo de suspensão, possivelmente por se tratar de uma das cobaias à qual foi administrado um placebo.
A vacina da Moderna
Apesar de alguns percalços com os reguladores, que atrasaram o início dos testes em humanos, a empresa norte-americana espera ter respostas mais concretas sobre a eficácia da vacina no início de novembro. Se a eficácia for comprovada, garantem a distribuição logo no início de 2021.
Foi uma das pioneiras que começou logo em janeiro a desenvolver uma possível solução, muito com a ajuda do governo norte-americano. Eficaz em macacos, lançaram os ensaios clínicos em humanos em março. Os resultados foram promissores.
A terceira e última fase de testes foi lançada a 27 de julho e em três meses recrutou mais de 30 mil participantes voluntários. Se tudo correr excecionalmente bem, a empresa poderá submeter a vacina para aprovação de emergência ainda antes do final do ano — doses que deverão estar já garantidas pelos Estados Unidos, Canadá e Qatar.
A vacina da Pfizer e BioNTech
Em parceria com a chinesa Fosun Pharma, a companhia alemã e a farmacêutica americana produziram quatro vacinas, duas das quais foram aceleradas pela Food and Drugs Administration, a entidade que regula a saúde pública.
Os objetivos da Pfizer são ambiciosos: pretende distribuir 100 milhões de doses já em 2020, valor que subirá para 1,3 mil milhões de doses em 2021.
A vacina em estudo é administrada em duas doses. As fases 1 e 2 arrancaram em maio e os resultados comprovaram que era capaz de fazer gerar anticorpos contra o vírus, bem como células imunitárias que também o combatem.
Das duas, uma delas demonstrou produzir muito poucos efeitos secundários como febres e fadiga — e avançou para a terceira fase de desenvolvimento em julho de 27, que envolve mais de 30 mil voluntários brasileiros, americanos, argentinos e alemães.
Resultados preliminares indicaram que após a primeira dose, os efeitos adversos fizeram-se sentir de forma moderada e, em setembro, a Pfizer decidiu expandir o número de voluntários dos ensaios. Atualmente, os testes abrangem crianças até aos 12 anos.
De acordo com os responsáveis da empresa, previa-se que em outubro fossem divulgados resultados esclarecedores sobre a eficácia ou ineficácia da vacina. Algo que não aconteceu, dado que ainda não se registaram casos suficientes de infeção entre voluntários para retirar qualquer conclusão definitiva.
Os Estados Unidos reservaram já 500 milhões de doses, sendo que a Europa comprou também 200 milhões.
A vacina da Moderna e esta têm um ponto em comum que pode dificultar a sua administração à população em larga escala: as vacinas têm que ser mantidas a temperaturas extremamente baixas, cerca de 80ºC negativos, precisamente até ao momento da vacinação, sob pena do composto se decompor e se tornar ineficaz.
A vacina da Johnson & Johnson
Através de um método de produção de vacinas que usaram para criar a do Ébola, a empresa arrancou em março com o objetivo de replicar o sucesso na luta contra a Covid-19.
Bem-sucedida na primeira fase de testes em macacos, que desenvolveram anticorpos contra a doença, a fase 1 e 2 começou em julho e avançou para a terceira fase em setembro. Uma etapa que angariou mais de 60 mil voluntários.
Contrariamente às duas anteriores, esta vacina exige apenas uma dose. Infelizmente, a 12 de outubro, a empresa foi forçada a interromper os ensaios, depois de uma reação adversa registada numa das cobaias.
Depois de analisar o caso, a investigação foi retomada a 23 de outubro. Os resultados da terceira fase só deverão ser conhecidos mais no final do ano.
A União Europeia garantiu também 200 milhões de doses desta vacina que a Johnson & Johnson espera conseguir produzir em alto volume: cerca de mil milhões de doses em 2021.