Os últimos dois anos ficaram marcados por uma doença que, ao que tudo indica, teve origem num animal. A doença da varíola associada aos macacos, que infetou milhares de pessoas nos passados meses, trouxe novamente ao de cima este problema que tem afetado a saúde da sociedade. As patologias transmitidas por animais têm um nome: zoonoses. E existem várias causas associadas ao seu surgimento.
As zoonoses são doenças que se transmitem através dos animais para os humanos. Estas podem, como indica o especialista em medicina interna, António Figueiredo, ser causadas por muitos agentes: “Bactérias, vírus, fungos e parasitas, que estão presentes em habitats naturais e que afetam certos animais e que em nós podem causar doenças”.
Os vírus e as bactérias são organismos habituais do nosso mundo, sendo que alguns são preocupantes e podem originar doenças quer em humanos, quer em animais. “Existem vários microrganismos que infetam animais, mas que não têm capacidade de transpor a barreira das espécies e infetar pessoas. De vez em quando, vamos encontrando alguns que se adaptam (sofrem mutações) e conseguem chegar à população”, explica à NiT Gustavo Tato Borges, presidente em exercício da Associação Nacional de Médicos de Saúde Pública (ANMSP).
“A maior parte das vezes, essa mutação não é suficiente e esses agentes infetam apenas alguns casos, desaparecendo de seguida. Mas existe sempre o potencial, como vimos com a Covid-19 e com a infeção humana pelo vírus Monkeypox, de que esse agente microbiológico se consiga adaptar aos seres humanos e passar a ser um agente infecioso humano”, acrescenta o especialista em saúde pública.
A extensão do homem aos habitats dos animais cria maior aproximação entre todas as espécies, o que acaba por significar um contacto mais próximo. Com isso é inevitável, que caso algum animal esteja infetado com alguns dos agentes, este seja mais facilmente transmissível às pessoas. Da mesma forma, as alterações climáticas, os incêndios e as inundações fazem com que os insetos e outros seres vivos migrem para os locais da população e tragam esses agentes patogénicos. Quando entram em contacto com o ser humano, infetam-no.
Esta propagação é cada vez mais frequente devido à grande proximidade de contacto entre os seres humanos e os animais selvagens, algo que era incomum há vários anos. No entanto, como adianta António Figueiredo: “Isto também acontece muito nos amigos domésticos que temos em casa. O gato, por exemplo, quando está infetado com alguma bactéria, ao arranhar ou morder uma pessoa, pode transmiti-la. Isto pode ser muito grave nos humanos. Com os cães e o caso da doença da raiva, a mesma coisa”.
As zoonoses podem ser transmitidas de várias formas. “A mais simples é por contacto com o animal ou com secreções, como saliva, sangue, fezes ou urina de uma espécie doente”. Outra forma é se o animal morder ou arranhar uma pessoa, causando uma ferida. E ainda existe a possibilidade de seremos infetados por mosquitos e insetos. “Estes bichos são muitas vezes portadores de alguma doença, por isso é que a comunidade científica lhes chama vetores de transmissão. Quando picam alguém acabam por infetar outros animais e também pessoas”. Por último, como vimos com a gripe e com a Covid-19, existe a transmissão por via aérea. “Quando se tratam de vírus que se acumulam nas vias aéreas, quando os animais infetados tossem ou espirram — sim, eles também o fazem — acabam por propagar este agentes patogénicos e afetar também os humanos, através das pequenas gotículas”.
O consumo de carnes ou outros produtos derivados de animais infetados podem ser outra via de transmissão de doenças. No entanto, na Europa existe um grande controlo da comercialização destes produtos.
Como é que nos devemos prevenir
Não há como fugir, sobretudo num mundo que vivemos em que as viagens para todos os países se tornaram banais. Porém, segundo António Figueiredo, existem formas de prevenir esta situação. Já estamos familiarizadas com algumas delas, sobretudo desde os tempos mais assustadores da pandemia da Covid-19. A etiqueta respiratória e a lavagem das mãos são essenciais, por exemplo. Em último recurso, caso se trate de uma doença que se propaga pela via área, as máscaras são novamente a melhor proteção.
Além destas, existem “as precauções básicas do controlo de infeção”, definida pela Organização Mundial de Saúde. “São um conjunto de estratégias que se implementar para evitar a propagação de infeções. A higiene é uma das regras básicas e eficaz para quebrar a cadeia de transmissão. Lavar as frutas, os legumes e o vegetais muito bem antes de os ingerir junta-se a estas regras, assim como cozinhar bem os alimentos”, refere o especialista em medicina interna.
Gustavo Tato Borges explica à NiT: “Para nós, Portugal, é fundamental manter uma vigilância apertada dos novos agentes microbiológicos que vão sendo identificados”. A comunicação também desempenha um papel fundamental neste processo.
“É importante garantir uma fácil, ágil e correta comunicação com a população (para que saibam como se transmite e os cuidados a ter) e colaborar com as instâncias internacionais de saúde, como aconteceu, por exemplo, com a sequenciação genómica do vírus Monkeypox que têm causado vários casos no mundo inteiro”, conclui.