“Faziam-me pensar que estava maluca.” Inês Rosete foi diagnosticada com endometriose quando tinha apenas 24 anos. Desde a adolescência que sentia dores intensas durante a menstruação. Os seus amigos e colegas, porém, faziam-na acreditar que exagerava. “Eles não sentiam as minhas dores”, conta à NiT. Apesar de comum, a doença é ainda pouco falada em Portugal. Para tentar inverter esta tendência, lançou a 22 de maio o PodEndo, um podcast onde fala sobre esta patologia ao lado de especialistas.
Esta condição afeta a vida de uma em cada dez mulheres no mundo (176 milhões), e acompanha-as durante toda a vida fértil. Atualmente, há cerca de 230 mil mulheres que já receberam este diagnóstico em Portugal. Caracteriza-se pela migração das células que revestem a parede do útero para outros locais do corpo, causa dores horríveis e desesperantes durante o período menstrual — e não só. Está também associada a problemas de fertilidade.
Inês luta contra a endometriose desde a puberdade, mas foi só foi diagnosticada há seis anos. Embora a batalha não tenha terminado, “já fez as pazes” com a patologia. “Se tenho dores a meio do ciclo menstrual, sei que nesse dia não faz sentido ir jantar com amigos ou, agora no verão, ir para a praia. Tenho de adaptar a minha rotina e fazer esta ginástica, garantindo qualidade ao meu quotidiano. É escusado comprometer-me com algo porque depois, se for algo inadiável, vou ficar a sentir-me mal psicologicamente. É preciso fazer um exercício de aceitação: se a doença não permitiu, é aceitar e seguir caminho”, reforça.
Viver com endometriose
Várias outras coisas mudaram na sua vida após o diagnóstico. Antes, trabalhava na área financeira da TAP. Mantém-se no mesmo ramo, desta vez numa empresa diferente — e que permite que trabalhe a partir de casa, algo que considera ser muito importante para o seu bem-estar.
“Tive de pensar na forma como a doença me ia afetar. Agora consigo garantir que vou estar numa reunião, mesmo que esteja deitada na cama com um saco de água quente”, revela. Também tinha como objetivo fugir da azáfama lisboeta no dia a dia. Estar em casa baixa o stress, o que também ajuda a diminuir as dores provocadas pela endometriose.
No seu caso, os sintomas passam principalmente por dores corporais durante o ciclo de ovulação, com um destaque especial para a zona das pernas. “Também há mulheres que sentem dores durante toda a menstruação, sentem-nas durante as relações sexuais e em diferentes membros do corpo”, aponta. Além disso, pode levar à infertilidade.
Este último fator, porém, pode ser contornado. Já são feitas cirurgias que removem o tecido dos sítios indesejados. Após esta, terá uma curta janela de tempo para tentar engravidar. No entanto, este limite não é conhecido e pode mudar de pessoa para pessoa. Passado algum tempo da operação, é muito provável que o tecido este se forme novamente. “A primeira preocupação de muitas mulheres é: ‘Oh meu Deus, não vou ter filhos.’ No entanto, são mais os casos de sucesso do que de insucesso”, aponta.
A saúde física afetada não é a única afetada. Também a mental pode ir abaixo, especialmente graças à resposta da sociedade. “Se a mulher se queixa, os pares desvalorizam, o marido desvaloriza, as irmãs desvalorizam. Até os médicos dizem que estamos a ser picuinhas. Isto acaba por trazer uma grande carga mental. Como disse, começamos a achar que nós é que estamos malucas. Mas ninguém consegue sentir as nossas dores”
Inês ainda não teve de fazer nenhuma cirurgia para remover tecido indesejado do corpo. “Era para fazer, mas, felizmente, fiz uma ressonância magnética antes e vimos que o tecido ainda não tinha evoluído muito e estava controlável. Consigo regular os sintomas com a pílula, mas é um trabalho contínuo”, refere.
A menstruação de Inês sempre foi muito difícil e dolorosa. As pessoas à sua volta sugeriram que tomasse a pílula para mascarar os sintomas, o que apenas ajudou ligeiramente. Mesmo assim, ainda sofria bastante.
Recorda-se de que há cerca de seis anos estava num almoço de família e mal conseguia lidar com as dores que sentia. A madrinha viu-a naquele estado e rapidamente se lembrou de uma amiga que tinha passado pelo mesmo. Recomendou que Inês fosse ao médico e, quando saiu do gabinete, veio com um resultado inesperado: aos 24 anos, tinha sido diagnosticada com aquela patologia.
Um podcast que quer dar que falar
Pouco estudada, pouco conhecida e subdiagnosticada, a endometriose é a protagonista do PodEndo, um podcast que Inês Rosete lançou a 22 de maio. Atualmente, já conta com sete episódios. O primeiro foi feito com a ajuda de João Sequeira Alves, do Hospital da Luz, em Lisboa. “Especializou-se nesta patologia e noutras como os cancros. Foi ao norte de França para ganhar conhecimento e trazê-lo para cá. Com a ajuda dele dei algum contexto sobre a doença”, explica.
A cada dez dias é lançado um novo capítulo. Na primeira temporada, o objetivo é “cobrir todas as áreas que preocupam as mulheres com endometriose. Vou trazer sempre especialistas que se dedicam a esta doença”, revela.
Também acredita que um projeto deste estilo era algo que estava em falta no nosso País. “A comunidade científica já está a fazer o seu trabalho, mas também é preciso que a sociedade trace um caminho. Embora já se fale desta patologia nos meios de comunicação social, são coisas pontuais e nunca contínuas. Muitas vezes, deixam mais perguntas no ar do que respostas.”
Sendo Inês uma “consumidora ávida de podcasts”, acreditou que faria sentido apostar neste formato. “É algo que as pessoas jovens gostam e é um veículo onde a informação é transmitida facilmente. Enquanto fazemos uma viagem de metro do Saldanha para Odivelas podemos ouvir vários episódios”, brinca. Cada episódio dura entre 20 e 40 minutos.
Na sua opinião, a endometriose ainda é uma patologia pouco falada em Portugal, embora existem associações que estejam a fazer “esforços brutais”, como a Mulherendo. “Os próprios médicos também se estão a esforçar para perceberem melhor esta doença. Mas, atualmente, o maior esforço tem de vir da sociedade. Temos de falar sobre isto se não as mulheres não vão ao médico e não são diagnosticadas”, conclui.