Miguel Pina Martins começou a sua empresa com 22 anos. Estava na Licenciatura em Finanças do ISCTE e precisava de um projeto de final de curso, sobre um plano de negócios para uma nova startup. A área dos brinquedos educativos acabou por ser uma escolha não totalmente sua, foi-lhe na verdade atribuída — a ele e aos colegas do grupo de trabalho. Mas tornou-se logo natural, devido em parte a uma condicionante prática: uma parceria com a Faculdade de Ciências que poderia permitir um certificado nos kits de física que teriam de idealizar.
Estes kits de física, os primeiros da Science4You, já venderam milhões de unidades em todo o mundo. Eles e os restantes brinquedos da marca. Os 1.250 euros de poupança do estudante universitário Miguel tornaram-no, 13 anos depois, no CEO de uma das empresas portuguesas com um crescimento mais impressionante nas últimas décadas. Conseguiu tornar-se líder em Portugal e criar nome no estrangeiro, furar o complicado e competitivo mercado internacional dos brinquedos educativos, faturar mais de 75 milhões de euros, em 62 países.
A NiT falou com o fundador e criador da marca de brinquedos nacional para perceber como tudo aconteceu e porquê. Se por sorte, trabalho, diferenciação, timing certo — ou de tudo um pouco. “Basicamente foi o meu projeto final de curso, essa catapulta de fazer um bunsiness plan; mas a ideia veio muito porque havia uma parceria com a Faculdade de Ciências em que eles permitiam que houvesse um certificado nos kits de física. Estes depois dão brinquedos científicos e acabou por ser essa a catapulta, ter os símbolos da Faculdade de Ciências nos brinquedos. Foi um pouco por aí que a coisa conseguiu crescer e rolar”, explica-nos o empresário.
Mas não só. Miguel não era especialista em brinquedos, aos 22 anos ainda nem tinha filhos, mas sentia que havia uma lacuna neste mercado. “Claramente havia, não era fácil encontrar um brinquedo a um preço justo, que permitisse que as crianças aprendessem enquanto brincassem sobretudo nesta área das ciências. E sim, foi também muito por ai”. Quando criou a empresa, começou por fazer tudo praticamente sozinho. O objetivo era criar uma marca inovadora, que aliasse diversão e aprendizagem no mesmo brinquedo e que incentivasse as crianças a interessarem-se pelas ciências experimentais — neste caso através dos kits educativos que permitem a realização de várias experiências.
Os 1.250€ foram o investimento que Miguel pôs do seu bolso no capital de risco que viria a financiar a marca. A empresa foi então criada por capital de risco e business angels e no âmbito do Programa FINICIA com 55 mil euros, em que 45 mil constituíram micro capital de risco financiado pela Inovcapital. Depois disso, o crescimento tem sido quase constante, os prémios atribuídos também.
Atualmente, Miguel Pina Martins tem 36 anos. É licenciado em Finanças, pelo ISCTE, com mestrado de Gestão na mesma instituição e o sonho desde novo de ter os seus projetos continua a crescer. Em 2020 em plena pandemia foi um dos fundadores e é atual presidente da Associação de Marcas de Retalho e Restauração, que se tornou rapidamente numa das maiores associações nacionais.
O fundador da empresa de brinquedos tem agora três filhos: dois com cinco anos e um com dois e meio. “Já começam a brincar com os produtos, claro”, admite. Perguntamos se eles são uma espécie de provadores oficiais, controlo de qualidade em casa. “Sem dúvida, já começam a ajudar bastante nesse aspeto”, brinca.
Em 13 anos, geraram milhões de euros em vendas e produziram mais de 10 milhões de brinquedos. O caminho nem sempre foi fácil e linear — o arranque passou por muitos dos habituais improvisos, a subida por alguns percalços e chegando a 2020 vem uma pandemia que estagna praticamente o setor dos brinquedos, como tantos outros.
“Foi uma longa caminhada, cheia de vitórias, derrotas e de desafios constantes. Foram 13 anos sempre a aprender, especialmente no último ano de pandemia onde os desafios se multiplicaram”, frisa o fundador. Sobretudo pela falta de festas de aniversário, “que é o que alimenta o mercado dos brinquedos durante o ano, e também pelo facto de termos as nossas lojas e os nossos clientes fechados”, explica-nos Miguel.
Diz que as pessoas podem não ter bem noção da importância das festas de aniversário para um negócio como este. “É um mercado muito importante, as pessoas compram sobretudo brinquedos para levar para a festa de aniversário do familiar ou amigo; sem elas uma retoma estará sempre condicionada”.
Felizmente, ainda antes da pandemia chegar a expansão para o estrangeiro já começara e essa fora relativamente fácil e natural. “Por alguma razão nos começámos a chamar Science4You e não Ciência para Ti. A ambição de expandir estava lá, era algo que desde logo ambicionava. Por isso começou logo por ai”, explica.
E depois porque “felizmente em 2009 começámos logo a exportar para a FNAC em Espanha. As coisas estavam a correr bem em Portugal e fomos um bocado atrás desse objetivo e foi essa a alavanca”, recorda.
Agora, vendem-se brinquedos em dezenas de países e a marca é uma das mais procuradas (e com mais vendas) do seu segmento, na Amazon espanhola. “Temos uma quota de mercado muito interessante na Amazon, mas não só em Espanha: nas Américas, etc., genericamente os brinquedos podem ser compradas em qualquer parte do do mundo e não só na Amazon — nas Tescos, Carrefour, JouéClub”, adianta. Há já delegações em Madrid e Londres e lojas em diversas cidades.
Da enorme panóplia de brinquedos já criados, o com mais sucesso até hoje foi o Slime; mas em 2020 surgiu um outro kit que também se tornou notícia um pouco por todo o lado: o brinquedo do vírus, desenhado para conseguir explicar a situação da Covid-19 aos miúdos. “Foi criado por causa do vírus, um brinquedo relativamente único de um tema muito importante que é ensinar as crianças a defender-se do vírus e teve um bom comportamento na Amazon também”, explica Miguel.
Depois disso, a marca já lançou mais dois brinquedos associados ao contexto Covid. Um de forma mais direta, a Fábrica de Sabonetes, em que “ensinamos as crianças a fazerem diferentes sabonetes e explicamos a importância de lavarmos adequadamente as mãos”. No segundo brinquedo, o Explorador da Natureza (chega ao mercado neste primeiro trimestre 2021), “pretendemos retirar as crianças de casa, colocando-as na natureza e não em ambientes fechados. Na nossa opinião, esta será a maneira mais saudável de passarmos por esta época de confinamento e de tantas restrições”, frisa o fundador.
Neste momento não é o vírus nem são os slimes os líderes de vendas, mas sim os habituais e iniciais jogos de ciência, como o Meu Primeiro Kit de Ciência. Mas há sempre novidades a surgir e a NiT quis saber como: de onde surgiam as ideias, se escolhiam as melhores e para onde se ia depois.
“Numa primeira fase, é feito o Brain Storming (Interno ou comercial) das ideias, Flashs meeting e sourcing do produto. Posteriormente a prototipagem com a orçamentação devida. De seguida todos os ajustes necessários, desde aprovação (cliente interno ou focus group), a ajustes de orçamento, aprovação final de orçamento e protótipo final do produto. Depois a finalização do design de produto, a criação de produto em sistema, a criação de resumo do produto no partilhado de equipa e a aprovação na operação. De seguida o desenvolvimento de artes mãe finais e por fim as respetivas traduções e certificações do produto. E está pronto a entrar no mercado”, explica.
Ainda sobre a pandemia, para esta marca 2020 foi também, como em tantos outros casos, um ano de reivenção. “Nunca é fácil uma empresa reinventar-se no seu negócio ainda para mais num momento de crise. Para a Science4you houve um privilégio enorme que é a existência de uma fábrica com 10 mil metros quadrados que permitiu uma readaptação dos conteúdos a produzir”, explica. Desta forma a adaptação foi exatamente esta: “iniciamos a produção de Óculos de Proteção Individual e o enchimento de frascos de Álcool Gel. A Science4you teve de garantir que as equipas se reorganizassem a nível de espaços e áreas de produção”. As vendas do ano passado passaram mais por aí (álcool gel e óculos) do que pelos brinquedos.
Mas é a esses que querem regressar no futuro imediato, depois da crise. “Queremos continuar a exportar e a criar uma pegada internacional da marca. Nos próximos tempos vamos apostar no lado do e-commerce, cada vez mais”. As bancas nos centros comerciais, entretanto reduzidas, já não deverão voltar na mesma dimensão. “Vamos retomar algumas, não vamos retomar certamente todas as que tivemos no passado. Depois disto, a estratégia passará muito pelo online”.