Foi criado no Bairro da Ajuda, em Lisboa, e a música e os livros eram os seus maiores amores. Contudo, os problemas familiares do fadista Ricardo Ribeiro fizeram com que tivesse uma infância conturbada. O seu sistema nervoso descontrolou-se e isso fez com que começasse a engordar a partir dos oito anos. Aos 12, tentou mesmo suicidar-se. Ricardo conta à NiT que sempre foi habituado “a ter de lutar para viver e sobreviver”.
Se só agora começou a acompanhar o fadista de 37 anos nas suas páginas oficiais de Facebook e Instagram, é bem provável que não o reconheça. Ricardo tinha 140 quilos e perdeu 50 — a maioria deles nos últimos dois anos. Na entrevista à NiT, o fadista revela que não o fez porque se sentia mal com a sua imagem. Mudou de vida porque o excesso de peso estava a afetar a sua carreira.
Agora, com 90 quilos, diz que se sente melhor do que nunca. Descobriu que adora desportos de combate, treina seis dias por semana e come de forma mais saudável.
O desporto fazia parte da sua vida?
Sempre fui mau desportista. Aliás, sempre fui uma criança um bocado diferente, muito ligada à leitura e isolada. Apesar de ser de signo leão que, supostamente, são pessoas que dão nas vistas e são muito ativas, devo ser um leão mais manso. Agora já me adapto melhor às situações. Mas sempre fui uma criança e adolescente muito introvertido, quase até chegar a adulto. Criava o meu próprio mundo. Não era como os meus amigos, que passavam horas a jogar à bola. Eu jogava meia hora e queria ir para casa ouvir música e ler. E depois daquela tentativa de suicídio, comecei a questionar tudo: porque é que aconteceu aquilo com os meus pais? Porque é que gosto música?
O problema também estava relacionado com falta de confiança?
Diria que tinha ausência de autoestima, talvez fruto da vida que tive e dos problemas pelos quais passei. Mas, por outro lado, tinha alguma confiança. A minha mãe e a minha tia Suzete davam-me confiança. A minha vida era dura e foi até há uns dez anos. Sempre fui habituado a ter de lutar para viver e sobreviver. Depois da separação dos meus pais foi uma bola de neve que se tornou muito grande. Mas se pudesse voltar a nascer e escolher os meus pais, eu escolhia os mesmos, embora tenha tido uma família, infelizmente, disfuncional, que trouxe danos a mim e aos meus irmãos.
Quando é que começou a ganhar peso?
Como era muito introvertido, nunca dei muita importância a mim próprio. Até fazia graças com isso: “No mundo não pode haver gordos?”, perguntava eu. Aquilo que queria era trabalhar na área da música.
Tem uma fotografia no seu Instagram com o antes e depois que mostra que chegou mesmo a uma caso grave de obesidade.
Sim, aquela fotografia foi tirada em 2009 ou 2010. Acho que a minha filha Carolina tinha cinco anos na altura. Na fotografia do “antes” tinha 140 quilos. Passava muitas horas em casa a ler, tocar e escrever. No fundo, no meu mundo e a fazer uma vida extremamente sedentária. Comia a más horas e muito mal. Se fosse preciso comia bifes com batatas fritas às duas da manhã. Passava horas sem comer e depois comia este mundo e outro. Foi isso que trouxe a obesidade mórbida.
O antes e o depois.
Foi nessa altura que sentiu que tinha de mudar?
Não. Foi passado uns quatro anos, quando comecei a sentir muitas dores nas costas. No final dos concertos gostava sempre de conversar com músicos e não conseguia. Tinha dores nas pernas, nos músculos, em todo o lado. No fundo, enquanto me senti bem não achei que houvesse necessidade de mudar. Quando isso começou a prejudicar o meu trabalho, soube que tinha de fazer alguma coisa. E foi quando li uma frase do Professor Agostinho da Silva — “Posso mudar se me penso mudado” — que tudo começou. Antes disso, também tive alguns problemas do foro psicológico e percebi que tinha de mudar a minha vida de uma vez por todas.
Qual foi o primeiro passo?
Comecei a ir ao ginásio em 2014. Nessa altura, tinha 140 quilos e perdi cerca de cinco. Entretanto, o ginásio fechou e nunca mais treinei. Em 2015, um dos meus colegas, o Carlos Manuel Proença, que é violista, disse-me que havia um bom ginásio na Expo, o I AM FIT, e decidi ir lá experimentar. Ele disse-me também que havia lá um PT fantástico, o Licínio Reis. Foi com ele que perdi mais 12 quilos. Ou seja, já estava nos 123 quilos.
Foi aí que aconteceu a grande mudança?
Essa fase foi muito importante, mas não foi aí que perdi grande parte do peso. Uma fadista com quem trabalhei, a Sara Reis, tinha um filho que agora é o meu treinador. É o Vítor Matos, mais conhecido como TITA. Lembro-me que alguém disse que ele tinha um ginásio nos Olivais, em Lisboa, e em janeiro de 2016 fui para lá praticar desportos de combate. A partir daí, perdi o resto do peso, até chegar aos atuais 90 quilos. Devo-lhe muito a ele e ao Mike Tyson, a quem chamam Tayssinho. Portanto, perdi praticamente 50 quilos, até agora.
Os desportos de combate mudaram tudo?
Os desportos de combate envolvem violência, mas não somos de todo movidos pelo ódio. O meu treinador tinha uma frase muito engraçada que mostra isso: “Este desporto é dançar, segurar (a pancada) e, de vez em quando, bater.” Como sou ligado à música e ao fascínio de descobrir, aprender a técnica para conseguir o melhor soco era algo do qual gostava e que queria aperfeiçoar. Descobria algo a cada treino. Treino todos os dias, às vezes até ao sábado. Mas o domingo é Dia Santo.
A alimentação também sofreu alterações?
Não deixei de comer — é muito importante reforçar isso. Mas também não fui acompanhado por um nutricionista. Com todo o respeito por eles, não queria, tinha medo que me tirassem comida. E a verdade é que me dei melhor com o meu sistema: não deixar de comer batatas, nem massa, por exemplo. Reduzi apenas quantidades e comecei a gastar mais calorias do que aquelas que ingeria. Sabia que tinha de ter cores no prato e foi isso que fiz.
E leva a alimentação saudável aos limites?
Não, não me privo de todo. Ainda ontem comi batatas fritas, até porque fiz quatro treinos estilo militar ao sol e o meu corpo pedia isso. Mas também não faço loucuras todos os dias. See tiver de comer panados, eu como.
Sempre teve problemas relacionados com o sistema nervoso. Esse aspeto também melhorou?
Sim, o treino ajudou-me muito no que diz respeito a respiração e isso refletiu-se muito a nível mental. O treino permite libertar uma série de coisas e o meu sistema nervoso melhorou muito. Aliás, equilibrou muito.
Continua a manter o estilo de vida saudável?
Vou manter este estilo de vida até sempre. Nem consigo imaginar de outra forma. Quando vou de viagem e não posso treinar, até entro em parafuso. Mas tenho pesos para treinar e faço agachamentos e flexões. O importante é não parar.
O fadista tem 37 anos.
Como foi voltar a vestir tamanhos de roupa mais baixos?
Antigamente, vestia o 66 de casaco e o 44 de calças. Confesso que era difícil encontrar roupa. Só encontrava em duas ou três lojas. Hoje em dia, visto-me em qualquer loja. Em modelos de camisa, até já visto o L.
A autoestima aumentou?
Ter começado a treinar e ter emagrecido não me trouxe uma autoestima no sentido de ficar vaidoso. Antes, passava na rua e as mulheres não olhavam para mim. Hoje em dia, olham não só uma vez mas duas ou três, e isso é ótimo. Mas não foi essa autoestima que me moveu, foi o espírito de sacrifício. Conseguir subir dois lances de escadas sem me cansar ou mudar um pneu sem ajuda, isso sim foi importante. Agora ser bonito, desculpe o termo, mas estou a borrifar-me para isso.
As pessoas reconhecem-no?
Todos os dias, há sempre alguém que não me reconhece — até pessoas minhas amigas. Eu é que lhes falo e elas dizem: “Tu estás tão diferente”. Por isso é que tenho enchido as minhas redes sociais de fotografias. Devem pensar que sou um vaidoso, mas não. É apenas para as pessoas se habituarem a esta nova imagem. Ficaram foi algumas peles e agora tenho de cortá-las. Este é um dos próximos passos.