“Viverei para sempre com as duas balas alojadas na minha cabeça.” Marta Nogueira tem 29 anos, mas há oito que a sua vida mudou, quando tentou terminar a relação com o namorado e acabou baleada. Foi operada mais de 30 vezes, mas continua a ter graves problemas de fala e equilíbrio. No entanto, não desiste nem de si, nem de ajudar os outros. Por isso mesmo, em julho, com a ajuda de Filipe Bacelo, lançou o livro “A Menina Milagre”, onde conta toda a sua história, “para poder servir de exemplo a quem esteja a passar por lutas semelhantes”.
A 15 de abril de 2015, quando se preparava para abrir a pastelaria Princesa do Douro, em Pinhão, onde trabalhava com a prima, Joana, o inesperado aconteceu. Marta foi surpreendida pelo ex-namorado, com quem tinha tentado terminar a relação poucos dias antes.
“Não aceitou o desfecho e veio tirar satisfações. Disparou dois tiros diretos à minha cabeça e outro para a minha prima, que acabou por morrer no local”, explica Marta. “Uma das balas atravessou o meu cérebro onde se encontra, até hoje. A outra está um pouquinho mais abaixo. Por sorte, não atingiu a medula”, conta à NiT a jovem natural de São João da Pesqueira.
Marta Nogueira ficou estendida no chão durante 45 minutos sem assistência. “Pensavam que estava morta. Mas um senhor percebeu que mexi um braço e pediu auxílio”, acrescenta. O INEM levou-a para o Hospital de Vila Real, mas, perante a gravidade da situação, foi reencaminhada para as urgências de Santo António, no Porto. “Durante este processo tive de ser reanimada quatro vezes.”
“Estive um mês e alguns dias em coma, até voltar a ser reencaminhada para o Hospital de Vila Real e só em julho é que fui reencaminhada para o Centro Reabilitação do Norte, onde fiquei internada durante sete meses.”
Quando saiu do centro, em janeiro, passou para uma clínica privada de fisioterapia, NeuroGlobal, na Maia, onde continua a realizar regularmente vários tratamentos.

Os médicos temiam o pior. Os primeiros prognósticos apontavam que Marta nunca mais iria andar, falar ou sair da cama. Mas não foi assim. Após essa manhã na pastelaria, só voltou a casa decorridos seis meses, numa cadeira de rodas e totalmente dependente dos pais para viver. “Não conseguia comer sozinha, nem fazer as atividades básicas da minha vida”, afirma.
O processo de recuperação tem sido longo. “Fiz 33 operações diferentes. Algumas foram para tentar recuperar os tendões e músculos que ficaram afetados”. No entanto, a parte mais desafiante é mesmo a sua saúde mental.
“Em março, comecei a fazer um tratamento com um neuropsicólogo e hipnoterapeuta, para conseguir ultrapassar o trauma. Ainda vivo angustiada, em pânico e com medo, embora não me lembre de nada do que aconteceu nesse dia.”
Segundo os especialistas que a acompanham, as balas alojadas no cérebro estão numa zona que afetam a mobilidade e a fala de Marta. “Mas aos poucos acredito que vou conseguir melhorar”.
Aliás, ao longo destes anos oito anos não tem feito outra coisa. Contra todas as expectativas, não só sobreviveu ao ataque, como se tem superado dia após dia na sua recuperação. Este é o único objetivo da jovem de 29 anos.
“Nestes últimos anos a evolução foi enorme e dou o meu melhor para continuar”. Com esse objetivo, em abril de 2022, inscreveu-se no ginásio, onde tem o acompanhamento de um personal trainer, “para ganhar o músculo que perdeu durante todos os anos acamada e na cadeira de rodas”.
A vida de Marta ficou afetada em vários aspetos. O amor, por exemplo, é algo que nem quer ouvir falar (pelo menos por agora). “Nunca mais tive um namorado, porque é muito difícil confiar em alguém. Não vou dizer nunca mais, porque não sei o dia de amanhã. Mas agora só quero focar-me na recuperação e conseguir ser o mais autónoma possível”, diz à NiT.
O ex-namorado, Manuel Monteiro, foi condenado à pena máxima de 25 anos e teve ainda de pagar uma indemnização de 514 mil euros às famílias das vítimas. Os relatórios médicos apresentados em tribunal referiam que Marta tinha uma incapacidade de 90 por cento, resultante da tentativa de homicídio.
No entanto, mesmo passados oito anos, a jovem transmontana não se conforma com a ideia de que outras mulheres possam passar por situações semelhantes. “Espero que o meu testemunho trágico sirva para alertar a quem possa estar a viver algum tipo de relação abusiva, para que se afaste dela antes que seja tarde demais e que o meu exemplo, de não baixar os braços em direção à recuperação, possa servir de exemplo”, diz à NiT.
O livro “Menina Milagre” escrito por Marta e Filipe Bacelo está à venda em várias livrarias portuguesas e custa 10€. As receitas são usadas para pagar os tratamentos da autora, que custam cerca de 400€, por semana. Quem quiser ajudar a causa, pode fazê-lo também através da respetiva página de Facebook.