“Durante a pandemia foram abandonados 1.267 idosos nos hospitais.” Este número assustador é recordado por Jorge Rosado, presidente da associação Palhaços d’Opital, que tem uma missão difícil: proporcionar momentos de alegria aos internamentos dos maiores de 60 anos (e não só) com concertos, palhaçadas e peças de teatro. Por vezes, os artistas trocam apenas dois dedos de conversa com quem já não tem visitas há meses.
“O senhor António não recebe visitas desde junho, está numa fase complexa, tem períodos de confusão e facilmente perde a noção do tempo. E está sempre muito triste.” Foi assim que a equipa de enfermagem descreveu o idoso à equipa dos Palhaços d’Opital. Assim que começaram a cantar, viram outra realidade. “O senhor António parecia outro. Cantou e encantou”, disse à NiT Jorge Rosado e os colegas de quarto apressaram-se a dizer que era o “poder da música”.
Este é, na verdade, o poder dos Palhaços d’Opital, uma associação sem fins lucrativos a cargo de uma equipa de “especialistas em palermologia”. “Na hora de cuidar de pessoas internadas, há um lado médico imprescindível. Mas há também um lado humano que não deve ser descurado”, explica o co-fundador e diretor artístico. De nariz de palhaço, munidos com canções, truques e espalhafato, levam sorrisos a quem está a passar por um momento mais difícil.
Um projeto pioneiro
“Já tinha esta paixão de há muito. Comecei por trabalhar como voluntário há coisa de doze anos”, recorda. Mais tarde deu uma TEDx em Coimbra sobre a visão do mundo de um doutor palhaço. “Na altura impulsionaram-me a começar um projeto meu.”
Jorge era professor, mas repensou toda a sua vida para criar um projeto em que pudesse fazer “quem mais precisa” feliz. Começou por apresentar os Palhaços d’Opital a várias unidades de saúde, que se mostraram surpreendidos.
“Como vivemos perto de Coimbra, começámos por hospitais mais próximos. O Hospital Pediátrico de Coimbra já tinha o Nariz Vermelho, fomos a Aveiro, e começámos a refletir no porquê de começarmos um projeto para miúdos quando isso já existia.”
Depois de algumas reuniões e conversas, perceberam que o foco teriam de ser os mais velhos. “Normalmente ninguém pensa nos adultos internados e o quão sós se podem sentir. Isso foi decisivo quando definimos o que queríamos fazer”, diz. Começaram como voluntários e tornaram-se pioneiros na Europa, ao fundar de raiz, em fevereiro de 2013, um projeto pensado para a população sénior.
“Começámos a ter solicitações para trabalhar com públicos ainda mais específicos: pessoas com Alzheimer ou outras demências, doentes oncológicos, cuidados paliativos. E a cada desafio novo acabávamos por nos apaixonar mais um bocadinho pelo impacto que sentíamos do outro lado. As próprias equipas dos hospitais partilhavam connosco histórias, de pessoas perguntarem por nós, que ao segundo internamento perguntavam: ‘E desta vez, também temos palhaços?’.” E a coisa foi crescendo.
O projeto tornou-se no trabalho a tempo inteiro de Jorge e dos outros quatro elementos que integram a equipa. “Para termos qualidade, era preciso trabalhar com profissionais pagos”. Os artistas têm de já ter de origem algum tipo de experiência de teatro, música ou como palhaço.
Todos os anos fazem cerca de 250 horas de formação, com trabalhos de ensaios, treino de canto e música. As principais qualificações, no entanto, são bastante simples e humanas: “têm de gostar de trabalhar em equipa, de querer aprender e crescer enquanto profissionais, de ter alguma sensibilidade e uma grande dose de respeito pelo outro”. “São seres humanos a trabalhar para seres humanos, acreditamos num tratamento igual para todos, não aceitamos nenhum comportamento de discriminação”, reforça.
A ideia não é um simples princípio ético. É também bastante prático: as atuações são para pacientes das mais diversas origens e com os mais diversos problemas de saúde. “Há pessoas muito fragilizadas, só podemos dar o nosso melhor e só podemos contribuir para ficarem melhor”. É isso que procuram fazer a cada visita a um novo hospital.
Durante a pandemia nunca pararam. “Continuámos as visitas no IPO de Coimbra e depois voltámos aos restantes hospitais. Foi surreal porque havia pessoas que não viam a família há meses porque estavam confinados às paredes dos hospitais. Levámos um bocadinho de alegria e tentamos, com peças de teatro e concertos, sensibilizar para as temáticas da atualidade, como as questões de género”, dá como exemplo.
Os palhaços também precisam de ajuda
Neste momento desdobram-se em seis visitas semanais e regulares a oito hospitais. “É a loucura. Temos o Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ), Unidade Local de Saúde de Matosinhos (ULSM), IPO de Coimbra (IPOC), Centro Hospitalar Tondela Viseu (CHTV – Viseu e Tondela), que está neste momento em pausa, Hospital Distrital da Figueira da Foz (HDFF) e Centro Hospitalar Baixo Vouga (CHBV – Aveiro e Águeda)”, revela.
Parte do financiamento para os risos que administram chega por meio de fundos europeus. Contam também com o apoio de empresas parceiras, além de campanhas de angariações de fundos e sócios. Esta quinta-feira, 21 de setembro, lançaram um PPL para conseguirem angariar os fundos que permitam o funcionamento da associação até dezembro.
“Chama-se 22.919 Sorrisos para a Vida, que designa o número de histórias que saíram no último ano sobre idosos abandonados”, explica à NiT Jorge Rosado. E continua: “Este crowdfunding tem o objetivo de nos ajudar a continuar com o projeto que leva alguma alegria aos doentes. Fazemos seis visitas semanais e os apoios governamentais estão em pausa este ano e fica difícil.”
Os Palhaços d’Opital estão sempre disponíveis para dar uma ajuda e até para atrapalhar, claro. Pode acompanhar esta invulgar “equipa médica” nas redes sociais ou através do YouTube e descobrir mais sobre o projeto no site oficial.