Saúde

Maioria dos 100 mil portugueses viciados em raspadinhas têm baixos rendimentos

Pessoas mais velhas, com menor instrução escolar e com pior saúde mental são as que mais têm problemas com o jogo.
Photo for this weeks theme triss (somewhat like three) for the group Fotosöndag (Photo Sunday). These lottery tickets are called Triss.

Passar por uma papelaria ou quiosque e comprar, inocentemente, uma ou duas raspadinhas, pode ser o primeiro passo para entrar num caminho sem volta. A possibilidade de enriquecerem “de um dia para o outro”, gastando apenas 1€, é demasiado atrativa para uma parcela significava da população portuguesa.

Muitos não conseguem resistir ao impulso de “comprar só mais uma” e gastam mais do que deviam num hábito se tornou num vício difícil de controlar. Em Portugal, cerca de 100 mil pessoas são viciadas em raspadinhas e, destas, 30 mil terão uma perturbação patológica relacionada com o jogo. A conclusão é do estudo “Quem paga a raspadinha”, apresentado esta terça-feira, 19 de setembro, pelo Conselho Económico e Social (CES), em parceria com a Unidade do Minho.

A investigação conclui ainda que os jogadores mais frequentes têm mais de 50 anos, o ensino básico ou secundário e rendimentos abaixo do ordenado mínimo. A maioria dos viciados são com pessoas com menos estudos, uma vez que é um jogo barato, de fácil acesso e com resultado imediato.

Tal como acontece com outros jogos, também este funciona como um imposto regressivo, em que quem tem menos meios de subsistência é quem mais joga”, explica Luís Aguiar-Conraria, economista e professor catedrático da Universidade do Minho, aqui citado pelo “Expresso”.

As conclusões baseiam-se nos dados recolhidos em 2.554 inquéritos telefónicos, realizados a residentes em Portugal, todos com mais de 18 anos. Através das respostas, foi possível perceber que 8,7 por cento dos entrevistados jogam regularmente. Quem tem rendimentos mais baixos (quem ganha entre 400€ e 664€ por mês) gasta mais dinheiro com as raspadinhas, em comparação com pessoas que recebem até 1.500€.

Ao mesmo tempo, o estudo afirma que quem tem apenas o ensino básico tem seis vezes mais probabilidade de ter esse comportamento do que pessoas com um mestrado ou doutoramento. Este tipo de jogo afeta proporcionalmente mais mulheres do que homem. Quanto à faixa etária, são os mais velhos, entre os 51 e os 66 anos, que compram a lotaria de forma regular. Já no que diz respeito a profissões, destacam-se os operários (mecânicos, eletricistas e pedreiros) entre os jogadores frequentes.

A motivação para os consumidores mais viciados é, na verdade, bastante simples: 83 por cento das pessoas que jogam diariamente alegam sentir necessidade de comprarem raspadinhas para ganharem dinheiro. “Dado que, por definição, quem joga muito em média perde dinheiro, é-se obrigado a concluir que a grande maioria destes jogadores têm perceções erradas das probabilidades associadas aos prémios”, lê-se no estudo.

Entre os entrevistados, 79 revelaram risco moderado de desenvolver problemas de jogo, sendo que 31 admitiram comprar com frequência. Segundo os dados, “há cerca de 100 mil adultos em Portugal com comportamentos problemáticos com raspadinhas, dos quais cerca de 30 mil apresentam perturbação de jogo patológico”. Verificou-se, ainda, que muitos dos consumidores sofrem de ansiedade, raiva, depressão, alterações de humor e reações impulsivas. O consumo de tabaco, café, bebidas energéticas, álcool e outras substâncias também pode influenciar este vício, uma vez que prova que são pessoas vulneráveis do ponto de vista da saúde.

“A associação com o consumo de álcool reveste-se de preocupações acrescidas, promovendo desinibição e dificuldades nas tomadas de decisão mais promotoras de saúde. Este facto, associado a características estruturais prévias de funcionamento psicológico mais evidentes nas pessoas com problemas de jogo indicia que estes indivíduos poderão ficar mais vulneráveis ao contacto com os dispositivos de jogo”, alertam os investigadores.

A solução não é proibir a venda das raspadinhas, mas sim regulamentá-la, defende Luís Aguiar-Conraria. “As pessoas têm de ter uma forma de defesa, como acontece noutros tipos de jogos. Devem ter a possibilidade de autoexclusão, em que o apostador pode pedir que o coloquem numa lista que o impeça de comprar raspadinhas. E não é preciso mudar leis. Deve ser a Santa Casa a mudar as regras, a limitar a venda diária a cada pessoa,  e a terminar com a entrega do prémio na hora para não ser logo gasto em mais jogo”, acrescenta.

O estudo foi lançado em maio do ano passado, mas só agora foram conhecidos os resultados da primeira fase. Faltam revelar os dados de mais duas, que ainda não têm data para arrancar.

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