“Onde posso encontrar Snus/bolsas de nicotina em Lisboa?”, “Alguém sabe onde posso comprar Snus no Porto?”, perguntam dois utilizadores no Reddit. A procura por este tipo de substâncias tem aumentado entre os jovens portugueses e a oferta vai respondendo: há mais lojas e tabacarias a vendê-las, apesar de não serem legais em Portugal.
Isto só é possível graças a um “vazio na lei e falta de fiscalização”, garante Daniel Coutinho, coordenador da Comissão de Tabagismo da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP).
O Snus é “um tabaco caramelizado envolvido em celulose” para uso oral (diferente do tabaco de mascar), que se coloca na gengiva. É “tradicional na Suécia”, o único país da União Europeia em que é legal. No restantes, a proibição remonta a 1992.
As bolsas de nicotina caem fora dessa proibição por não terem tabaco, só nicotina e aromas — “são uma imitação”, diz Daniel Coutinho, já que a nicotina é sintetizada quimicamente ou extraída de folhas de tabaco.
Vendem-se em latas redondas, custam cerca de 8€ e trazem entre 18 a 22 saquetas. As cores, os diferentes sabores e o facto de prometerem uma vida sem fumo parecem ser as características que atraem mais consumidores. Mas cada bolsa tem entre três a 12 miligramas de nicotina.
Isso significa que colocar uma bolsa destas na gengiva pode ser equivalente a consumir vários cigarros, já que a absorção pela mucosa oral é muito eficaz (e uma parte pode ser engolida). Um cigarro tem entre oito a 20 miligramas, mas só são absorvidos entre um e dois.

Sobre as bolsas de nicotina “existe um vazio legal”, “a União Europeia não tem legislação específica”, explica o coordenador da Comissão de Tabagismo da SPP. Ou seja, não é legal nem ilegal — e é simples aproveitar esse vazio para a comercializar. Ao procurar bolsas de nicotina em Portugal, há uma distribuidora incontornável: a Fenrir, que tem 84 pontos de venda por todo o País. A empresa apresenta as bolsas de nicotina como “uma alternativa mais saudável e sem fumo”.
A NiT contactou a Fenrir e a empresa, com sede em Vila Nova de Gaia, disse estar disponível para qualquer esclarecimento apenas por email porque “face à natureza dos temas abordados” era necessário “reunir e validar internamente toda a informação antes de emitir qualquer resposta”. Depois de a NiT ter enviado várias perguntas, a resposta chegou em forma de comunicado de “esclarecimento público sobre bolsas de nicotina, saúde pública e cobertura mediática”.
Nesse documento, a Fenrir diz que, não havendo enquadramento legal específico para as bolsas de nicotina, são “legalmente comercializadas ao abrigo da legislação geral de segurança dos produtos (Lei n.º 102/2001), aplicável a todos os bens de consumo”.
A empresa sublinha ainda que “tem mantido contacto regular com todas as autoridades competentes, incluindo Infarmed, ASAE e DGS, desde o início de 2023”, através de “comunicações formais por escrito e pedidos de esclarecimento relativamente à classificação e comercialização das bolsas de nicotina em Portugal”. Foi ainda feito um pedido de registo de atividade junto do Infarmed, que foi cancelado “devido à falta de competência da referida entidade para analisar e processar esse tipo de pedido”.
Para o médico pneumologista não passa de “bom marketing”: as marcas vendem a falta de fumo como “uma cessação de risco para o fumador”, “é uma estratégia clara de perpetuar o vício de nicotina”, observa. Até porque o que se sabe é que “os consumidores destas bolsas usam-nas como método duplo ou triplo”, ou seja, consomem cigarros ou tabaco aquecido e, quando “não podem emitir fumo consomem bolsas de nicotina”.
E tudo é direcionado para os mais jovens, diz o especialista, explicando que é rara a marca que não vende o seu produto como uma forma de liberdade, já que “dá para fazer em qualquer sítio”.
Também é mentira que estas substâncias sejam um passo para deixar de fumar. “Existem formas orais de nicotina no mercado que estão validadas como métodos para deixar de fumar. Isto não está, nem nada que se pareça”, sublinha. As quantidades de nicotina nessas formas orais são muito inferiores, cerca de quatro miligramas.
O Snus é mais difícil de encontrar à venda em tabacarias ou outras lojas de rua, mas nas redes sociais não faltam lojas que anunciam e vendem o produto, e a linguagem é a mesma. Fala-se para uma plateia mais jovem e há um “potencial grande de iniciação”. É possível que esta seja a primeira experiência de muitos jovens com nicotina.
Na página de Instagram “lusosnus”, uma loja que vende Snus em Portugal, um rapaz jovem só partilha conteúdos que incentivam a utilização da substância. “Apagão aconteceu, estava aborrecido e tive de usar uma caixa inteira de Snus”, lê-se numa publicação de 29 de abril. E o formato repete-se: em todos os vídeos o jovem cola as bolsas entre o lábio e a gengiva. Daniel Coutinho garante que estas lojas só existem devido a “falta de fiscalização”. A NiT tentou contactar várias lojas de Snus, mas nenhuma respondeu em tempo útil.
Por ser uma substância mais antiga, há mais estudos sobre o impacto do Snus na saúde do que das bolsas de nicotina. “Existe evidência que liga o consumo dessa substância a um aumento de risco de cancro da cabeça e do pescoço”, relata o médico. No caso das bolsas há menos informação, mas podem ter “consequências como inflamação da mucosa oral, gengivite” e outras que derivam “diretamente das elevadas concentrações de nicotina”. “Não se sabe quais serão os potenciais malefícios ao longo do tempo, mas já há evidências sociais para proibir”, sublinha.
“Não sei qual é a ideia neste momento, quer do governo, quer da União Europeia, mas penso que mais tarde ou mais cedo terá que ser tomada uma decisão de proibição completa destes métodos”, remata Daniel Coutinho.
Nos outros países
Esta moda é principalmente importada dos Estados Unidos onde, em 2023, a Zyn, marca líder do mercado, vendeu mais de 350 milhões de latas, um aumento de 62% em relação ao ano anterior. A venda é legal e é possível comprar bolsas de nicotina a partir dos 21 anos, a substância tornou-se uma febre nas universidades norte-americanas.
Em alguns Estados-membro da UE a proibição, que Daniel Coutinho deseja para Portugal, já foi aprovada. O caso mais recente deu-se em França, após serem registados 131 casos de intoxicação relacionados com estes produtos de nicotina: desde fevereiro não são permitidos.
Na Dinamarca, a partir de 2026, só será permitida a venda de bolsas de nicotina sem aromas ou cheiros e podem ser definidos limites de nicotina por bolsa. No caso da República Checa e da Hungria, a compra só é permitida a partir dos 18 anos e só podem ter até 10 e 17 miligramas de nicotina, respetivamente.
O governo alemão tem uma visão peculiar sobre o tema: estas substâncias são consideradas produtos alimentares e por isso é proibido vender devido à alta taxa de nicotina. Porém, a importação é legal. Na Bélgica a situação é semelhante a Portugal: os produtos são proibidos desde 2023, mas é possível encontrá-los facilmente em várias lojas.