Quando Solange Moraes ouviu o diagnóstico, a reação não foi propriamente a esperada. Na sua cabeça, a existência de um tumor e de um cancro no reto era o menos preocupante. Tremeu quando lhe disseram que ia ter que usar um saco de colostomia.
“Achava que aquilo deitava mau cheiro, que as pessoas se iam chegar a mim e que iam sentir. Mesmo quando elas me diziam que não, meter isso na cabeça era difícil”, recorda a brasileira de 69 anos que, hoje, ultrapassou mil e uma dificuldades para servir de exemplo a tantas outras mulheres que sofrem dos mesmos problemas.
“Graças a Deus, tive direito a uma segunda chance. Até virei modelo de lingerie (risos)”, explica à NiT. Solange é uma convidada especial do projeto +MULHER, criado pela filha, Dai Moraes a fotógrafa que reuniu um grupo dez mulheres que aceitaram fazer uma sessão boudoir, em lingerie, para servirem de inspiração. As fotografias foram acompanhadas por entrevistas em vídeo realizadas pela produtora Janela Discreta e a sessão está em exposição desde o dia 17 de setembro na Fábrica da Pólvora, em Barcarena, no concelho de Oeiras.
Solange é a mais velha e experiente do grupo. Talvez por isso vá percorrendo a memória com mais sorrisos do que seria de esperar. Viaja imediatamente para o pesadelo que viveu em 2014, com um internamento de oito meses, durante os quais foi sujeita a 12 cirurgias.
A doença, um cancro retal, foi descoberta por acaso. Dez anos antes do diagnóstico, recorda que um médico lhe disse que “tinha muitos pólipos”. Nunca se preocupou muito, nem ela, nem o médico.
Anos mais tarde, comentou com o médico que lhe fizera uma redução de estômago. “Perguntei-lhe o que significava uma pessoa ter pólipos nos intestinos. Expliquei-lhe o porquê da pergunta e ele mandou-me fazer uma colonoscopia.”
O resultado não foi o esperado. “Quando ele me disse que tinha um tumor enorme, o meu chão abriu-se. Tinha que fazer uma cirurgia urgente.” Foi apenas o começo de um martírio de quase um ano. Os médicos disseram que Solange sofreu uma convulsão e que sucessivas complicações justificam todos os problemas. “Não sei se foi erro médico”, nota. O que sabe é que, ao fim de tantas cirurgias, as feridas no abdómen começaram a teimar em não cicatrizar. “Tive que fazer 60 sessões na câmara hiperbárica para que a barriga pudesse fechar.”
Saiu fragilizada, mal conseguia andar e foram longas as semanas de reaprendizagem. Pouco tempo depois, assistiu à morte do marido, vítima de um aneurisma na aorta abdominal. “Fui-me abaixo outra vez. Foi quando vim com a Dai para Portugal. Os médicos diziam que se eu ficasse no Brasil, que morreria, que não ia aguentar a perda. E era verdade. Não ia.”
Consigo trouxe aquele saco que a traumatizava e que parecia nunca mais poder largar. “[Desde que pus o saco] nunca mais fui à praia”, recorda. Voltou a passar pela mesa de operações e por sessões de quimioterapia, até que em 2019, pôde finalmente deixar o saco.
Livrou-se daquele utensílio, mas não das doenças. Agora acompanhada em Portugal, os médicos avisam da existência de um nódulo na suprarrenal que “não sabem o que é”. “Só quando abrirem é que podem saber se é uma metástase.”
Contudo, um problema cardíaco impede-a de avançar já para a cirurgia. “Antes, tenho que me fortalecer”, nota, com um entusiasmo que a situação clínica não faria prever.
Pelo meio, ainda teve tempo para vestir lingerie sensual e, ao lado de outras nove mulheres, posar para a objetiva da filha. Sem complexos ou medos. “É importante fazê-lo, para mostrar a outras mulheres que têm problemas iguais ou piores, de que somos capazes de superar até um cancro e levar uma vida normal”, sublinha. “Há pessoas que têm saúde, mas que não sabem viver.”
Solange é o exemplo vivo disso. E se tinha decidido nunca mais ir à praia, acabaria por voltar, apesar de evitar as águas frias portuguesas. “Molhei o pé uma vez, em 1981, e nunca mais quis tocar na água”, recorda entre risos.
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