“Vergonha e medo. Desde o início da adolescência que lido com estas palavras no dia a dia. A vergonha do meu corpo, de ter quilos a mais, de ter barriga, de ter umas maminhas maiores do que a maioria das raparigas. O medo de não ser boa o suficiente, de que não gostem de mim pelo meu aspeto, do que os outros vão pensar ou dizer.” Esta frase está na conta de Instagram de Adriana Silva (@adrianaluissilva), uma jovem portuguesa de 21 anos, mas podia ser de muitas outras mulheres.
Chegou a um ponto em que Adriana tomou uma decisão: “Que se lixe tudo isso! Que se lixe os estereótipos e os comentários maldosos! Que se lixe a vergonha! Está na hora de aceitar o meu corpo como é. Está na hora de gostar de mim.”
No entanto, esta é uma realidade recente para a recém-licenciada em Turismo e Lazer. Quase metade da sua vida foi passada a esconder-se, a tentar passar despercebida. Mas nem sempre foi assim.
Em conversa com a NiT, Adriana conta-nos que em criança era magra. Ao longo dos anos, ganhou curvas. “Um pouco de peito a mais, mais barriguinha. Via, por exemplo, que o meu peito crescia e até já tinha de usar soutien e isso não acontecia com as minhas colegas. A partir daí, lidei mal com o meu corpo”, conta.
Foi nessa fase, com 12 ou 13 anos, não se recorda ao certo, que começaram as críticas e os olhares constrangedores. “Gorda” e “baleia” eram alguns dos nomes que mais ouvia. As ofensas verbais eram constantes, mas houve um dia em que o bullying tornou-se físico.
“Estava no balneário da escola e duas miúdas começaram a implicar comigo por causa do meu corpo, diziam que não gostavam de mim. Então, empurraram-me contra um cacifo e bati com a cabeça naqueles ganchos onde se pendura a roupa. Foi o episódio mais assustador, na altura não contei a ninguém”, recorda à NiT.
“Aceito o que tenho porque é o meu corpo, a minha casa, é a única coisa que é efetivamente minha”
Começou a sentir-se insegura, sem confiança e, inclusive, passou a usar muita roupa desportiva, como sweatshirts e calças bem largas. “Olho para as minhas fotografias do 5.º ao 7.º ano e vejo uma miúda que se vestia como uma rapaz para esconder o corpo.”
A sua relação com a comida tem sido emocional, mas nem sempre foi assim. Em sua casa raramente se comem fritos e o prato de sopa faz parte da sua alimentação diária desde que se lembra. Ainda assim, aos 14 anos, por sua vontade, começou a ser seguida nutricionalmente. Sentiu que tinha chegado a um ponto em que já não gostava do seu corpo, do que via ao espelho.
A mudança de escola e a preocupação com a saúde mental
Adriana, que vive em Póvoa de Baixo, uma aldeia em Mafra, fez o ensino secundário em Lisboa, mais concretamente na Escola Profissional de Imagem, onde seguiu o curso de Design Gráfico. A mudança trouxe-lhe alguma paz. Decidiu afastar-se de toda a gente e tentar esquecer o que tinha passado até ali.
“As ofensas guardava para mim. Colocava-as numa gaveta e ficavam ali fechados. Tentei deixar o assunto arrumado, embora nunca o consigas fazer totalmente”, diz à NiT.
Na nova escola, que considera mais “eclética”, não sofreu bullying, mas a relação com o seu corpo já estava ferida. Começou a fazer exercício físico todos os dias, desde ginásio a dança, e continuou a ser acompanhada pela nutricionista.

“Não estava obcecada, até porque gostava de ir ao ginásio, mas queria perder peso, estar tonificada. Ser como as outras raparigas que via. Sentia-me mal por ter o peito grande, por nunca conseguir encontrar um soutien ou camisola que me servisse. Era tentar adaptar-me. Como não conseguia, tentava mudar.”
O pensamento de que precisa perder peso para estar bem mentalmente mudou apenas há cerca de um ano. Adriana Silva percebeu que é precisamente o oposto: primeiro, tem de cuidar da sua saúde mental e o resto vem depois.
“Hoje sei que não é o meu peso que define se estou bem ou não, quer a nível físico ou mental. Preciso de ficar bem mentalmente para depois conseguir emagrecer”, continua. A mudança deu-se quando a jovem de 21 anos começou a seguir pessoas nas redes sociais que partilhavam testemunhos com os quais se identificava. E mais importante: passavam a mensagem de que devemos aceitar quem somos.
“Aí, comecei aí a perceber que tinha de ir com calma, que isto não é uma corrida. Passamos de eu não gosto a eu aceito aquilo que tenho. Se quero mudar ou não, isso é outra conversa. Aceito o que tenho porque é o meu corpo, a minha casa, é a única coisa que é efetivamente minha. Bora lá cuidar dele. Posso querer mudar mas, se não conseguir, está tudo bem.”
Adriana percebeu, naquele momento, que existia uma clara diferença entre aceitação e acomodação. “O facto de aceitar o meu corpo como ele é, de passar a gostar mais das minhas estrias, da minha barriguita, das minhas mamocas, do meu corpo e de mim mesma, nada tem a ver com o facto de estar ou não a fazer alguma coisa para perder peso (…) Quando eu aceito o meu corpo, eu passo a gostar mais de mim e isso permite-me ser mais feliz e querer lutar por uma versão melhor de mim mesma”, escreveu numa publicação no Instagram a 12 de outubro de 2019.
À NiT, recorda que ter consciência disto foi essencial para a sua saúde. Na mesma altura, deixou de seguir algumas pessoas nas redes sociais que passavam uma mensagem contrária, algo que, garante, a fez com que se sentisse muito melhor.
Confessa que nunca teve nenhuma depressão diagnosticada, mas que também não deixava transparecer para ninguém o que passava. “Provavelmente, tive momentos em que me fui muito abaixo, não sei se posso dizer que era uma depressão. Houve momentos em que só me apetecia desistir de tudo.”

O que nunca esperou aconteceu: fez trabalhos como modelo e desfilou em lingerie
A Dama de Copas, uma loja especializada em bra fitting e consultoria de lingerie, passou a ser o seu local de eleição para comprar soutiens. “Comecei a ser cliente da marca em abril de 2019. A minha mãe levou-me à loja e, finalmente, tinha encontrado um sítio onde me sentia bem a comprar lingerie”, conta.
Adriana estava longe de imaginar como esta marca seria importante no seu percurso. Enquanto fazia scroll nas redes sociais, deparou-se com uma publicação que anunciava um casting para participar num desfile organizado pela Dama de Copas. Como estava numa fase de mudança e aceitação do seu corpo, decidiu inscrever-se. No entanto, se lhe dissessem isto há dois ou três anos, não acreditava. “Modelo, eu? Nunca na vida. Eu não gosto do meu corpo, como é que o vou mostrar?”
Falou com a família, que a apoiou na ideia, e inscreveu-se. Depois de um casting e uma sessão de fitiing, recebeu a tão aguardada chamada com a notícia de que tinha sido selecionada. Foi mais um ponto de viragem.
“Eu estava confiante, embora houvesse muita gente a concorrer. Mas se não acontecesse, também estava tudo bem. A inscrição já era uma enorme prova de superação para mim.”
Como nunca tinha feito nada do género, não criou muitas expectativas. O dia correu lindamente e recorda-o como um dos melhores da sua vida: “Estava bem, sentia-me feliz, realizada e confiante. Estava a fazer algo que antes era impensável, uma prova de que estava a avançar no processo de aceitação. Antes, tirar uma foto era um horror, quanto mais desfilar em lingerie.”

Naquele dia, lembra, olhava ao espelho e gostava daquilo que via. “Ainda hoje olho para as fotografias e penso: ‘Porra, que mulherão. Se és capaz disto, és capaz de muito mais.”
O desfile aconteceu no dia 5 de outubro de 2019 e os sentimentos que viveu naquelas horas foram transportados para o resto dos seus dias. Ou seja, “olhar e gostar”. Nem todos os dias são bons mas, como diz, “é um processo constante”.
Adriana gostou tanto de ser modelo por um dia, que aceitou outros trabalhos para a mesma marca. No início deste ano, fotografou para a campanha de roupa desportiva. No início de novembro, passou pelo programa “Alô Portugal”, transmitido na SIC, a servir de modelo para a mesma coleção. “Mostrar o meu corpo na televisão foi mais uma prova de superação. São momentos que têm vindo a aumentar a minha auto-estima e confiança”, diz à NiT.
“Se aos 13 ou 14 anos tivesse pessoas que falassem disto, de certeza que não tinha ido tão abaixo. Mas nunca é tarde para mudar”, continua, acrescentando que agora faz questão de partilhar a sua experiência nas redes sociais para poder ajudar outras pessoas.
Sobre ser modelo plus size, um termo bastante usado um pouco por todo o mundo, é da opinião de que ele não devia existir. “Podemos ter mais corpo do que aquilo que é considerado normal, mais curvas. Mas não somos todos corpos reais? Não temos todos um corpo? Porque é que o vamos definir? Sou modelo e pronto. Sou mulher e pronto. Não devia haver necessidade de evidenciar algo que é tão evidente. Não devemos ter um rótulo associado.”
