Os vidros estão partidos, as ervas daninhas cobriram o chão, as portas foram arrombadas e, em algumas zonas do edifício, há muitos anos que o telhado ruiu. O Mosteiro de Nossa Senhora de Seiça fica na freguesia de Paião, na Figueira da Foz, e está abandonado há 40 anos.
Junto ao rio Mondego, mesmo ao lado de um troço de caminhos de ferro da Linha do Oeste (onde hoje raramente passam comboios), este mosteiro tem mais de 800 anos. A fachada, e sobretudo as torres laterais, não deixam margem para dúvidas: estamos perante um edifício religioso. Mesmo ali ao lado, porém, há uma enorme chaminé fabril que causa alguma confusão para quem passa por ali pela primeira vez.
Há uma explicação: no início do século XIX o mosteiro foi vendido a privados, que o transformaram numa fábrica de descasque de arroz. Foi assim até 1976, altura em que as linhas de produção encerraram e nunca mais ninguém quis saber do edifício. Ou pelo menos conseguiu fazer qualquer coisa com ele.
Ninguém sabe ao certo quando foi construído o mosteiro de Seiça, no entanto a referência mais antiga ao edifício remonta a 1162. Mandado construir por D. Afonso Henriques, começou por pertencer à Ordem Beneditina (ordem religiosa católica que envolve clausura monástica), e mais tarde à Ordem de Cister (mais avançada do que a anterior, promove o trabalho como valor fundamental).
Enquanto pertenceu à Ordem de Cister, viveram no mosteiro de Seiça muitos monges. Há poucos registos sobre esta época, mas diz-se que eles dedicavam-se à agricultura e seguiam o lema “Ora et Labora” (reza e trabalha). Não se sabe mais nada. Após a Guerra Civil Portuguesa (1828-1834), o Liberalismo foi instaurado em Portugal e as ordens religiosas foram suprimidas. Terminava assim a ligação religiosa ao mosteiro.
61 anos depois, já a igreja estava em ruínas, o mosteiro foi a leilão na Junta da Paróquia da Freguesia do Paião. O preço base de licitação foram 500 mil reis. Manoel Marques Leitão fez a maior oferta: 500.500 reis. O dinheiro foi entregue no dia seguinte na tesouraria da Junta.
“Ateu confesso”, Joaquim dos Santos Carriço não quis saber do passado religioso do edifício e decidiu aproveitar as ruínas da igreja para abrir ali uma fábrica
Manoel Marques Leitão não fez nada com o mosteiro. A viver no Brasil, acabou por vendê-lo em 1911 a Joaquim dos Santos Carriço. O negócio foi firmado no Rio de Janeiro e incluía, para além do mosteiro, todos os terrenos envolventes, incluíndo as terras, pinhais, pomares, matos e dois moinhos. Carriço pagou no total seis contos de reis.
Nesse mesmo ano, o novo proprietário do mosteiro regressou a Portugal. Uma parte da igreja estava destruída na sequência da construção da Linha do Oeste, o resto do mosteiro estava a precisar urgentemente de ser reabilitado. “Ateu confesso”, e acima de tudo um homem de negócios, Joaquim dos Santos Carriço não quis saber do passado religioso do edifício e decidiu aproveitar as ruínas da igreja para abrir ali uma fábrica.
Entre 1911 e 1917, os restos da nave da igreja do mosteiro de Seiça transformaram-se numa fábrica de descasque de arroz. O negócio tornou-se num projeto familiar — tanto que o empresário mandou construir ali à volta habitações para toda a família.
Apesar da importância que o negócio assumiu na região — no seu período áureo eram descascadas entre 1.000 a 1.200 toneladas de arroz por ano —, a fábrica fechou em 1976. Ninguém sabe ao certo o que aconteceu. Em 1997 o Ministério da Cultura classificou o mosteiro de Seiça como Imóvel de Interesse Público, em 2000 os herdeiros de Joaquim dos Santos Carriço aceitaram vender o espaço à Câmara Municipal da Figueira da Foz.
Parecia que ainda havia esperança para o mosteiro de Seiça. Os descendentes da família Carriço não tinham como investir na revitalização do espaço, mas a Câmara parecia estar pronta para o fazer. Ainda se falou em abrir ali um espaço de cultura, lazer e turismo, mas a verdade é que nada aconteceu. Em 2016, o edifício completou 40 anos de abandono. E as imagens da degradação são simplesmente impressionantes.
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Carregue na imagem acima para ver as fotografias tiradas por Maria Serra e Moura, da página de Facebook Lugares Abandonados. As fotos foram tiradas em agosto de 2014.