Tinha apenas 14 anos quando começou a questionar a sua imagem. “Na altura, como tinha o corpo mais desenvolvido do que as minhas amigas, eu achava que era muito mais gorda do que elas. Portanto, a visão que eu tinha do meu corpo não era excelente”, conta à NiT Rita Serrano. A influenciadora, que soma mais de 125 mil subscritores no YouTube, é uma das figuras portuguesas que têm vindo a falar de ter um corpo com curvas, mas nem sempre soube lidar com ele.
Embora aquele fosse o pensamento de uma adolescente, a agora criadora de conteúdos digitais, que é licenciada em Engenharia Informática, tem noção de que, olhando para trás, a diferença entre ela e as amigas era apenas uma: tinha mais curvas.
Nunca sentiu qualquer tipo de bullying, mas tem perfeita noção de que se sentia diferente não só das pessoas à sua volta como daquelas que via na televisão e nas revistas. “Não eram do meu tamanho. Não eram como eu era. Portanto, de alguma forma, achava que que era eu que estava mal porque era maior. Achava que era mais gorda.”
Teve o primeiro personal trainer com 14 anos, depois outro com 16. Quando entrou na faculdade, com 18 anos, deixou de ir ao ginásio e só voltou com 22. O objetivo era sempre o mesmo: perder peso.
“O meu pensamento era: ‘Como é que eu posso perder peso? Como é que eu posso ficar mais magra?’ Sempre foi isto e não “vou ser saudável, é uma coisa que eu gosto de fazer”. Porque eu não gostava de ir ao ginásio, sempre odiei”, revela à NiT a agora influencer de 30 anos, que é seguida por mais de 100 mil pessoas no Instagram.
Crescer a fazer dietas e a relação difícil com a comida
A criadora de conteúdos digitais cresceu a fazer dietas e isso é algo que reflete a sua relação com a comida.
“Na minha adolescência descobria sempre dietas, a do arroz, da salada, a dieta do ovo, a dieta do sabe-se lá mais quem. Fiz todas as dietas e eram todas um grande falhanço. Numa semana portava-me super bem, mas acaba e voltava exatamente ao normal. Porque o meu corpo tem uma estrutura que tanto me permite ganhar peso facilmente, como perder peso facilmente. É muito fácil perder peso se entrar numa dieta, mas também é super fácil recuperá-lo se não estiver de regime ou ser uma pessoa mais equilibrada”, explica.
Houve uma dieta, especificamente, que fez duas vezes e das duas vezes perdeu 13 quilos. Tinha 22 anos, altura em que começou um projeto conhecido do público: a Hair Dreams — um negócio de hair styling que lançou quando estava na faculdade.
“Era um projeto à volta daquilo a que hoje chamamos influenciadoras. Eram as it girls e eu era a hair stylist. Basicamente, era um projeto para divulgar os meus penteados. E, de repente, dei comigo rodeada de miúdas muito bem feitinhas, eram todas magras, dentro daquilo que eu via nas revistas. Comecei a sentir-me um bocado inadequada”, desabafa. E continua: “Sempre tive amigas, não era por aí. Mas, naquela situação, como estávamos a ter um projeto mais visível aos olhos do público, eu própria sentia-me inadequada para estar perto de tantas miúdas que eram magras e todas perfeitinhas à minha vista. Foi nessa altura que decidi fazer essa dieta.”
No dia do primeiro desfile já Rita tinha perdido tanto peso que estava a vestir um tamanho S. “Hoje em dia nem sei como cabia naquilo”, brinca. Recebeu muitos elogios pela perda de peso durante o processo mas, quando começou a chegar perto do limite dos 58 quilos, as pessoas à sua volta diziam que estava a ficar demasiado magra.
“As pessoas começaram a perguntar se eu estava bem porque estava a ficar magra demais e a perder as minhas feições. A ficar diferente, a perder as curvas e estava a perder o que era meu. Quando cheguei ao final da dieta e estavam a comentar isso, achei que ainda não tinha perdido o suficiente para estar onde queria estar. Mas lá parei eventualmente”, conta.
Foi também nessa altura que Rita Serrano teve uma pneumonia. “Estava com as defesas todas em baixo. Quando estava no hospital, a enfermeira queria dar-me uma torrada e eu dizia-lhe que não. Lembro-me da minha mãe olhar para mim em choque a dizer: ‘Rita, tu vais comer essa torrada. E eu não queria por causa do peso’.”
A sua relação com a comida nunca foi fácil, mas agora tem consciência de que está tudo relacionado com o seu psicológico.
“Quando me sinto mais em baixo — obviamente isto depende das alturas da minha vida — posso vingar-me na comida. Se estiver feliz, também quero comer. É uma relação que é mais psicológica do que outra coisa. Nunca me foi diagnosticado nenhum distúrbio alimentar, mas tenho a perfeita noção hoje em dia, com 30 anos, que posso ter passado por algum nível disso. Mas que a minha relação com a comida não é saudável, não é — e é algo que eu tenho estado a tentar mudar.”
O objetivo de perder peso para o casamento
Em 2017, Rita tinha o casamento marcado e era uma das alturas em que tinha mais peso, cerca de 76 quilos — o peso que considera ideal é 68 quilos.
“Na minha cabeça o que eu dizia, basicamente, é que não queria casar gorda. Não é uma frase bonita para se dizer, mas a verdade é que eu não queria casar daquela forma e tentei inicialmente fazer por mim, mas percebi que não estava a dar e que tinha quatro meses para me meter em forma. Portanto, recorri à mesma dieta que já tinha feito duas vezes antes”, confessou.
E assim foi. Perdeu 12 quilos. Estava satisfeita como se via ao espelho, mas sabia que não tinha chegado ao objetivo como da primeira vez que tinha feito aquela dieta. “Queria ter chegado aos 60 e não consegui perder quatro”, conta.
“Tinha falado com as senhoras da marca do vestido e disse que o meu plano era perder 14 ou 15 quilos — já nem me lembro exatamente do que disse. Na altura, elas disseram-me que não era a primeira noiva que dizia isso e que já tinham passado por situações chatas em que encomendavam o tamanho correspondente e chegava ao dia e as noivas não tinham conseguido perder peso. Por isso, elas encomendaram o meu tamanho da altura e a cada prova íamos diminuindo o tamanho até ao dia em que fui buscar o vestido, dois dias antes do casamento.”
No entanto, o foco em perder peso tirou-lhe um elemento comum na preparação do casamento: escolher o catering que ia ser servido no dia. “Não provei a comida. Não consegui porque o dia em que fomos ao catering era para aí o segundo da dieta. Portanto, provei apenas as sopas, enquanto o meu agora marido provou todas as opções. Eu tive de confiar no gosto dele e correu muito bem. Ao final do dia, a comida estava ótima”, diz à NiT.
Como as redes sociais a ajudaram a aceitar o seu corpo
“Uma coisa que sempre soube desde o início, até porque sempre partilhei muito sobre mim e o que estava a sentir — várias experiências minhas, entre elas o meu peso —, é que nunca vou estar 100 por cento bem resolvida. Mas naquela altura estava um pouco menos do que estou agora.”
Ainda assim, sempre falou disso porque sabia que havia pessoas do outro lado a passar pelo mesmo ou até por situações mais complicadas. Sabia que esta seria uma forma de transmitir confiança para o outro lado para conseguir servir também de exemplo.
“A certa altura, não me lembro a que propósito foi, comecei a sentir que havia vários pedidos para começar a fazer mais conteúdos relacionados com moda e com roupa — algo que até ali não tinha feito porque achava que não me enquadrava no que era considerado ideal para aquele tipo de conteúdo. Eu era maior, portanto, não fazia sentido fazer vídeos a falar de moda ou a experimentar roupa. Mas começaram a incentivar-me até que fiz o meu primeiro ‘vestir com curvas’ ou um vlog. Não me lembro exatamente, mas sei que fui experimentar roupa e a resposta foi muito boa da parte das pessoas.”
O feedback dos seguidores, confessa, “foi impecável”, e até elogiaram as suas pernas, o que a surpreendeu, embora seja uma das características que mais gosta no seu corpo.
“Foi um misto entre eu querer sentir e forçar essa confiança e as pessoas responderem bem e aprovarem isso. Por mais que eu queira dizer que sou confiante, não nos podemos esquecer que a aprovação externa também tem um grande poder na nossa auto-estima ao final do dia. Se tivermos 100 pessoas a chamar-nos nomes, vamos sentir-nos mal. Mas se tivermos 100 pessoas a dizer que somos bonitas, por exemplo, isso vai ajudar-nos a termos mais autoestima ao final do dia”, diz Rita Serrano à NiT.
Portanto, além da família e dos amigos, a sua audiência ajudou-a bastante a aceitar o seu corpo. “Expus-me de uma maneira diferente, mas a resposta foi tão positiva que me deu força para continuar a fazê-lo e, eventualmente, chegar onde nós estamos agora.”
A partir daí, Rita criou a rubrica “vestir com curvas” no seu canal de YouTube. “Agora consiste em ir às lojas ou fazer mais compras online. Na altura, era como usar determinadas roupas. Mas andava tudo à volta do mesmo conceito: como é que eu me visto ou como sugiro que se possam vestir se tiverem um corpo semelhante ao meu? Porque há coisas que eu sinto que faz sentido usar de formas específicas que talvez não seja necessário para uma pessoa que usa um S, para esconder determinadas partes do corpo. Quando me sinto inchada, por exemplo, e quero esconder mais o meu estômago, não uso roupas justas. Tenho truques para isso. Há dias em que me sinto super tonificada, como uso a roupa para acentuar as partes do meu corpo que eu quero mostrar? Portanto, vestir com curvas.”
O objetivo era claro: mostrar como se veste sem dar uma conotação negativa. “Porque dar a entender que tinha a ver com o tamanho ou incluir a palavra gorda para chocar não me fazia sentido. Isso só ia levar a um tom negativo. O corpo ter curvas não é uma coisa negativa, sejam maiores ou menores. Não está numa caixa positiva ou negativa. É simplesmente um corpo que costuma ser vestido de uma forma diferente para a pessoa se sentir mais confiante no corpo em que está. É isso o vestir com curvas.”
O mais curioso para a influenciadora é que aquilo que antes a incomodava é aquilo que agora a distingue. “Se me dissessem há uns anos que estaria agora a fazer conteúdos com moda e que era isso que me acabava por me tornar uma criadora de conteúdos um bocadinho diferente, não acreditava.”
O vídeo que mudou tudo
A 23 de julho deste ano publicou um vídeo em que deixou todos os receios de lado. Sabia que queria fazê-lo, que estava na altura de fazer um “vestir com curvas” com biquínis e fatos de banho. Nesse ano, Rita começou a receber estas peças por parte das marcas e isso nunca tinha acontecido. Por isso, tinha orgulho e queria mostrar como ficavam os biquínis e fatos de banho.
“Este ano foi um ano muito importante para a minha evolução interior, relacionada com o meu corpo e a minha imagem no geral. Portanto, quando decidi gravar este vídeo, estava muito nervosa, porque em vídeo não dá para esconder nada. Dá para ver tudo perfeitamente e eu queria mostrar como sou. Fiz questão de não esconder na edição os momentos em que me baixava ou dobrava, de forma a mostrar que tenho um rolinho a mais nas costas, por exemplo.”
No fundo, encarou aquele vídeo como uma oportunidade para novamente mostrar como era e como uma pessoa com o corpo semelhante ao seu também podia usar este tipo de peças. “Por mais que estivesse receosa de publicar aquele vídeo, tinha de ser. Foi como um penso rápido, publiquei aquilo e fui-me embora. Não olho mais naquele momento. O feedback foi mesmo muito, muito bom.”
O que também deixou Rita extremamente nervosa foi publicar a primeira fotografia de biquíni no Instagram. “Senti que tinha de ser e que deste ano [2020] não passava, que tinha de conseguir, sem medos e sem vergonhas”, conta. A influencer portuguesa queria fazê-lo por ela, mas também para servir de inspiração para outras pessoas, uma vez que “não tem problema nenhum em publicar fotografias assim”. “Eu adoro aquelas fotografias e algumas delas são das minhas favoritas que tenho no meu feed no geral”, confessa à NiT.
“Recebi vários comentários e mensagens que diziam que como me viram a assumir isso mesmo e a sentir-me orgulhosa, sexy, bonita e bem resolvida em biquíni e fato de banho, que elas próprias sentiram-se empoderadas para fazer o mesmo — fosse o simples facto de irem à praia ou ir à praia de fato de banho ou biquíni. Sentiram-se mais à vontade para fazê-lo porque eu estava não só a fazer isso, mas a mostrar que o estava a fazer. E se eu conseguia, elas também conseguiam. Era um dos grandes objetivos que eu tinha em publicar essas fotografias.”
Lidar com os comentários desagradáveis
Ao longo dos anos, Rita Serrano recebeu várias mensagens a falar sobre o meu corpo, a criticar, o que quer que seja. Mas houve um comentário em específico, feito durante o mês de agosto, no tal vídeo de “vestir com curvas” em biquínis e fatos de banho, que afetou mais a influenciadora.
“Já era óbvio o que eu estava a querer transmitir. Os comentários depreciativos já eram mesmo muito poucos e chegavam em forma de mensagem privada. Há uma grande diferença entre mandar uma mensagem e comentar em público, depende muito do objetivo que a pessoa tem. Nessa altura, recebi um comentário no meu vídeo do YouTube, o tal em que experimentei os biquínis, que me afetou um pouco mais. Nem foi pela mensagem em si, foi a forma como foi dito.”
O comentário dizia: “Rita, deixou aumentar assim o peso? É tão nova”. “Quando li este comentário parecia que estava a ouvir uma tia ou uma prima. O comentário era de uma pessoa que tinha idade para ser minha mãe. Este tipo de comentário são tão prejudiciais no dia a dia que as pessoas não se apercebem. Dão a entender que é uma maneira carinhosa de preocupação. Mas a única coisa que estão a dizer é ‘estás gorda’ e isso incomoda-me. Sinto que qualquer mulher já ouviu este tom de comentário, mesmo que não seja relacionado com o peso. É tipo passivo agressividade: não te estou a chamar nomes, estou preocupada contigo”, diz à NiT.
E continua: “Quando vamos bem a ver não é preocupação nenhuma, a pessoa sentiu a necessidade de comentar o meu corpo e, como sabe que hoje em dia é visto como algo errado e que é body shaming, em vez de me chamar de gorda, diz dessa forma. A nova versão de body shaming é comentar o peso por causa da saúde. É uma desculpa esfarrapada para chamar gorda.”
Atualmente, é acompanhada por uma nutricionista e uma personal trainer e não tem como objetivo perder peso. “Ainda há pouco tempo lhes dizia que não vou ser um antes e depois super magra e sem percentagem de gordura. Para mim, para a minha saúde mental, não consigo manter a parte do défice calórico, com o objetivo de emagrecer todas as semanas ou de duas em duas semanas. Não consigo viver à volta da comida. Prefiro concentrar-me na minha saúde mental do que na quantidade de comida que posso comer ao almoço”, revela à NiT.
Se pudesse falar com a Rita de 14 anos, a influenciadora teria um conselho simples: “Por mais que na altura não consigas ver o valor que tens porque estás ocupada em pensar no teu corpo ou no peso, o número de calças, o tamanho da T-shirt não define o teu valor. O que interessa é que sejas boa pessoa, saudável a nível mental, que estejas bem com a tua família e os teus amigos. No momento em que tivermos uma relação saudável connosco, conseguimos depois viver bem. Portanto, não te preocupes, Rita, estás ótima. E, curiosamente, as questões com que te debates sobre o teu corpo vão ser aquilo que te diferencia na tua carreira em adulta.”