Quem passa pela estrada que liga Caria à aldeia histórica de Sortelha, distrito da Guarda, pode achar que avistou ao longe um dos muitos castelos de Portugal. A arquitetura é de facto semelhante, mas a sua história nada tem a ver com a monarquia. Aquelas são as ruínas das Termas de Água de Radium e do Hotel Serra da Pena, onde durante muitos anos se produziu água radioativa engarrafada (na altura achava-se que fazia bem) e se receberam hóspedes num hotel termal. Sim, aquele foi um local importante no País — até que se descobriram os malefícios da radioatividade e ninguém quis saber mais das termas ou do hotel. Quando abriu falência, o gerente do espaço levou tudo o que era de metal para vender — nem as tubagens escaparam.
Mas recuemos um pouco. Junto à aldeia de Quarta-feira, a cerca de 30 quilómetros da Covilhã, desde 1910 que se exploravam minas de urânio. Porque é que isto é relevante? Porque era a partir deste elemento que era extraído o rádio, uma substância altamente radioativa que no início da década de 20 se acreditava ter poderes milagrosos. Pois é, muito antes do desastre de Chernobyl e da palavra radioatividade causar calafrios, esta substância era incrivelmente popular. Fabricou-se quase tudo com rádio: cosméticos, tónicos, sais de banho, até chocolates. Acreditava-se que curava uma série de problemas físicos e mentais, desde o cancro à impotência sexual.
Como em qualquer boa história, nas Termas de Água de Radium também há um mito. E surge precisamente nesta altura, quando dizem que um conde espanhol veio para esta zona com a filha, que sofria uma grave doença. As águas curaram-na, e o conde — chamavam-lhe D. Rodrigo, mas supostamente tinha um nome diferente — mandou construir um hotel termal.
Ninguém sabe ao certo em que ano abriu o Hotel da Serra da Pena, mas em 1922 foi obtido o alvará para a exploração de três nascentes junto às minas, onde foi atestada a presença de elementos radioativos. Quatro anos depois, o jornal regional “A Serra” falou pela primeira vez no hotel, que teria capacidade para 150 pessoas.
Nos anos seguintes, chegaram muitos hóspedes ao edifício de granito com cerca de 90 quartos. Os tratamentos nunca mais acabavam: compressas elétricas radioativas, aplicação de lamas também com rádio, e até a utilização de um aparelho para lavagem do cólon, que recorria à utilização de 35 litros de água mineral. Em 1927, num congresso de Lyon, França, as Águas de Radium foram consideradas das mais radioativas do mundo. Por esta altura já se comercializava água engarrafada, e há quem diga que era um sucesso de vendas na Europa. “Água Radium dá saúde, vigor e força”, lia-se na publicidade da altura.
Em 1927, num congresso de Lyon, França, as Águas de Radium foram consideradas das mais radioativas do mundo
Nos anos 30, o espanhol foi-se embora e as termas foram vendidas aos ingleses. Talvez ainda tenham tido mais uns anos prósperos, mas nesta altura já se falava na possibilidade da radioatividade ser nociva para a sua saúde. A partir de 1936 deixou de haver publicidade nos jornais às Águas de Radium. Com a chegada da Segunda Guerra Mundial, percebeu-se finalmente os efeitos devastadores dos materiais radioativos. A morte estava anunciada. Em 1945, encerram definitivamente.
O hotel não aguentou muito mais tempo. Depois de uns anos fechado, reabriu em 1951, quando a exploração passa para a Companhia Portuguesa de Radium, também de capitais ingleses. Três ou quatro anos depois, abriu falência. Num texto de opinião publicado por José Carlos Mendes no jornal online “Capeia Arraiana“, o cronista recorda a pilhagem ao Hotel Serra da Pena em 1954 ou 1955.
“Naquele dia fui ver o fim da Serra da Pena. O gerente, como não lhe pagavam e adivinhava a falência que se avizinhava, resolveu pagar-se por suas próprias mãos: arrancou tudo o que era metal (torneiras, chuveiros, tubagens, apetrechos da enorme cozinha do hotel e das termas… tudo o que fosse cobre ou níquel e até as loiças). Levou tudo em camiões e despachou a carga para Lisboa.”
Segundo o ex-presidente da Junta de Sortelha, Luís Paulo, em 1985 o complexo termal foi leiloado em Lisboa. Mais tarde foi comprado por Ramiro Lopes, residente na Panasqueira, que em 2000 o vendeu ao irmão, António Lopes, que tinha um plano ambicioso: reconverter o espaço num hotel de cinco estrelas, com um campo de golfe com 18 buracos e dois aldeamentos turísticos com 146 villas. O projeto foi aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal, mas nada aconteceu. Há mais de 60 anos que o Hotel Serra da Pena é apenas ruínas.
Recorde os artigos sobre o Palácio da Comenda, o Aquaparque, o Restaurante Panorâmico, o Hotel Foz da Sertã e os Sanatórios do Caramulo, todos abandonados.
Carregue na imagem acima para saber mais sobre as Águas de Radium. As fotos foram tiradas por Maria Serra e Moura, do grupo de Facebook Lugares Abandonados.