13 de setembro de 1990. Rui Miguel Abreu, então jornalista do jornal “A Capital”, tentava a todo o custo fazer a cobertura da presença de David Bowie em Lisboa. Na véspera do britânico atuar no Estádio José Alvalade, na sequência da digressão Sound + Vision, o repórter conseguiu descobrir em que hotel é que o músico estava hospedado. E foi a correr para lá na esperança de o apanhar à saída.
Não apanhou. Mas reconheceu o guitarrista, Adrian Belew, que iria atuar ao lado de David Bowie. Quando viu o miniautocarro da banda a sair do hotel Sheraton, Rui Miguel Abreu saltou para dentro de um Renault 4L, juntamente com o fotógrafo, e começou a segui-los. A viagem terminou no parque de estacionamento do Restaurante Panorâmico, em pleno Parque Florestal de Monsanto. Momentos depois, uma limusine preta com vidros fumados parou no local. Tinha valido a pena a perseguição: o jornalista d'”A Capital” conseguiu cinco minutos de entrevista e umas quantas fotografias de David Bowie em frente ao restaurante.
A história é contada na primeira pessoa por Rui Miguel Abreu, numa crónica publicada na revista “Blitz” em 2013. Nesta história o Restaurante Panorâmico está longe de ser a personagem principal, mas o enredo prova como o restaurante era importante em Lisboa. Situado no Alto da Serafina, a 205 metros de altitude, o espaço abriu em 1968 e durante décadas recebeu muitos famosos e figuras de estado.
A obra foi arrojada, o empreendimento megalómano, mas na viragem de século o Restaurante Panorâmico ficou ao abandono e desde então que ninguém quis saber dele. Ou talvez não. Em maio deste ano Câmara Municipal de Lisboa garantiu ter planos para reabilitar o espaço — e promete novidades já este mês.
Porque é que somos fascinados por edifícios abandonados? Talvez a resposta não seja assim tão complicada. Eles são enigmáticos, surpreendentes, carregados de história, têm uma aura quase mística e são a prova de como o tempo passou. Apesar de vandalizados e destruídos, eles continuam belos — e nós nutrimos tanto amor por eles como pelo patinho feio que foi renegado pela mãe só porque era diferente.
Em Portugal, é provável que nenhum outro edifício gere tanto fascínio para os lisboetas como o Restaurante Panorâmico de Monsanto. Mandado construir pela Câmara Municipal de Lisboa em 1967, o restaurante abriu um ano depois. Com um formato circular, tinha uns impressionantes sete mil metros quadrados e uma das vistas mais incríveis de Lisboa.
O projeto ficou a cargo de Chaves da Costa mas não era para ser assim. Inicialmente a obra foi entregue a Francisco Keil do Amaral, um dos arquitetos portugueses mais influentes do século XX. Foi ele que esteve envolvido na construção do Aeroporto de Lisboa, da Feira das Indústrias de Lisboa e no reordenamento dos espaços verdes do Parque Eduardo VII, Campo Grande e até do Parque de Monsanto.
Tinha valido a pena a perseguição: o jornalista d'”A Capital” conseguiu cinco minutos de entrevista e umas quantas fotografias de David Bowie em frente ao Restaurante Panorâmico de Monsanto
Para o Restaurante Panorâmico, Keil do Amaral idealizou um espaço construído em plataformas baixas, onde o destaque iria para um terraço com esplanada que teria vista desimpedida para Lisboa, para o Vale de Alcântara e para a Margem Sul. Poderia ter funcionado, mas António Vitorino da França Borges, então Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, não gostou do projeto. E a obra foi entregue a Chaves da Costa.
Nasceu assim um restaurante circular, todo fechado (não havia aqui planos para terraços com esplanadas), mas com uma das laterais coberta por amplas janelas que permitiam tirar partido daquilo que, de facto, o local tinha de melhor: a vista. Lá dentro receberam-se artistas como Luís Dourdil, Manuela Madureira e Querubim Lapa que, respetivamente, construíram murais, azulejos e painéis que ostentaram ainda mais o edifício.
Durante muitos anos, o Restaurante Panorâmico de Monsanto foi a “jóia da cidade”. Até que de repente tudo começou a correr mal. O edifício transformou-se numa discoteca, num bingo, num escritório de uma empresa de filmagens e até num armazém de materiais de construção civil. Em 2001 fechou definitivamente. A distância da cidade, os acessos difíceis e, no geral, a falta de clientela, foram as principais razões apontadas para o abandono do emblemático Restaurante Panorâmico. A partir daí, a degradação foi rápida. Demasiado rápida.
Vidros partidos, grafites, entulho, lixo. Quinze anos depois do encerramento definitivo do Restaurante Panorâmico, ainda restam alguns painéis, mas no geral foi tudo vandalizado. De repente, a “jóia” perdeu todo o seu valor e tornou-se num embaraço para a Câmara Municipal de Lisboa.
Em 2009, o local voltou a ser alvo de notícias quando a vereadora independente Helena Roseta apresentou uma proposta para salvar o edifício. José Sá Fernandes, então vereador da Câmara com o pelouro dos Espaços Verdes e Ambiente, respondeu que “a reabilitação daquele elefante branco custaria 20 milhões de euros” e que a câmara não tinha dinheiro para isso. Nada mudou
Em 2013, a “SIC” fez uma reportagem sobre o local, a propósito das fotografias publicadas por Rui Gaiola no “P3“
— que, já agora, tornou célebre a denominação do Restaurante Panorâmico de Monsanto como o local com “a melhor vista que Lisboa pode ter” ao descrever desta forma o espaço ao suplemento digital do “Público”.
O assunto voltou a incendiar a opinião pública, mas as notícias continuaram a não ser boas. Em entrevista ao canal de televisão, Manuel Salgado, vice-presidente da Câmara Municipal de Lisboa, desceu o valor de requalificação para sete milhões mas continuou a salientar os problemas inerentes a uma reabertura.
“Todos os ensaios que se fizeram de utilização deste edifício até hoje não resultaram. E não resultaram porque o edifício está isolado, está longe, é difícil chegar aqui. Portanto, todos os usos, seja na área da restauração, seja na área lúdica, fracassaram.” O desfecho foi o mesmo: tudo igual.
Em maio deste ano, Sá Fernandes, atual vereador da Estrutura Verde e Energia da Câmara de Lisboa, voltou a falar sobre o Restaurante Panorâmico. E desta vez não só não lhe chamou elefante branco como ainda garantiu que em breve traria notícias. E das boas. Na apresentação dos planos para o antigo Aquaparque, outro abandonado na cidade que foi requalificado e transformado num jardim (abre em 2017), o vereador prometeu revelar o que está a ser pensado para o local em junho ou julho. Junho já foi, mas julho ainda agora está no início. Quem sabe. Talvez seja desta que o Restaurante Panorâmico deixe de ser o patinho feio que todos amam e ninguém quer.
Em dezembro de 2014, Miguel Dias, administrador do site Evasão, esteve em Monsanto a fotografar o que restava do Restaurante Panorâmico. As imagens impressionantes foram cedidas à NiT. Já no fórum português SkyscraperCity, um utilizador publicou algumas fotos do edifício original.
São estas imagens que lhe mostramos agora. Fotografias do antes, sim, mas sobretudo do depois. Carregue na imagem acima para saber mais.