Há 10 anos Jo Cameron foi operada à anca e, embora se tratasse de uma cirurgia com um pós-operatório doloroso, a britânica de 65 anos não sentiu qualquer desconforto. O insólito caso despertou a atenção de vários especialistas, que agora descobriram o motivo para a sua falta de sensibilidade à dor: uma má formação genética.
Na altura os médicos que acompanhavam Cameron ficaram surpreendidos e encaminharam-na para o serviço de genética. Mas só seis anos depois, em 2019, é que conseguiram identificar um novo gene, a que chamaram FAAH-OUT, que continha uma mutação genética rara. Em combinação com outra mutação mais comum na FAAH, descobriu-se que era esta a causa das características únicas de Jo que também não sente medo ou sabe o que é estar infeliz.
Os especialistas continuaram a investigar e agora descobriram que área do genoma que contém o FAAH-OUT e que anteriormente consideraram como “lixo”, afinal medeia a expressão do FAAH. Este gene faz parte do sistema endocanabinóide e que é bem conhecido pelo seu envolvimento na dor, no humor e na memória.
Num estudo publicado a 24 de maio na revista “Brain”, a equipa procurou compreender como funciona a FAAH-OUT molecularmente. O objetivo era perceber como poderiam tirar partido desta biologia única para aplicações como o desenvolvimento de medicamentos que tratem a dor e a cicatrização de feridas. Isto incluiu uma série de abordagens, tais como experiências CRISPR-Cas9 em linhas celulares para imitar o efeito da mutação noutros genes, ou análise da expressão de genes para ver quais estavam ativos em vias moleculares envolvidas na dor, no humor e na cura.
“A descoberta inicial da raiz genética do fenótipo único de Jo Cameron foi um momento eureka e extremamente excitante, mas é com estes resultados atuais que as coisas começam a ficar realmente interessantes. Ao compreendermos exatamente o que está a acontecer molecularmente, podemos começar a entender a biologia envolvida e isso abre possibilidades para a descoberta de medicamentos que poderão um dia ter impactos positivos de grande alcance para os doentes”, disse o professor James Cox, um dos autores do estudo.