Saúde

Magra, mas com pernas gordas? A culpa pode ser do lipedema

Estima-se que a doença afete 20 por cento da população feminina mundial e cerca de um milhão de portuguesas.
A doença não tem cura, mas existe tratamento

Cláudia Vicente passou a adolescência com problemas de autoconfiança, muito por culpa de uma relação pouco saudável com o seu corpo, em constante mudança. “Tinha uma imagem diferente daquela que idealizava, sendo que o meu corpo não respondia a qualquer tentativa de recuperação”, confessa. 

Os primeiros sintomas de que algo não estava bem começaram por uma “desproporcionalidade crescente entre a parte superior do corpo e a parte inferior, que era afetada pela presença de retenção de líquidos e crescente tendência para ganho de peso e volume nas pernas”. 

Progressivamente, foram aparecendo “nódoas negras sem motivo aparente, dores nas pernas, bem como pele frágil e com aspeto desagradável, onde eram visíveis nódulos dolorosos ao toque, retenção intensa de líquidos e inchaço”. 

Apesar de nunca ter perdido a capacidade física, “fazia tudo com mais esforço, pelo peso das pernas e as dores que sentia ao toque, que me limitavam em algumas áreas, como na prática de desporto”. 

Ainda assim, a maior limitação que sentia foi mesmo “a vergonha e incapacidade de me sentir bem no meu corpo, que não era o reflexo de mim e dos esforços que fazia para melhorar. Evitava expor-me, bem como todas as atividades que exigissem mostrar as pernas”.  

Viver com falsas explicações 

Atualmente com 48 anos, Cláudia só conseguiu finalmente encontrar uma explicação para o seu caso apenas há três. “Em 2021 tive um episódio inflamatório, na sequência de um ano exigente e desafiante, e considerei que não era possível que estivesse tudo bem ou que a explicação estivesse relacionada com o meu biotipo, como sempre me haviam dito”, recorda. 

“Para mim era claro que a forma como o meu corpo respondia não era natural”. Foi graças a uma pesquisa na Internet que encontrou uma publicação cujo título lhe chamou a atenção: “Magra com pernas gordas? Deve ter lipedema”. 

Apercebeu-se imediatamente que encaixava em tudo o que era descrito. “Pesquisei por médicos especialistas na doença e encontrei o Dr. Olivas Menayo, para o qual agendei consulta para a semana seguinte”. Na primeira consulta recebeu o diagnóstico: “lipedema tipo 3, estágio 2/3”, recorda. 

Oficialmente reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como doença em 2018, trata-se de “um distúrbio do tecido adiposo, que consiste na proliferação excessiva de células de gordura (adipócitos), sobretudo na metade inferior do corpo, como pernas, coxas e quadris, mas também pode atingir os braços e couro cabeludo”, explica Jesús Olivas Menayo à NiT, especialista em cirurgia plástica reparadora e estética e cofundador da MS Medical Institutes, em Lisboa.

Sem cura, afeta maioritariamente mulheres e estima-se que 20 por cento da população feminina mundial sofra da doença. Em Portugal, calcula-se que afete um milhão de mulheres. 

Será que tenho lipedema? 

Segundo o especialista, “em 90 por cento dos casos, a doença inicia-se nos quadris e coxas, afetando posteriormente a região dos gémeos e tornozelos. Existe uma lista de 12 sintomas que avaliamos e, caso os pacientes se identifiquem com pelo menos seis dessas características, aconselhamos a marcação de uma consulta de avaliação e diagnóstico”.

Entre os sintomas mais frequentes, Olivas Menayo destaca “a dor espontânea nas pernas ou braços, mesmo quando está em repouso, hipersensibilidade, sensação permanente de peso ou pernas inchadas, nítida desproporção entre o tronco e as pernas, tendência a hematomas ou a gordura apresentar uma consistência mais dura”. 

Como é uma doença hereditária, caso existam casos na família, também pode ser um indicador. Geralmente, a patologia desenvolve-se gradualmente “desde a puberdade, embora também possa desenvolver-se ou piorar após a menopausa, ou gravidez”, destaca o especialista, que sublinha que “o uso de contracetivos orais pode acelerar o seu desenvolvimento”. 

O lipedema também pode aparecer associado a doenças, como “distúrbios hormonais, hipotireoidismo, síndrome do ovário poliquístico, endometriose ou alterações do ciclo menstrual (períodos dolorosos, intensos e/ou erráticos) ou diabetes tipo 2”, sendo que o nível de intensidade pode ser a causa de um desenvolvimento mais ou menos rápido. 

Como tratar? 

Após conhecer o diagnóstico, Cláudia iniciou de imediato o tratamento, “que consiste no uso de meias de compressão diariamente, alimentação anti-inflamatória e drenagem linfática manual”. Um mês após a consulta, foi operada às pernas. 

“O tratamento do lipedema baseia-se na conjugação de modalidades, nomeadamente tratamento nutricional, fisioterapia/tratamento desportivo e cirúrgico. A não realização de uma delas pode comprometer todo o tratamento e inviabilizar os resultados desejados”, explica o especialista. 

“Por desconhecimento da doença, muitos diagnósticos não são bem-feitos e aconselha-se apenas um plano nutricional. Esta situação faz com que o paciente não perca peso na zona afetada, perdendo maioritariamente na parte superior do corpo, acentuando a diferença entre a parte superior e a inferior.”

A nível cirúrgico, o tratamento consiste “na remoção do tecido adiposo doente, que é mais fibroso e compacto do que o normal, e as áreas a serem tratadas são mais delicadas, sendo necessário um conhecimento profundo das técnicas para não danificar os tecidos saudáveis”, explica. 

Quanto custa? 

Cláudia confessa que o tratamento envolve alguns gastos, nomeadamente com as meias de compressão e as drenagens, que podem ser variáveis. “A cirurgia custou perto dos seis mil euros”, confessa, mas a qualidade de vida que conquistou valeu o investimento. 

A fase pós-cirúrgica foi mais exigente, reconhece. “Nos primeiros três ou quatro dias foi difícil, mas ainda assim a melhoria é evidente.  Após poucas semanas já senti o ganho na qualidade de vida. As minhas pernas ficaram leves e responsivas à atividade que lhes dou.”

“Simbolicamente, libertei-me de algo que não me pertencia. Tenho a liberdade de poder decidir o que fazer e como fazer, tendo em conta apenas a minha vontade, sem dores, nódoas negras ou retenção de líquidos. Sem peso e sem vergonha”. 

Após o tratamento, Cláudia não faz medicação para a doença, mas cuida da alimentação, dá prioridade ao sono e ao descanso, faz exercício físico específico para o seu caso, bem como gestão do stresse, “para manter os gatilhos inflamatórios deslogados”. 

“O lipedema não tem cura, mas a qualidade de vida das pacientes pode melhorar muito se seguirem um plano de tratamentos completo, e se mantiverem, ao longo da vida, cuidados específicos que permitam manter a doença controlada”, destaca o especialista.

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