Saúde

Os serviços de urgência estão caóticos e há razões para isso. A tripledemia é uma delas

Doentes esperam mais de 12 horas para serem vistos por um médico. Neste momento está a acontecer uma espécie de tempestade perfeita.
No Hospital Santa Maria o tempo de espera atingiu as 12 horas.

O caos está instalado nos serviços de urgência dos hospitais portugueses. O acumular de utentes obriga a uma espera de várias horas, muitas vezes, em salas de espera improvisadas ou semmcondições. Em alguns casos, os doentes estão a ser desviados para instituições mais próximas e existem unidades a encerrar deixando os pacientes sem atendimento.

“Aquilo que se passa é que estamos no inverno e grande parte dos profissionais de saúde abandonaram o SNS após a pandemia”, começa por explicar à NiT a enfermeira Carmen Garcia. Durante a estação mais fria do ano surgem sempre vários vírus respiratórios  e este ano não é exceção, como lembra a especialista em Medicina Interna e em Medicina Intensiva Ana Isabel Pedroso. “No fundo, o que se passa é que estamos a assistir a uma procura acentuada por atendimento médico profissional devido aos sintomas da chamada tripledemia . Ou seja, a circulação de três vírus respiratórios que são muito comuns nesta altura do ano”.

A gripe, o vírus sincicial respiratório (VSR) e mesmo a Covid-19 não são novidades, porém, têm motivado uma afluência às urgências pouco habitual — e ainda não foi atingido o pico de ocorrência destas patologias. A enfermeira Carmen Garcia atribui este aumento à diminuição da imunidade dos portugueses. Uma consequência dos confinamentos e dos longos períodos que passámos fechados em casa, bem do uso continuado de máscaras cirúrgicas.

Outra das razões apontadas pela médica Ana Isabel Pedroso é a falta de literacia em saúde dos portugueses que deveria ter sido adquirida durante a pandemia. “Muitos utentes acabam por recorrer à urgência e na triagem de Manchester — o protocolo utilizado nos hospitais nacionais para classificar a gravidade da condição do doente — acabam por ser considerados pacientes pouco ou nada urgentes”, refere a especialista. E continua: “É também uma consequência da lotação dos cuidados de saúde primários. Quando estes não conseguem dar resposta, os pacientes dirigem-se ao hospital mais próximo.

A par de tudo isto soma-se a falta de profissionais de saúde. “O final da pandemia e o não reconhecimento do esforço feito pelos profissionais, aliado à proibição de tirar férias, levou muitos especialistas a saírem e gerou-se um grande fluxo de profissionais que saem do setor público para o privado”, explica a enfermeira. Numa tentativa de serem atendidos, muitos pacientes acabam por recorrer às urgências dos hospitais privados. Isto acaba por pressionar estes serviços que, segundo Carmen Garcia, não estão preparados para tanta procura.

Tutela desvaloriza

Apesar da pressão sentida nos serviços, Manuel Pizarro, ministro da Saúde, negou categoricamente que o País esteja a enfrentar um cenário de caos nas urgências nacionais. Todos os doentes estão a ser atendidos, assegura, embora não com a “prontidão desejada”, afirmou perante os jornalistas na manhã de segunda-feira, 5 de dezembro, quando se deslocou para tomar a dose de reforço  da vacina contra a Covid-19.

“Não há cenário de caos, há um cenário de dificuldades, mas as pessoas estão todas a ser atendidas”, afirmou o ministro da Saúde, que apelou à compreensão dos utentes e dos seus familiares. “Porque estamos a ser capazes de dar resposta a todas as pessoas e os serviços estão a funcionar em pleno.”

Palavras que as profissionais de saúde não deixaram passar em branco: “A situação não é nova, o que não significa que tenha de ser desvalorizada, porque as pessoas precisam de ser atendidas com qualidade e o mais rápido possível”, realça Carmen Garcia. E acrescenta: “Ninguém pode dizer que a situação não é caótica ou grave. Não é nova, mas precisa de ser resolvida e não desvalorizada.”

Como resolver o problema

Uma das medidas apresentadas pelo Governo foi a definição de um plano de contingência, que para a enfermeira Carmen Garcia está muito bem delineado. “Porém, a sua concretização depende muito dos cuidados de saúde primários que, neste momento, estão sobrecarregados.”

Já para Ana Isabel Pedroso a solução passa por contratar mais profissionais para reforçarem o Serviço Nacional de Saúde. E, no caso das administrações hospitalares, defende que estas precisam de pressionar o Ministério da Saúde para que promova uma melhor articulação com os cuidados básicos de saúde,”

Porém, a especialista em medicina interna defende que tem de haver uma reestruturação profunda do Serviço Nacional de Saúde (SNS). “O SNS está a colapsar porque muitos profissionais abandonaram o setor público após a pandemia por falta de condições de trabalho adequadas”.

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