Martin tinha 12 anos quando foi atirado para uma cadeira de rodas e ficou dependente de um ventilador para sobreviver. Até 16 de dezembro de 2020, o fatídico dia do acidente que lhe mudou a vida para sempre, era um miúdo ativo que adorava nadar, andar de bicicleta e skate. Tocava piano e bateria. Agora luta pela sobrevivência, na clínica que os pais criaram para ele — e para outros miúdos na mesma situação.
Amaya Guterres e Paulo Fonseca, os pais, desdobravam-se entre o trabalho na quinta de eventos que ainda mantêm em Valença, a Quinta do Prazo, e as atividades dos quatro filhos. Numa sexta-feira de dezembro, preparavam-se para ir ver o mais novo, o Martin, a andar no barco a remos quando a tragédia lhes bateu à porta.
“Tínhamos ficado de almoçar com um amigo do nosso filho e a mãe, que se ofereceu para ir buscá-los à escola. Acabámos por não ir almoçar com ela, mas pediu-me para o Martin ficar com eles, para fazer companhia ao amigo. Acedemos e marcámos encontro na nossa casa, para se preparem para a aula de remo e depois sairmos todos juntos”, conta Amaya, chefe de cozinha, de 45 anos à NiT.
O Martin nunca chegou a voltar a casa nesse dia. Durante o caminho, o carro onde seguia foi abalroado por um comboio em Moledo, concelho de Caminha, que fazia a ligação entre Valença e Viana do Castelo. “A mãe do amigo do meu filho terá ultrapassado as barreiras do apeadeiro e ignorado os sinais sonoros que anunciavam a aproximação do comboio. Quando tentava passar a segunda barreira, não teve tempo e o levou-a à frente. O carro acabou por ser atingido, na parte traseira, onde seguia o Martin.”
O acidente aconteceu a poucos metros da casa da família, em Caminha, e o pai de Martin apercebeu-se do estrondo. “O meu marido estava no exterior e foi a correr quando percebeu que tinha havido um acidente. Assim que viu o carro reconheceu-o e quando abriu a porta verificou que o nosso filho não tinha pulsação. Ignorando os conselhos de quem lá estava, retirou-o do carro e iniciou, instintivamente, as manobras de reanimação. Entretanto, as viaturas de emergência chegaram, mas só a caminho do hospital é que conseguiram estabilizá-lo.”
Seguiram para o hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, passando depois para uma Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) num hospital do Porto, em coma. “O Martin teve uma lesão axonal difusa a nível cerebral e uma lesão na coluna da C0 à C4”, explica a mãe e adianta que durante o violento acidente, “foi como se o corpo se tivesse solto da cabeça”.
Recuperação de “guerreiro”
Passou por várias cirurgias, algumas muito “delicadas” e “com muitos riscos”. Após vários meses internado, foi transferido para o centro de reabilitação do Norte e, mais tarde, para uma clínica privada. Só um ano depois voltou a viver com a família, mas desta vez em Braga.
“Em Valença e Caminha não tínhamos acesso aos tratamentos e terapias que o Martin precisava, por isso, tivemos de mudar-nos. Arrendámos uma casa em Braga e os miúdos mudaram de escola. Tivemos de pensar no melhor para o Martin”, explica a mãe.
Hoje, Martin depende da família para tudo, “está preso a uma cadeira de transporte”, precisa de um ventilador para respirar e voltou a usar fraldas. “Não faz nada sozinho. A lesão da coluna afetou uma zona do cérebro que coordena a respiração e os movimentos”, refere Amaya.
A família nunca desistiu. Com os tratamentos na clínica privada, “o Martin começou a mudar”, contam os pais. “Parece que despertou e decidimos continuar. Procurámos sempre os melhores tratamentos e foi assim que encontrámos as clínicas Brain Treatment Center (BTC), no Panamá e a Tecnologia Magnetic Ressonance Therapy (MeRT). Depois de uma consulta à distância, gostámos da abordagem e do que poderia fazer pelo nosso filho e decidimos experimentar.”
Em novembro de 2022, os pais viajaram com o Martin para a América Central para experimentar o protocolo inovador e personalizado às necessidades do miúdo. “Durante quase dois meses elaboraram um tratamento com base no estudo do microbioma, uma dieta alimentar muito específica, terapias com células estaminais e o tratamento MeRT, que consiste na estimulação do cérebro para potenciar os resultados das diversas terapias.”
A evolução do Martin foi, segundo os pais, “drástica”. “Embora não fale, conseguimos perceber as reações e o que sente. Deixou de tomar 17 comprimidos por dia, para passar a tomar apenas dois. Mexe o cotovelo direito, embora esteja tetraplégico e, com a ajuda dos terapeutas, consegue segurar o corpo sentado, que demonstra uma grande força muscular, adquirida após a ida ao Panamá. ”
Os tratamentos custam cerca de oito mil euros por mês, ao qual têm de adicionar o preço dos voos, estadia e ainda a logística de levar tudo o que um miúdo tetraplégico precisa. A pensar no filho e noutras pessoas que beneficiariam deste tipo de tratamento, decidiram trazer o projeto para Portugal. “Falámos com os diretores das clínicas e começámos a desenvolver a ideia. Escolhemos um espaço em Braga e começamos a construir o projeto”, explica Amaya.
Tratamentos individualizados
O MeRT é um processo teraputico “muito específico” desenhado com base num eletroencefalograma (EEG) e eletrocardiograma para perceber como funcionam o coração e o cérebro do paciente. “Com o resultado desses exames, a médica que trabalha connosco, a partir do Panamá, faz um relatório, discutido em conjunto com os vários técnicos e especialistas americanos”, explica Amaya.
Com esses dados é criado um tratamento para cada paciente, “totalmente individualizado”. “A partir daí iniciamos a terapêutica MeRT, que consiste numa máquina que dirige impulsos ao cérebro para estimulação”, detalha a mãe de Martin. “É quase um maestro para o cérebro, faz uma neuromodelação. E, dessa forma, a informação chega corretamente aonde deve chegar.”
A mãe de Martin explica que este tratamento funciona “para qualquer tipo de lesão cerebral” e também em “miúdos com autismo”, entre outros vários problemas neurológicos.
A clínica que abriu em Braga na passada segunda-feira, 11 de setembro, é a “primeiro a trabalhar de forma integrada na Europa e é direcionada sobretudo para miúdos e jovens, embora o tratamento MeRT possa trazer benefícios para qualquer pessoa”.
Neste momento, é ali que Martin faz todas as terapias que precisa e a mãe revela que já têm vários pedidos de inscrição de outros jovens com problemas cerebrais.