O anúncio da abertura de uma creche inovadora, com horários alargados, o Clube dos Pequenos, em Braga, voltou a trazer o tema para a discussão pública. De um lado, apontam-se as reais necessidades dos pais, que veem neste tipo de espaços a possibilidade de uma maior conciliação da vida profissional e familiar. Do outro, o afastamento dos bebés do ambiente familiar por horários prolongados.
Embora não seja um cenário ideal — todos os especialistas sublinham a importância dos filhos passarem o máximo de tempo com os pais —, esta é “é uma situação que tem vantagens e desvantagens”, começa por dizer Rute Agulhas, psicóloga e terapeuta familiar, à NiT. Este tipo de creches pode ser um apoio fundamental para pais e mães com dificuldade em conciliar os seus horários profissionais com o exercício da parentalidade, que é “especialmente importante quando não têm uma rede de suporte familiar”, sublinha. “Muitos pais não têm um horário de trabalho das nove às cinco, de segunda a sexta”, e este tipo de respostas vêm colmatar a ausência de outras soluções.
Porém, quando se coloca o foco nos miúdos e naquilo que é importante para o seu desenvolvimento saudável, rapidamente se identificam algumas desvantagens. “Os bebés precisam do convívio e interação frequente com as suas figuras cuidadoras”, sublinha Agulhas. “Na primeira infância, para assegurar um desenvolvimento saudável, é fundamentar que se sintam envolvidos na presença dos adultos com quem vão estabelecer uma relação de vinculação segura, securizante”, acrescenta. Algo que só acontece, segundo a especialista, se existir “tempo de interação, com qualidade”.
Outra questão sobre a qual a psicóloga tem dúvidas é o tempo máximo de permanência nestas creches. “Se um bebé pode entrar na creche às 6h30 e sair à meia-noite, significa que apenas dorme em casa. Se isto acontecer de forma pontual, não terá grande impacto. Mas se acontecer de forma regular, certamente terá um impacto ao qual importa estar atento”, defende.
A possibilidade de existirem casos em que os bebés passem mais tempo na creche do que em casa não pode ser ignorada e deve ser acautelada. Segundo a especialista, este tipo de respostas parecem estar mais ajustadas às necessidades dos pais e, nesse sentido, “os incentivos ao aumento da natalidade devem ser outros”. A psicóloga defende “a definição de políticas públicas e estratégias que permitam exatamente o contrário — maior facilidade em conciliar a vida pessoal e familiar com a vida profissional”.
O Clube dos Pequenos
Este berçário e creche em Braga, que irá funcionar todos os dias do ano com horários alargados, abre portas a 16 de dezembro para acolher 92 bebés até aos três anos. Este equipamento social é uma resposta do Centro Social do Vale do Homem (CSVH) pensada para apoiar os colaboradores do Hospital de Braga e da Universidade do Minho.
“O nosso objetivo é proporcionar aos profissionais um lugar seguro e flexível no qual possam confiar e deixar os seus filhos, sem restrições de horário, com a tranquilidade de saber que estão bem cuidados”, lê-se no site da IPSS.
Com um horário de funcionamento das 6h30 da manhã até às 00h30, sete dias por semana, destaca-se pela sua singularidade em Portugal. Aquando da cerimónia simbólica de lançamento da primeira pedra da creche, em janeiro, a secretária de Estado da Inclusão, Ana Sofia Antunes, sublinhou que “é um exemplo que queremos ver replicado em diferentes pontos do País para acompanhar a maior diversidade de horários de trabalho [dos familiares] e dar maior apoio nesta área”.
A falta de respostas adequadas às famílias reflete-se na elevada procura: o espaço recebeu 444 pré-inscrições, embora a capacidade inicial fosse de apenas 84 bebés. O Clube dos Pequenos contará com 24 colaboradores inicialmente, com a promessa de aumentar para 35 em breve. A creche estará aberta ao sábado e ao domingo, sem interrupções durante as férias escolares, e também vai disponibilizar serviços de babysitting a partir de janeiro de 2025.
“O número de candidaturas é impressionante e demonstra bem a necessidade existente relativamente a uma solução deste tipo, que é realmente inovadora e fazia muita falta”, reconhece o presidente do Centro Social Vale do Homem, Jorge Pereira, em declarações ao “Jornal de Notícias”. A nova infraestrutura irá “facilitar a conciliação profissional e familiar de quem trabalha por turnos e precisa deste tipo de apoio”, acrescenta.
Vale a pena recordar que, em março deste ano, existiam apenas cinco creches a funcionar à noite ou ao fim de semana em Portugal, segundo os dados recolhidos junto do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, na altura, pelo “Diário de Notícias”.
O Clube dos Pequenos, em Braga, vem assim juntar-se às que já se encontram em funcionamento noutras regiões do País: duas em Lisboa, uma no Porto, uma Coimbra e mais em Portalegre.
A construção da nova creche, situada na Rua Caixas de Águas, em Gualtar, exigiu um investimento de 2,3 milhões de euros, com 875 mil euros obtidos através do Plano de Recuperação e Resiliência, PRR.