De norte a sul de Portugal dezenas de aldeias encontram-se totalmente abandonadas ou com pouquíssimos habitantes que vivem na grande maioria isolados e a longas distâncias das cidades mais próximas. Dia após dia estas aldeias, praticamente desabitadas, veem-se ser esquecidas e sem um futuro risonho à vista. Mesmo assim, escondem muitos encantos que têm vindo a ser descobertos por turistas e aventureiros que quebram o silêncio e a tranquilidade habitual das aldeias para mostrar que afinal de contas continuam a ter vida própria. Uma delas esconde por entre as portas fechadas das casas de cores garridas uma história de sobrevivência que poucos conhecem: falamos-lhe da Aldeia do Escaroupim.
Situa-se no coração do Ribatejo, num lugar chegado às margens do rio Tejo, a cerca de sete quilómetros da vila de Salvaterra de Magos, no distrito de Santarém. A acompanhar toda a bacia hidrográfica conta-se, por quem ainda habita a aldeia, histórias daqueles que em tempos marcaram a identidade cultural do Escaroupim. Gerações de gentes ribeirinhas, homens e mulheres da lezíria do Tejo, que nos meses de inverno a partir dos anos 30, se deslocavam de Vieira de Leiria para as margens do rio Tejo.
“Na altura do inverno era muito difícil pescar no mar então vinham pescar para o rio. Como vinham sazonalmente, viviam numas embarcações que se chamavam bateiras. Essas bateiras serviam como objeto de trabalho mas também como sua habitação”, explicou à NiT Ana Nicolau, uma das responsáveis pelo Museu “Escaroupim e o Rio”, projetado para não perder a memória coletiva destas gentes.
Durante a noite, navegava-se ora pelo Tejo acima ora pelo rio abaixo. “O avieiro lançava a rede ao rio e a mulher remava. Esta é uma tradição dos avieiros: a mulher participa na arte da pesca, remando, e vendendo o peixe. Esta pesca é feita noturna e durante o dia a avieira vai vender o seu peixe por estas terras aqui à volta”, acrescentou.
Durante muito tempo esta migração acontecia, principalmente, por necessidade de trabalho. Quase como uma espécie de sobrevivência para o povo que vinha da Praia de Leiria. Houve, no entanto, quem decidisse fixar-se na aldeia e nas inigualáveis casas de madeira, pintadas de cores vivas e construídas sobre estacas para se protegerem contra as cheias frequentes no rio, pelas quais o Escaroupim é reconhecido. São de tal forma uma das grandes atrações da aldeia ribatejana que foi recuperado um espaço pela autarquia — a Casa Típica Avieira — que preserva as vivências das gentes naqueles espaços e que pode ser visitado todos os dias.
Com o passar dos anos e especificamente depois da construção da linha férrea Setil – Vendas Novas, que veio trazer alterações no escoamento das mercadorias, o trânsito fluvial começou, aos poucos, a desaparecer. Esse momento marca o início da decadência desta aldeia, onde habita neste momento menos de uma centena de pessoas que, principalmente pela faixa etária mais envelhecida, se destacam dos muitos visitantes que chegam ao Escaroupim sobretudo nos finais de semana e nos períodos de férias.
A paisagem desta aldeia, em tempos piscatória, divide-se agora entre as casas caraterísticas e as típicas embarcações de cores vivas que vão contrastando com as águas esverdeadas e serenas do Tejo. É frequente ver-se famílias inteiras vindas de fora a fazer piqueniques no Parque das Merendas e outras a navegar pelo rio em empresas de cruzeiros que seguem durante uma ou duas horas a Rota do Escaroupim e da Cultura Avieira, entre Salvaterra de Magos, Valada, Cartaxo e Azambuja.
Nestas rotas descobre-se que o Rio esconde pequenas ilhas inacessíveis e muitas das vezes misteriosas onde a vida que existe divide-se entre os animais e a natureza. Ilha dos Cavalos, Ilha das Garças, Ilhas dos Amores, Ilha da Palhota: estes são apenas alguns dos diversos aglomerados de areia no meio do Tejo que formam pequenos habitats únicos e fantásticos para o desenvolvimento da natureza. A Promartur e a Rio-a-dentro são duas das empresas que disponibilizam estes cruzeiros que desvendam alguns dos segredos do rio.
A cerca de 70 quilómetros de Lisboa, a aldeia do Escaroupim encontra-se neste momento direcionada para a criação de elementos de bem-estar, lazer e turismo. O objetivo: criar em todas as pessoas que por lá vivem e passam memórias para que não se perca a história desta pequena (mas intensa) relíquia cultural. Os esforços na recuperação daquela que foi uma zona ribeirinha crucial para o desenvolvimento local são reconhecidos, mas é incerto se serão o suficiente para garantir que o Escaroupim seja mais do que uma aldeia envelhecida, quase esquecida e praticamente abandonada.
De seguida, carregue na galeria para conhecer as deslumbrantes caraterísticas históricas e culturais que ainda se mantém nesta aldeia que se encontra agora praticamente desabitada.