Os números recorde de novos infetados da segunda vaga ameaçam fazer o País recuar à situação de emergência vivida em março. Desta vez, o cenário é diferente: as crianças regressaram às creches e não parece existir, da parte do governo, intenção de ordenar novamente o encerramento.
Ainda assim, verifica-se o perigo real de infeção e de surgimento de surtos nas creches e noutros estabelecimentos escolares. Algo que, a acontecer, poderá forçar as autoridades de saúde a decretarem o encerramento temporário da creche afetada. Nesse caso, reacende-se o debate que se prolongou durante várias semanas durante a primeira vaga. Se as crianças não podem ir à escola, deve ou não haver direito a uma isenção ou redução do pagamento da mensalidade?
“O princípio básico não se alterou”, explica à NiT Sónia Covita, jurista da DECO Proteste que frisa que a “resposta é essencialmente a mesma” que foi dada há seis meses. “É um facto inalterável que não está a ser prestado um serviço”.
A experiência da primeira vaga foi esclarecedora e demonstrou, na opinião da jurista, a incapacidade das creches continuarem a prestar algum tipo de apoio ou serviço à distância.
“Nos mais pequeninos, as escolas não conseguiram proporcionar nenhum tipo de acompanhamento. Os relatos que recebemos era do envio de uns vídeos com músicas, atividades que não ocupavam mais de 15 minutos do tempo do dia das crianças. A responsabilidade recaiu toda sobre os pais que ficaram a cuidar delas”, expõe Sónia Covita.
Ao contrário do que acontece com crianças mais velhas, que podem acompanhar as aulas através da Internet, o encerramento de um estabelecimento implica um regresso a casa e, nesse cenário, “não há um serviço”. Portanto, “a mensalidade não faz sentido ser paga”.
Apesar de a lei proteger os pais, a jurista repete o apelo ao bom-senso e às creches, que devem avançar por sua iniciativa própria para uma redução do valor da mensalidade, excluindo sempre a alimentação, extras por prolongamento de horário ou atividades extra-curriculares.
Do lado dos pais, pede também que sejam sensíveis às potenciais dificuldades dos estabelecimentos. “Na prática, têm que pensar no futuro. Se não pagarem as mensalidades, num cenário catastrófico, haverá muitas creches que poderão fechar e obrigar a encontrar outro local para colocarem as crianças.”
Contrariamente ao encerramento prolongado dos estabelecimentos de ensino vivido na primeira vaga, os caso de infeção poderão implicar encerramentos temporários, por períodos mais curtos. Ainda assim, o princípio é o mesmo, devendo existir uma redução do valor proporcional aos dias perdidos. Algo que Sónia Covita alerta que poderá estar até previsto nos estatutos das creches.
“Quando as crianças faltam, por exemplo, por mais de 15 dias — o número poderá variar de escola para escola — e as faltas são justificadas, pode haver uma redução. Muitas vezes está até previsto nos estatutos. Se não estiver, é uma questão de negociar. Se num mês, a criança só vai por duas semanas, nas outras duas a escola deve ter isso em atenção, até porque não teve lá as crianças. Faz sentido haver um desconto sobre a mensalidade”, explica.
Apesar de a razão estar do lado dos pais, Sónia Covita alerta que toda esta solução existe num plano teórico. Na prática — conforme pode experienciar durante a primeira vaga —, este confronto entre pais e creche pode ser bastante mais complicado do que um mero acenar de um imperativo legal.
“Os pais dizem que se não pagarem, no ano seguinte a escola não aceita a inscrição dos filhos. Isso cria um problema prático. A verdade é que deixar este tipo de soluções ao bom-senso das partes, pedir-lhes que tentem conversar, é muito arriscado. Sabemos que no dia a dia, o bom-senso não impera, infelizmente.”
A solução, explica, poderá estar na ação do governo que, até ao momento e mesmo confrontado com o problema na primeira vaga, optou por não tentar regular a situação. Para a jurista, já deveria ter surgido “uma decisão que fosse clara para todos”.
Seis meses depois, Sónia Covita confessa que o cenário poderá ser em tudo semelhante ao que foi vivido no início do ano. Pelas mãos da organização passaram relatos de todo o género. Houve creches e escolas absolutamente intransigentes no pagamento integral das mensalidades, outras que negociaram uma solução com descontos e até as que simplesmente optaram por não cobrar qualquer valor.
A conclusão legal é clara: está é uma situação análoga à vivida há cerca de meio ano e, por isso mesmo, mantém a validade a “regra básica de direito”, em que “o pagamento implica a prestação de um serviço”. “Se não for prestado, ainda que por fatores alheios às creches, a verdade é que não há um serviço. Logo, tem que haver, no mínimo, uma redução.”