A história de Miriam Andrade dava um filme. A jovem sofreu bullying durante muitos anos e passou por um abuso, no entanto, foi aprendendo a aceitar o seu corpo e até se tornou modelo fotográfico e uma inspiração para outras pessoas — pode ler a história completa neste artigo. Mas a ansiedade nunca passou e a pandemia veio piorar tudo.
Desde criança que sofre com isso. Na altura, sem saber o que significavam aqueles batimentos acelerados, sentia-se assustada. Nunca passou, mas no ensino secundário piorou. “Aí começam os primeiros ataques de pânico de ficar paralisada, de ir parar ao hospital e de não saber que eram crises de ansiedade, nem que estava a lidar com ansiedade”, explica à NiT a jovem de 28 anos, acrescentando que não se falava no assunto.
Miriam já passou por ataques em que não conseguia respirar e achava que estava a ter um ataque cardíaco. “Cheguei a perder os sentidos, ainda que estivesse consciente, em plena casa de banho de uma estação de comboios com a porta fechada. Também vivi uma situação igual no meu local de trabalho. Não estava lá ninguém e fiquei duas horas fechada dentro de uma sala sem que ninguém me pudesse acudir.”
Quando soube da existência de um vírus, confessa que não lhe deu a devida credibilidade. Ficou assustada, claro, mas pensou que estava longe. Além disso, naquela altura estava a trabalhar e isso mantinha a sua mente ocupada. “Consegui lidar mais ou menos, achando-me uma super heroína”, recorda.
Infelizmente, isso mudou quando o País entrou no primeiro confinamento. Sendo uma pessoa extrovertida e com uma personalidade que exige muito de contacto humano, a jovem, que é licenciada em Comunicação Social e Cultural e com uma Pós-Graduação em Media e Jornalismo, diz que a sua ansiedade ficou “ao rubro”.
Ainda assim, esteve em teletrabalho e passou esse tempo numa zona rural e em contacto com a natureza, o que a tranquilizava. No entanto, se trabalhar a fazia esquecer o que se estava a viver, deparou-se com outro problema: manter uma rotina. A dificuldade em distinguir o horário de trabalho e de descanso foi um enorme desafio.
“Trabalhava de pijama, na cama e o corpo começou a ceder. Os ataques começaram a aparecer sem eu saber o porquê. Só dizia que queria ir lá para fora, ir passear. Quando havia os momentos do confinamento em que podíamos fazer algumas coisas, como quando havia um horário limite para ir ao centro comercial, eu fazia por isso porque era o mínimo de contacto social e o mínimo que conseguia para me manter sã”, recorda à NiT.
Miriam conta que a situação ainda piorou mais quando ficou desempregada devido à pandemia: “Aí é que o meu chão tremeu. Apercebi-me da gravidade e que a pandemia me tinha roubado uma das minhas seguranças. É quando sinto que não estou no controlo das coisas e que começo a panicar. Já não tenho trabalho, fonte de rendimento e tenho um carro para pagar. Moro como os meus, mas estava no processo de tentar sair de casa, e foi tudo por água abaixo.”

O confinamento tornou-se o seu pior pesadelo
A partir daí, Miriam começou a ter crises como nunca antes tinha tido. Estava a ser acompanhada por um médico em Espanha e, devido à Covid-19, deixou de poder lá ir e de ser acompanhada por ele. Acabou por procurar outro médico, em Portugal, que agora está em isolamento e não está a dar consultas. “Isto foi tudo uns remendos que fui pondo e sabia que, eventualmente, iam explodir”, garante.
Dado o cenário, a única forma de a jovem de 28 anos manter a sua sanidade era mesmo sair de casa. “Se sou culpada por ter quebrado algumas regras de confinamento? Sou. Mas não me sinto culpada. Para sobreviver precisava de sair. Não estou a falar de ir para festas nem de ir para o meio de muita gente. Estou a falar de sair de casa, respirar, estar lá fora com o meu namorado, os meus sobrinhos e ter o máximo de apoio emocional porque tinha muito medo que o meu pico depressivo voltasse e aí não havia nada que me salvasse.”
Miriam descreve que “ter ansiedade é sentir que a qualquer momento vais morrer”. “É estranho. Mas é sentir um sufoco tal que não vais conseguir respirar, que nada está no teu controlo e, às vezes, é não conseguir sentir de todo. Há tanta confusão, tanta incerteza mental e física”, desabafa.
“Se fosse há uns anos, já tinha terminado com a minha vida porque não aguentava”
Tem consciência de que muitas pessoas têm dificuldade em compreender ataques de ansiedade, mas apela a que não se julgue à primeira. “Todos nós temos os nossos problemas, medos e ânsias, mas isto é uma doença”, relembra.
Atualmente, sem médico, Miriam tenta arranjar acompanhamento psicológico online. Entretanto, é a família que está a ser esse apoio.
Passados os primeiros meses, a jovem estava numa onda positiva, mas essa postura muda quando vê Portugal a chegar a números de casos e mortes como nunca antes se tinha visto.
“Aí começo a ter problemas, mais cuidados e muito mais ansiedade também. Ia a supermercados e pensava constantemente: “E se aquela pessoa está infetada? E se este sítio em que estou a tocar foi tocado por alguém infetado e agora vou levar isto para casa?’ É uma bola de neve que deixa a nossa cabeça como um novelo de lã.”
O teste positivo e os níveis de ansiedade ao rubro
No final de fevereiro deste ano, quando menos esperava, foi infetada por um membro da sua família. No dia anterior ao resultado do teste, passou por mais um assustador ataque.
“Foi uma crise gigante de pânico, daquelas quase de ir para o hospital, que não tinha há mais de um ano, o que para mim era uma vitória. Se não tenho pediatra, não tenho receitas para a minha medicação e se não a tomo há consequências graves. Percebi isso nesse ataque. Foi muito tempo, muito choro, muita dor no peito, sempre com o pensamento de que ia morrer”, recorda à NiT.
As horas de espera até receber o resultado do teste à Covid-19 foram devastadoras para Miriam. “Eu só chorava. A espera foi horrível e ainda mais quando abro o email e leio que estou positiva. Entrei em pânico total, desespero total, choro total. Sabia perfeitamente que ao tomar muita medicação e por ter um sistema imunitário fraco, a doença me podia atacar de várias formas e ter várias mazelas.”
O choque foi enorme e a infeção significava também que não podia ter o apoio emocional de que tanto necessita, neste caso do namorado e de parte da família, já que na sua casa ficaram quatro pessoas infetadas,
“Todos os dias tenho um sintoma novo. Comecei com uma gripezinha, depois a dor de cabeça e a dor de garganta. Entretanto, fiquei sem paladar e comecei com uma tosse que me faz doer imenso o peito, assim como dificuldade em respirar. Por ter ansiedade, tenho já os batimentos muito rápidos, então agora estão a dobrar.”
Ainda assim, confessa à NiT que já não sente que o pior de tudo é estar infetada, mas sim ver a sua família infetada. É que também os seus avós foram contagiados, uma situação que lhe tem causado “pesadelos e muitas preocupações”. “Estou todo o dia a pensar nisto com uma sensação de inutilidade porque não posso sair de casa, não posso ajudar nada nem ninguém, e isso é horrível”, acrescenta.
Se ao início se culpou por estar a sentir-se mal com toda a situação, acabou por perceber que estava na altura de parar de seguir aquilo a que chama de positividade tóxica.

“É quando uma pessoa mostra que está sempre feliz, apesar dos problemas e de estar a passar por tudo. Que está sempre a dizer que isto vai passar, que um dia nos vamos rir da situação e vamos estar todos juntos. Eu não me sinto assim. Cheguei a um ponto em que não tenho vergonha, nem tenho de me sentir assim. Eu estou mal, o meu corpo está mal, a minha mente está mal e não há problema de me sentir assim”, diz à NiT.
E continua: “Cada pessoa tem o seu direito em sentir-se tal e qual como está, o que não significa que se tenha de resignar com isso. Não estou a defender que temos de nos conformar, mas sim que temos o direito de nos sentirmos assim. Há dias e semanas que não são as melhores. Tendo em conta o que estamos a passar, principalmente em pessoas com doenças do foro mental, sobreviver a isto é um ato heroico.”
Miriam Andrade não tem dúvidas de que se não tivesse as armas que tem atualmente, como o apoio da família, a medicação e terapia, já não teria aguentado. “Se fosse há uns anos, já tinha terminado com a minha vida porque não aguentava com o sufoco. Tenho plena consciência disso”, garante.
“Agora sei que é ok estarmos mal e que um dia iremos ficar bem. Quando? Não sabemos. É essa a angústia. A minha ansiedade está ao rubro porque não consigo responder ao quando.”
Miriam continua infetada e a preocupação com o pai e os avós está a consumi-la, mas quer transmitir a mensagem de que o sofrimento é válido e que não deve ser desvalorizado, assim como os problemas de saúde mental.
“Acima de tudo, cortem com tudo o que é tóxico, as redes sociais que vos fazem mal e agreguem-se de pessoas que vos fazem sentir bem. Neste momento, por estar assim, não consigo acreditar no famoso ‘vai ficar tudo bem’, mas quero que assim seja. Sei que a Miriam daqui a um mês ou dois vai estar a dizer essa frase.”