Saúde

Sofreu bullying, foi abusada e agora é modelo fotográfico e uma inspiração

Miriam Andrade, 26 anos, contou à NiT como está a aprender a aceitar o corpo e a gostar de si. Leia a entrevista emocionante.
Miriam para a marca Jujuca, por Márcia Soares.

Sofreu bullying desde os cinco anos e, quando a sua vida parecia estar finalmente a mudar, foi violada —na altura tinha 12. Passou por vários episódios de assédio, um esgotamento psicológico, uma depressão e muito sofrimento. Parece a história de um filme mas é a vida real de Miriam Andrade, agora com 26 anos. Neste momento, ao contrário do que alguma vez pensou, é modelo fotográfico e uma inspiração para muitas mulheres.

Licenciada em Comunicação Social e Cultural e com uma Pós-Graduação em Media e Jornalismo pela Universidade Católica, em Lisboa, a modelo plus size, como se define, não teve uma vida fácil. À NiT contou que teve problemas de excesso de peso desde bebé e que nunca houve uma razão para isso. Afinal, seguia uma alimentação saudável e fazia desporto. Na altura da depressão, com cerca de 18 anos, chegou a pesar mais de 100 quilos.

“Foi a pior altura da minha vida. Não saía de casa. Estava sempre drogada com aquela medicação. Foi muito mau”, revela à NiT numa entrevista emocionante.

Aos poucos, ainda que com muitos episódios graves de assédio sexual, foi ganhando auto-estima. Atualmente, além de assistente de produção na RTP e locutora na rádio Nove3Cinco, está agenciada na Face Models e faz várias campanhas fotográficas — não por querer atenção por parte dos homens ou pelos gostos no Instagram mas, sim, por pensar que em algum momento pode evitar que alguém passe por aquilo que ela viveu.

Neste momento, com menos 30 quilos, ainda está a aprender a aceitar o corpo e a gostar de si. Mas garante que vai chegar lá. Conheça a incrível história de superação de Miriam Andrade.

À esquerda, uma das poucas fotos que Miriam guardou da sua adolescência. À direita, numa campanha recente.

Hoje em dia fala de positivismo e aceitação do corpo. Com que idade e em que momento específico da sua vida é que se apercebe dele?
Foi muito, muito recente. Há cerca de quatro anos percebi que o meu corpo poderia ser aceite pelos outros e por mim. Um pouco mais tarde é que entendi que tinha de ser primeiro aceite por mim e depois pelos outros. Em 2016, um site que falava sobre mulheres plus size — um conceito que desconhecia — lançou um concurso nacional para eleger a gordinha mais sexy de Portugal. Alguém me inscreveu mas ainda hoje não sei quem foi. Aquilo funcionava por votos e, não sei bem como, ganhei. 

Que significado teve essa vitória?
Primeiro achei que estavam a gozar comigo, que não podia ser e que era ridículo. “Como é que pode ser possível?”, pensei eu na altura. Toda a minha vida gozaram comigo por isto mesmo. Até que percebi que não, que era real, e comecei a receber comentários muito bons. Comecei a pensar: “Afinal, se calhar, há uma hipótese de eu me aceitar assim. Será? Será que eu sou bonita? Será que o meu corpo afinal é bonito? Será que afinal tenho estado enganada?” Comecei a questionar-me muito. Foi a partir daqui que conheci de alguma forma este conceito de aceitação do corpo e de ser positiva em relação a ele.

Como era a Miriam em miúda? Já existiam inseguranças?
Desde miúda que sempre fui gorda, gordinha, cheia, como lhe quiserem chamar. Sempre fui, desde bebé. E sempre foi um assunto que preocupou os meus pais e a mim também. Mas os meus pais sempre tiveram cuidado com a minha alimentação e colocavam-me em desportos. Por exemplo, fiz natação de competição durante oito anos e fazia desporto na escola. Passei por uma série de coisas durante a minha infância. Como miúda que era também comia uma guloseima ou outra. Mas não comia demais, não andava sempre a comer porcarias. Aliás, odeio fast food. Por isso, não havia uma razão aparente para ser gorda — até porque somos cinco irmãos e eu era a única nessa condição. 

“Tinha tanto nojo do meu corpo que lembro-me de estar no banho e esfregar com força, quase a tirar a pele. Sentia-me suja”

Que impacto teve o desporto durante essa fase?
Apesar de fazer muito exercício físico, odiava o desporto. Era uma obrigação para ficar magra. E eu não ficava magra, não perdia peso ou se perdia era muito pouco e voltava a ganhá-lo. O pior é que ninguém percebia porquê. Comecei a ganhar nojo ao desporto. “Porque é que tenho de fazer isto e nada acontece? Porque é que não emagreço?”, pensava. Portanto, houve uma preocupação muito grande desde pequenina. Aliás, há uma fase da minha vida da qual não tenho fotografias porque as rasguei todas. Não gostava de me ver.

Quando é que começou a sentir-se desconfortável com o seu corpo? 
Não me sinto confortável com o meu corpo desde sempre. É claro que nem sempre tive noção em criança. Só aos cinco anos é que comecei a ter noção do que é o corpo. Como não andei na pré-escolar — estive sempre com os meus avós —, entrei diretamente no primeiro ano sem nunca ter contacto com outros meninos e outras realidades, a não ser amigos de infância. Portanto, o primeiro impacto que tive é que era diferente. A gorda da turma. 

Os outros meninos também fizeram com que sentisse isso?
Sim, comecei a sentir-me desconfortável porque era gozada, muito gozada. Chamavam-me “a gorda”, “a mamalhuda”, entre outras coisas. É que nós, mulheres, temos este pequeno pormenor: o nosso corpo muda muito — e muito mais do que nos homens. O nosso peito cresce muito, o rabo, as ancas, tudo mais. A própria menstruação apareceu-me quando só tinha nove anos. Por isso, todo o desenvolvimento corporal, além da gordura em si, foi muito precoce. Posso dizer que usei o meu primeiro soutien quando tinha apenas sete ou oito anos. Lembro-me perfeitamente que estava no meu segundo ano. Já se notava que o meu corpo se estava a preparar para a tal mudança que ia acontecer aos nove anos. Foi muito cedo e comparava-me muito com os outros. Foi difícil.

Chegou a sofrer bullying? 
Posso dizer que sofri bullying desde o meu primeiro ano até ao sexto ano. Portanto, seis anos intensivos. Além do meu desenvolvimento natural e da minha estatuta, entrei para a escola já a saber ler e escrever, o que não ajudou. Na altura, não me quiseram passar para o segundo ano porque eram meninos mais crescidos e podia não me adaptar. Fiquei como ajudante de professora, mas é claro que aos olhos dos meus colegas, além de ser como era fisicamente, era um alvo mais fácil porque também era “a menina da professora”.

Alguns dos nomes que lhe diziam.

Como é que tudo começou? Ainda se lembra?
Primeiro começaram os insultos psicológicos: “Tu és gorda, tu és nojenta, tu és feia, tu és menina da professora, tu não vales nada.” Estamos a falar de crianças de seis, sete e oito anos. Eram cruéis. Nem se queriam sentar ao meu lado. Começou assim. E estou a falar de bullying feito por raparigas e nunca por rapazes — pelo menos até ao quarto ano. Depois passou para o bullying físico que, apesar de tudo, era o que menos me incomodava. Começou pouco depois e lembro-me perfeitamente de não querer ir para o recreio porque já sabia que elas me iam puxar para um canto para bater-me e puxar os cabelos. Costumo brincar, embora isto não tenha piada nenhuma, que descobri a maquilhagem da minha mãe porque era perfeita para tapar as nódoas negras que tinha. Durante aqueles seis anos, nunca disse nada aos meus pais. Queria protegê-los, até porque tenho mais irmãos e não queria trazer preocupações. Sempre guardei estas coisas para mim.

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