São hoje bem conhecidas as razões pelas quais devemos reduzir o consumo de sal. Mas essa lista continua a crescer e a ir para lá dos clássicos como a hipertensão ou as doenças cardiovasculares. Em agosto, a prestigiada revista científica “The Lancet” divulgou um relatório sobre o risco de demência, no qual a redução do consumo de sal surge como um dos fatores que pode ajudar a travar este problema.
Liderado por especialistas da University College of London, o estudo analisa 14 fatores de risco modificáveis. Se forem geridos desde a infância, podem prevenir ou atrasar quase metade dos casos de demência, que deverão aumentar um pouco por todo o mundo. Até 2050 prevê-se que o número de pessoas que vivem com demência praticamente triplique, passando de 57 milhões (dados de 2019) para 153 milhões.
Um destes fatores em causa é o consumo excessivo de sal. Para reduzir o risco de demência ao longo da vida, a comissão encarregue da realização deste relatório apresenta 13 recomendações a adotar pelos governos e pelos indivíduos, incluindo a redução do teor de açúcar e sal nos alimentos vendidos em lojas e restaurantes.
Gill Livingston, especialista da UCL Psychiatry e um dos líderes do estudo, refere que esta é uma medida que, em conjunto com as restantes, pode não só diminuir o risco de demência como também atrasar o seu aparecimento. “Mesmo que as pessoas desenvolvam demência, é provável que a enfrentem menos anos. Isto tem enormes implicações na qualidade de vida dos indivíduos, bem como benefícios ao nível da redução de custos para as sociedades.”
Naaheed Mukadam, coautor deste trabalho, considera fundamental dar prioridade a abordagens nas populações para melhorar a prevenção primária (por exemplo, reduzindo a ingestão de sal e açúcar) e ter cuidados de saúde eficazes contra a obesidade e a hipertensão arterial, restringindo ainda mais o tabagismo e a poluição do ar. “Isso permitirá que todas as crianças obtenham uma boa educação e poderá ter um efeito profundo na prevalência e nas desigualdades da demência, além da poupança significativa de custos.”
Excesso de sal compromete função cognitiva
Em Portugal foram também identificados outros problemas causados pelo sal e que acabam por reforçar as recomendações publicadas na “The Lancet”. De acordo com uma equipa da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP/RISE-Health) e a investigação apresentada em maio, o sal em excesso tem um efeito direto no cérebro, causando danos significativos nos vasos sanguíneos.
Os trabalhos de Ana Monteiro, investigadora e neurologista, feitos no âmbito do seu doutoramento na FMUP, não deixam grandes dúvidas: quem ingere mais sal revela uma disfunção nos pequenos vasos cerebrais, o que poderá relacionar-se com problemas cognitivos e aumentar a probabilidade de demência.
As avaliações feitas junto de doentes recrutados na região do norte de Portugal mostram que aqueles que consomem mais sal apresentam uma capacidade inferior de aumentar o fluxo sanguíneo às zonas do cérebro mais ativas durante uma dada tarefa, o que indica maior rigidez das artérias. “O sal em excesso torna menos eficaz a comunicação entre neurónios e vasos sanguíneos no cérebro, durante as fases de maior necessidade de suprimento vascular aos neurónios.”
Impacto no nosso segundo cérebro
O consumo excessivo de sal tem outros impactos, menos estudados, mas igualmente preocupantes naquele que é considerado o segundo cérebro: o intestino, onde existem mais de 500 mil células nervosas. Sobejamente conhecida, a microbiota intestinal é um ecossistema dinâmico que desempenha um papel importante na manutenção da saúde. E muito tem sido investigada a forma como a perturbação destes micróbios se associa a várias doenças.
Um outro estudo recente, publicado em maio na revista científica “Nutrients”, procurou perceber qual a relação entre a ingestão de sódio na dieta e as alterações na microbiota intestinal humana. E concluiu que uma dieta rica em sódio altera a composição da microbiota, reduzindo, de forma significativa, alguns dos micróbios benéficos que vivem nos nossos intestinos, em comparação com uma dieta de ingestão reduzida de sódio.
Outro trabalho de investigação, publicado na revista “Hypertension” em junho de 2020, tinha já descoberto que, quando reduzida a quantidade de sódio consumida, as bactérias intestinais produzem níveis mais elevados de compostos benéficos e capazes de reduzir a inflamação.
Algo que, para vários especialistas, pode ter um impacto importante no aumento da pressão arterial. Isto porque calculam que a dieta rica em sódio perturba os micróbios intestinais que ajudam a regular a pressão arterial, contribuindo, desta forma, para a hipertensão.
Como reduzir o consumo
Diminuir a ingestão de sódio é uma prioridade para quem quer zelar pela sua longevidade. Um corte em 30 por cento até 2025 era a grande meta da Organização Mundial de Saúde (OMS), subscrita por várias nações, incluindo a nossa. Era, porque o mais recente relatório sobre o tema confirma estar fora de questão que o mundo consiga atingir esse objetivo. Dos 194 países que aceitaram o desafio, apenas cinco por cento (nove países) adotaram as medidas que permitem reduzir os níveis de sal, com 73 por cento a apresentarem apenas a implementação de algumas. Como aconteceu com Portugal.
Porém, a OMS não tem dúvidas que é possível reduzir a ingestão de sal. Propõe intervenções capazes de fazê-lo, cuja concretização imediata, segundo a organização, vai traduzir-se em vidas salvas, vidas saudáveis, anos de vida ganhos, doenças prevenidas e custos evitados.
Em termos de medidas, a OMS defende quatro opções prioritárias: reformulação dos produtos alimentares para conterem menos sal e a fixação de níveis-alvo para a quantidade de sal nos alimentos e refeições; apoio às instituições públicas, como hospitais, escolas, locais de trabalho e lares de idosos, para que possam disponibilizar opções com menor teor de sódio; implementação de rotulagem frontal; e reforço da comunicação para a mudança de comportamentos.
Cada um de nós pode contribuir para a meta global da OMS, com benefícios imediatos na nossa saúde, através de passos concretos: preferir alimentos frescos e minimamente processados; escolher produtos com baixo teor de sódio (menos de 120mg por 100g); cozinhar com pouco ou nenhum sal adicionado; utilizar ervas aromáticas e especiarias para dar sabor aos alimentos, em vez de sal; limitar o uso de molhos, temperos e produtos instantâneos; limitar o consumo de alimentos processados; e retirar o saleiro da mesa.