Saúde

A recusa da vacina contra a Covid-19 poderá estar ligada a traumas de infância?

Um novo estudo diz que eventos traumáticos podem levar à rejeição da inoculação. A psicóloga clínica Alexandra Antunes explica.

Dois anos após o início da pandemia de Covid-19 e um ano depois de as vacinas de proteção contra o vírus SARS-Cov-2 terem sido disponibilizadas gratuitamente, milhões de pessoas em todo o mundo ainda não foram vacinadas. Grande parte delas, sobretudo de países desenvolvidos, porque recusa ser inoculada. O porquê é a pergunta a que muitos especialistas têm tentado responder nos últimos meses. Para tentar dar resposta a essa questão, foi elaborada uma investigação financiada pela Public Health Wales (instituição de saúde pública do Paíde de Gales) e publicada na revista BMJ Open, que sugere que “a hesitação na toma da vacina contra a Covid-19 pode estar ligada a traumas infantis”.

O estudo que envolveu 2285 pessoas com 18 ou mais anos de idade, no País de Gales, durante as restrições de confinamento entre 2020 e 2021, sugere que “a recusa ou relutância em levar a vacina contra a Covid-19 pode estar ligada a eventos traumáticos nos primeiros anos de vida“, tais como a separação dos pais, negligência, ou abuso físico, verbal e sexual. “Os resultados mostraram que quanto mais traumas as pessoas sofreram na infância, maior era a probabilidade de desconfiarem da informação das autoridades de saúde”.

Podem estar os traumas de infância realmente ligados à relutância em relação às vacinas? À NiT, Alexandra Antunes a psicóloga e membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses explica que “sim, podem estar ligados, no sentido em que uma criança é como um favo de mel que está a ser preenchido, por isso, qualquer evento traumático pode ter consequências no futuro, sobretudo na relação com os outros”.

Porém, a psicóloga afirma que as conclusões do estudo não são definitivas, uma vez que metade da pessoas observadas não sofreram experiências traumáticas na infância e ainda assim, recusaram-se a levar a vacina. Ou seja, “no sentido de causa-efeito não é conclusivo”, ainda assim, a psicóloga diz-nos que “as ilações fazem sentido, uma vez que se na infância vivemos ou presenciamos eventos traumáticos, que têm influência na forma como nos relacionamos com as pessoas e na falta de confiança no outro”. 

Em relação aos traumas mais frequentes que podem estar na origem desta desconfiança, a psicóloga afirma que são sobretudo “os menores que sofrem de abandono, violência doméstica, maus tratos e abusos, quer na escola, quer no seio familiar”. Se tiverem vivido algum, ou mais, destes eventos na infância, é mais provável que “desenvolvam mecanismos de defesa, que mais tarde se vão demonstrar rudimentares não só relação na com outras pessoas, como para enfrentar os problemas e obstáculos que enfrentam”.

A psicóloga acrescenta ainda que “os adultos que viveram experiências traumáticas e que não foram acompanhados por um profissional no sentido de melhorar estes mecanismos de resposta, por norma, isolam-se, são mais agressivos e revelam falta de empatia e compaixão”. Comportamentos que, segundo a especialista “ajudam então a explicar a maior dificuldade de se relacionarem e de sentirem empatia pelo outros, o que também pode explicar a recusa à vacina.” Alexandra Antunes alerta ainda para “a grande necessidade de estar atento ao sofrimento psicológico e aos eventos traumáticos que acontecem na infância, para que se possa disponibilizar serviços de apoio e ação para evitar problemas mais graves no futuro”. Mas para isso é importante disponibilizar o acesso a cuidados de saúde mental”, ressalva e acrescenta que “como crianças não têm tanta capacidade de compreender as situações como um adulto, é realmente fundamental estar atento”. 

O estudo refere ainda que “aqueles que sofrem na infância são menos suscetíveis de confiar na informação oficial das autoridades de saúde, seguir as regras relativas às restrições ou usar máscaras durante a pandemia”. A psicóloga explica que estes comportamentos podem “estar relacionados também com a falta de empatia pelo outro”.

 

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