Na cidade

De Caminha a Portimão. João Chalupa fez 798 quilómetros de patins em linha (sem cair)

Passou 12 dias a patinar — e a levar buzinadelas dos carros. O jogador de hóquei foi o primeiro a percorrer o País desta forma.
Tem 30 anos.

Quando o jogador de hóquei João Chalupa contou à família e amigos que ia percorrer Portugal “de ponta a ponta” de patins em linha, disseram-lhe que era uma loucura — mas adoraram a ideia. Seria o primeiro a fazê-lo e o atleta, natural de Santiago do Cacém, sempre adorou desafios. Conhecido pelos vídeos de freestyle relacionados com o desporto, entrou para o Guinness World Records em 2019 como o hoquista que deu mais toques na bola com o stick num minuto: foram 513. Agora, voltou a fazer história.

João tinha cinco anos quando começou a jogar hóquei. A mãe queria que praticasse voleibol, mas o atleta apaixonou-se pelo desporto que se joga de patins quando o viu ao vivo pela primeira vez. Começou a praticar pouco depois e nunca mais parou — já lá vão 25 anos. 

Patinava tão bem quanto andava, mas, assim como todos os jogadores de hóquei, “tinha uma espécie de aversão aos patins em linha”. “Exige uma técnica diferente da nossa maneira de patinar. Os patins paralelos têm um travão à frente e basta inclinar as costas para travar. Se fizermos isso com os lineares, caímos no chão”, começa por contar à NiT o atleta de 30 anos. Ainda assim, nem isso o impediu de ter uma “certa curiosidade” em experimentar.

Há cerca de dois anos começou, aos poucos, a andar pela rua com os patins em linha. Percorreu os primeiros cinco quilómetros, depois dez e, à medida que completava novos desafios, “queria sempre mais”. Em maio deste ano, percorreu a Ecopista do Dão e fez 100 quilómetros (ida e volta) sem tirar as rodas dos pés. Na altura, pensou: “Se consigo isto, também consigo fazer a volta a Portugal”.

“A ideia começou mexer com a minha cabeça. Decidi pesquisar e planear uma rota adequada, para evitar caminhos de terra batida e pedras da calçada”, recorda. Conseguiu convencer a namorada e um colega de faculdade a embarcarem com ele nesta aventura, para poder ter um carro de apoio se algo corresse mal e para o ajudar nas descidas mais íngremes (e perigosas). 

Quando percebeu que o desafio se tinha tornado sério, arranjou um trabalho extra numa fábrica para o conseguir financiar, mas, ainda assim, precisava de alguns patrocinadores. Quando conseguiu arranjá-los, percebeu que não havia volta a dar: ia mesmo percorrer Portugal de patins em linha.

Na manhã de 27 de agosto, um domingo, partiu de Caminha, em Viana do Castelo, em direção ao sul do País, numa viagem histórica que terminou a 7 de setembro. Pelo caminho, passou pelo Porto, Aveiro, Figueira da Foz, São Pedro de Moel, Santa Cruz, Sintra, Belém, Quinta do Conde e Sines, até chegar a Portimão. Foram 12 dias e 798 quilómetros a patinar, em estradas que nem sempre eram acessíveis, a levar buzinadelas de condutores impacientes — e sem nunca cair. 

“Houve muitas ameaças de queda, algumas graves, como quando ia a 40 quilómetros por hora, a descer, e quase que fiz a espargata. Magoei-me na virilha, mas não foi nada de catastrófico, acabou por passar”, conta. Por outro lado, as dores que não passavam eram as que sentia nos pés. Logo no primeiro dia ficou com os pés cheios de bolhas, “que rebentaram e deixaram buracos autênticos” nos pontos onde as botas faziam pressão.

“Sempre que calçava os patins, punha um creme para esquecer as dores. Não melhorava muito, por isso tinha de estar sempre a pôr”, adianta. Houve vários momentos em que pensou desistir, fazer uma pausa durante um dia ou dois, mas a ambição e a vontade de concluir o desafio venceram todos os medos, dores e receios.  

Quando decidiu colocar um papel no carro a indicar que anda fazer a volta a Portugal de patins, as pessoas com quem cruzava “trocaram os insultos e buzinadelas pelas palavras de apoio”. Entre tantos encontros, recorda um rapaz em particular, que o inspirou a continuar. Em Troia, cruzou-se três vezes com um esloveno, que andava a fazer uma viagem de bicicleta e preparava-se para regressar a casa.

“Na terceira vez que o vi, ofereci-lhe água e comida. Primeiro rejeitou, mas disse-lhe que ‘comida nunca se recusa’ e lá aceitou. Depois disso seguimos juntos mais um bocado até que nos separámos, mas ainda conseguimos focar ligados através do Instagram”, começa por contar. Graças a essa ligação, conseguiu ajudá-lo mais tarde, quando o esloveno ficou a dormir na rua em Sines e precisava de tomar de banho. 

“Consegui arranjar-lhe um duche no meu pavilhão de hóquei, que fica mesmo ao lado do sítio onde dormiu nessa noite. Depois, passou o dia no McDonald’s para poder trabalhar. Fazia traduções de checo para inglês e ganhava o suficiente para comer e abastecer-se durante a viagem. A história dele emocionou-me bastante e inspirou-se a fazer algo semelhante”, conta.

João percorria cerca de 60 a 70 quilómetros por dia, mas era obrigado a parar sempre que começava a chover (por ser muito perigoso) ou quando teve de alterar rotas porque a estrada não era adequada. “Uma das coisas mais difíceis, mas fez parte da emoção disto tudo, era não saber o que estava por vir. Andava muito ao calhas”, confessa. Nas descidas mais íngremes, o truque era apoiar-se no carro de apoio para conseguir abrandar.

O mais incrível no meio de tudo isto é que, durante os 12 dias, só precisou de trocar as rodas dos patins uma vez. “Conseguia fazer os 700 quilómetros com as mesmas, mas como apanhei chuva, perderam aderência e troquei-as por umas novas”, afirma. As noites eram passadas em casas de familiares ou amigos que conheciam naquelas localidades e, quando não era possível, pernoitavam em parques de campismo. 

O atleta conseguiu dar por terminado o desafio a 7 de setembro, quando chegou a Portimão, cheio de dores nos pés. No dia seguinte, já estava de volta aos treinos do Hóquei Clube Vasco da Gama de Sines.

A seguir, carregue na galeria para ver algumas fotografias desta viagem louca. 

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