O grito de desespero de Constança pedia atenção para o problema. “Não quero morrer”, escreveu a jovem de 24 anos na publicação que num dia deu a volta ao País. A mensagem despertou as atenções para uma doença rara e, por isso, muitas vezes oculta: a fibrose quística.
A doença genética, sem cura, afeta sobretudo jovens. Isto porque “os pacientes têm uma esperança média de vida de 40 anos”, sublinha Paulo Sousa Martins, diretor da Associação Nacional de Fibrose Quística (ANFQ). “Existem muitos casos como o da Constança Braddell”, avisa.
Quase sempre longe da exposição mediática, sobretudo porque é uma doença oculta, pelo menos até “ao momento em que obriga ao uso de oxigénio 24 horas por dia”, tem agora o seu momento de exposição mediática. E tudo graças à coragem de Braddell, que decidiu tornar pública a luta contra a fibrose quística.
“Desde setembro de 2020, a minha vida mudou drasticamente. Tenho vindo a morrer lentamente. Perdi 13 quilos no espaço de 3 meses e estou ligada a oxigénio 24/7, e a um ventilador não invasivo para dormir porque é a única maneira de eu conseguir continuar a respirar”, descreve a jovem que se encontra internada.
O caso passou pelas mãos da ANFQ, quando Constança tentou procurar apoio para resolver a situação dramática em que se encontra. Apesar de se tratar de uma doença incurável, existem medicamentos inovadores que prometem tratar a doença de forma mais profunda — e, como se pretende, de forma mais eficaz.
É também esse o ponto central do apelo da jovem: a demora na disponibilização do Kaftrio, medicamento que acredita que poderá ajudar a reverter a sua situação, mas que ainda não foi aprovado pelo Infarmed. Pior: o preço deste medicamento para apenas um ano é de 200 mil euros.
“Estes novos modeladores como o Kaftrio são diferentes dos que existiam, porque são os primeiros que tratam a causa da doença, o próprio defeito genético. Os outros apenas atenuavam as consequências”, explica o presidente da ANFQ.
Perante a deterioração da saúde de Constança Braddell, a família procurou uma autorização de emergência para o uso do medicamento, mas que acabou por ficar presa nas burocracias entre hospitais e Infarmed.
Segundo Paulo Sousa Martins, o problema poderia já estar resolvido. O medicamento foi aprovado nos Estados Unidos pela Food and Drug Administration em 2019 e pela Agência Europeia do Medicamento em 2020. “Foi aprovado de forma mais urgente do que o normal porque foi comprovada a sua eficácia no combate à doença”, frisa.
Na Europa, assim que a aprovação da EMA foi dada, países como Inglaterra e Alemanha disponibilizaram o medicamento de forma imediata. Em Portugal, contudo, o Infarmed terá decidido fazer nova avaliação, num processo que arrancou em julho.
Este processo normal de aprovação demora, em Portugal, “cerca de dois anos e meio”, explica. E o caso da fibrose quística no nosso País é exemplo de demoras impensáveis. É que os medicamentos da geração anterior ao Kaftrio, um deles de 2016, só em fevereiro deste ano é que foi aprovado.
“Só ao fim de cinco anos é que foram aprovados. O que queremos denunciar é o demorado processo burocrático. No caso do Kaftrio, não há razão para fazer uma reavaliação a partir do momento que já foi aprovado pela EMA.”
A ANFQ estima que, em Portugal, existam perto de 400 pacientes com fibrose quística, uma doença que afeta sobretudo as vias respiratórias, mas também o pâncreas, pulmões, fígado e intestino. Os doentes são, quase sempre, jovens.
“Inevitavelmente, a doença genética começa a acentuar-se na adolescência. Temos um conjunto de pacientes que aos 20 anos só tem como solução o transplante pulmonar. Daí a urgência que tomem este medicamento o mais cedo possível, para que aos 20 não precisem de um transplante para sobreviver”, nota.
Foi essa urgência que levou à criação da petição pelo acesso imediato ao Kaftrio para pacientes com fibrose quística. Assinada por uma paciente e os líderes das duas associações de âmbito nacional ligadas à doença, conta já com mais de 50 mil assinaturas.
Entretanto, o caso de Constança Braddell continua a comover o País. Na angariação de fundo no GoFundMe, criada pela própria ao início da noite desta sexta-feira, 6 de março, contam-se já mais de 33 mil euros, rumo ao objetivo dos 200 mil, o valor necessário para um ano de tratamento..
Perante a demora, Paulo Sousa Martins esclarece aquele que é o objetivo mais urgente de todos: “O que nós queremos é que o medicamento seja imediatamente disponibilizado para estes pacientes. Até porque temos outros casos idênticos ao da Constança — e o que nós queremos é que os pacientes não cheguem a este estado em que ou toma o medicamentou ou vai para transplante, ou outra situação pior.”