“Um dia depois de começar a treinar, vi que as minhas pernas se mexiam novamente. Foi uma emoção intensa”, revela Michel Rocatti, um dos três paraplégicos que experimentaram uma tecnologia inovadora desenvolvida por uma equipa da Escola Politécnica de Lausanne. O sucesso da cirurgia de Rocatti foi replicada noutros dois indivíduos e pode revelar-se um verdadeiro milagre científico.
Durante a operação foram implantados elétrodos na medula espinhal dos pacientes, todos vítimas de acidentes de mota que resultaram na perda de controlo dos membros inferiores. O método criado pelo neurocientista Grégoire Courtine e pela neurocirurgiã Jocelyne Bloch conseguiu atingir resultados surpreendentes.
Rocatti tem agora 16 elétrodos implementados que simulam os impulsos elétricos gerados pelo caminhar e que são transmitidos pela medula espinhal. Os acidentes de os três foram vítimas cortaram esta ligação entre o cérebro e o resto do corpo, que agora passa a ser feita pelos tais elétrodos. A outra componente essencial deste sistema é um computador dotado de inteligência artificial que, ligado aos elétrodos, transmite os sinais que replicam os movimentos associados a caminhar, andar numa bicicleta ou remar uma canoa.
As conquistas inéditas desta equipa foram publicadas num estudo divulgado esta segunda-feira, 7 de fevereiro, na revista “Nature Medicine”. Um marco importante na investigação que está em curso há vários anos e mostrou resultados promissores em animais.
Anteriormente, os cientistas já havido obtido bons resultados em humanos. David Mzee começou a caminhar ao fim de oito anos numa cadeira de rodas, quando em 2018 se colocou nas mãos destes cientistas e do seu novo método.
A operação de Rocatti foi especial, já que usou material desenhado especialmente para ele. A cirurgia demorou apenas quatro horas e os resultados foram quase imediatos. Quase todos os intervencionados conseguiram colocar-se de pé assim que recuperaram da operação, primeiro com a ajuda de um arnês, com o qual deram os primeiros passos, depois com o apoio de andarilhos e muletas.
Ao fim de quatro a cinco meses de treino e fisioterapia, Rocatti já fazia o impensável: sair de casa sozinho e ir até um café, apenas com o apoio de um andarilho que lhe permite regular a cadência dos passos. “Quando uso o aparelho, sinto-me melhor, mais forte, e as dores associadas ao uso da cadeira de rodas desaparecem”, conta, citado pelo “El País”.
“Até ao momento, todos os implantes deste tipo usavam elétrodos originalmente criados para tratar a dor”, revela Courtine. “Criar pela primeira vez uma tecnologia específica para esta nova funcão permite-nos sincronizar melhor a estimulação com o momento do movimento, ao imitar os sinais reais que o cérebro envia ao caminhar.”
Não são só as terminações nervosas que controlam as pernas que foram beneficiados. Os pacientes conseguiram também passar a ter sensação nos músculos do abdómen e das parte inferior das costas.
Ao todo, foram nove os pacientes que já foram sujeitos ao tratamento experimental da equipa suíça, mas espera-se que novos ensaios clínicos mais alargados arranquem em 2023. Sobretudo para provar que esta condição médica já não é, como até aqui, considerada irreversível.
Rocatti ficou paraplégico após um acidente de mota, quando um animal que surgiu na estrada o obrigou a mudar de direção. “Senti logo que algo estava errado. Tentei mexer as pernas, mudar de posição, mas era impossível fazê-lo”, explica. Nunca parou de tentar melhorar e foi assim que chegou até às mãos desta equipa médica, que lhe mostrou o procedimento. “No início estava assustado, mas quando percebi como seria a cirurgia, a implantação, relaxei.”
Agora, o computador e os elétrodos permitem-lhe soltar-se da cadeira de rodas e, lentamente, começar a dar passos. Ainda está longe de um caminhar livre e fluído como o que fazia antes do acidente, mas é um enorme passo em frente.
“Todos os dias treino duas horas — quero melhorar a qualidade do movimento e a velocidade”, diz. “Já consigo fazer 500 metros e tenho o objetivo de chegar aos mil até ao verão.”
Sobre a melhoria na qualidade de vida, só tem elogios. “É super importante para trabalhar, posso ficar de pé e resolver imensos problemas da minha vida normal, posso tomar banho, posso andar onde quiser.”